Jornal Estado de Minas

MÉXICO

Tragédia em Ciudad Juárez evidencia o custoso 'trabalho sujo' do México na política migratória dos EUA

A morte de 39 migrantes em um centro de detenção de Ciudad Juárez é a mais recente tragédia de uma crise agravada pela pressão dos Estados Unidos para conter massivos fluxos de migrantes ilegais.



As circunstâncias do incêndio da última segunda (27) evidenciam os custos que o México assumiu ao aplicar as políticas que Washignton impôs durante o governo de Donald Trump (2017-2021) e que persistem com Joe Biden.

- Por que os migrantes se amontoam no México? -

"O que aconteceu em Ciudad Juárez é consequência da onda de pressão das políticas dos Estados Unidos", disse à AFP Eunice Rendón, especialista em migração.

Ela se refere ao acúmulo de milhares de estrangeiros na fronteira como resultado dos Protocolos de Proteção a Migrantes (MPP ou "Quédate en México", "Fique no México", em tradução literal para o português) e do Título 42, decretos do governo Trump.

Como parte dessas medidas, o México recebe as pessoas recusadas pelas autoridades americanas ou que aguardam pelas suas audiências.

O Título 42, que chega ao fim em maio, autoriza as expulsões sumárias com a desculpa da pandemia, enquanto o MPP - já desativado - obrigava os migrantes a esperar no México a resposta para a solicitação de asilo ou refúgio.

Como alternativa ao Título 42, Biden lançou um aplicativo para celulares - CBP One - para solicitações de asilo, que segundo os migrantes está saturado.



Somente no ano fiscal de 2022 se contabilizaram 2,3 milhões de prisões e expulsões, cinco vezes mais que em 2020.

Os migrantes permanecem nas cidades fronteiriças sem emprego nem recursos, o que tem "causado danos" à saúde mental deles, adverte Rendón.

Mesmo com os albergues lotados e tendo que viver nas ruas, os emigrados preferem esperar por uma resposta na fronteira, pondo uma enorme pressão em localidades como Ciudad Juárez e Matamoros.

Dias antes da catástrofe, que deixou também 27 feridos gravemente, Cruz Pérez Cuéllar, prefeito de Ciudad Juárez, advertiu que a "paciência" com os migrantes estava "acabando".

Um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) aponta que, desde 2014, aproximadamente 4.4000 pessoas morreram e desapareceram na fronteira de 3.180 quilômetros.

- Qual o papel do México? -

Desde 2019, o governo mexicano enviou mais de 20.000 militares para suas fronteiras, diante da ameaça de sanções comerciais do governo Trump. Dessa maneira, buscava conter o ingresso de migrantes da América Central e que se repetissem caravanas como a que ocorreu em 2018.

Segundo a Anistia Internacional, agentes mexicanos enviaram, ao menos, 281.149 pessoas para "centros de detenção migratória massificados" e expulsaram aproximadamente 98.299, majoritariamente centro-americanos. Entre eles, havia "milhares" de menores desacompanhados.

O México "está fazendo o trabalho sujo", disse Rendón. No entanto, ela reconhece que o governo mexicano tentou uma política "mais humanitária" com os migrantes, como concessão de asilo, financiamento de programas sociais em países da América Central e apoio aos planos americanos para admitir milhares de venezuelanos.