Os combates mortais entre o exército e os paramilitares deixaram ao menos 27 mortos e 170 feridos, informou o sindicato médico em um boletim atualizado neste domingo (noite de sábado no Brasil).
"Uma contagem inicial dos fatos lamentáveis deste sábado (...) resultou em 27 mortos", alguns deles na capital, Cartum, acrescentou o sindicato. Os confrontos foram registrados no sábado e se estenderam pela madrugada de domingo.
Viram-se colunas de fumaça sobre os quartéis dos paramilitares e do aeroporto internacional de Cartum.
Pela manhã, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), do general Mohamed Hamdan Daglo, também conhecido como "Hemedti", anunciou a tomada do aeroporto internacional e do palácio presidencial, e convocou a população e os soldados a se rebelarem contra o Exército.
Os paramilitares das FAR "não vão parar até tomarem o controle de todas as bases militares", ameaçou Hemedti, em um telefonema à emissora Al-Jazeera, do Catar.
O Exército regular, chefiado pelo general Abdel Fatah al Burhan, líder "de fato" do Sudão desde o golpe de 25 de outubro de 2021, anunciou que havia mobilizado as forças aéreas contra "o inimigo".
O Exército negou que as FAR tenham tomado o aeroporto internacional e garantiu que alguns paramilitares "se infiltraram e incendiaram aviões civis, incluindo um da Saudi Airlines". O incidente foi confirmado por Riade. A companhia informou que um de seus aviões sofreu danos causados por tiros no aeroporto de Cartum.
À noite, em declarações à emissora Ski News Arabia, dos Emirados Árabes Unidos, Hemedti reiterou que foi "forçado" a agir. "Não fomos nós que começamos", reforçou, instando o general Al Burhan a "se render".
O exército, por sua vez, publicou em sua página no Facebook um "alerta de busca" contra Hemedti. "Esse criminoso foragido é procurado pela justiça", dizia a mensagem, acompanhada de uma fotomontagem.
- Pedidos de moderação -
Ambos os lados também se enfrentam pelo controle da imprensa estatal, segundo testemunhas. O sinal de televisão parece ter sido suspenso.
Os moradores de Cartum estão entrincheirados em suas casas. "Como todos os sudaneses, estamos abrigados", tuitou o embaixador americano, John Godfrey.
"Faço um apelo aos altos comandos militares para que ponham fim aos confrontos, imediatamente", acrescentou.
O governo brasileiro pediu "moderação" e expressou seu "apoio às negociações políticas com o objetivo de restabelecer um governo civil de transição".
Os apelos a um cessar-fogo, que vieram, ainda, de ONU, Rússia, França, Itália, União Africana, Liga Árabe, União Europeia e, inclusive, do ex-primeiro-ministro civil sudanês Abdallah Hamdok, não foram ouvidos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou, por meio de seu porta-voz, que uma "escalada no conflito terá um impacto devastador para os civis e vai agravar ainda mais a já precária situação humanitária do país".
A Liga Árabe, a pedido do Egito e da Arábia Saudita, vai celebrar uma reunião de emergência no domingo para discutir a situação no Sudão.
- "Mentiras" -
Durante o golpe de dois anos atrás, Hemedti e Burhan uniram forças para expulsar os civis do poder. Mas com o tempo, as desavenças entre os dois foram crescendo até resultar em violência.
Hemedti, que há pouco se colocou do lado dos civis e, portanto, contra os militares nas negociações políticas, qualificou seu ex-aliado, agora rival, de "criminoso que destruiu o país".
As FAR, que reúnem ex-milicianos da guerra de Darfur, asseguram que foram "surpreendidas de manhã pela chegada de um grande contingente do exército que sitiou seu acampamento, em Soba", no sul de Cartum, e as "atacou com todo tipo de armas pesadas e leves".
O exército regular denunciou o que chamou de "mentiras" e acusou as FAR e ter iniciado as hostilidades.
"Os combates começaram quando as FAR atacaram bases do exército em Cartum e em outros locais do Sudão", disse à AFP o general Nabil Abdallah, porta-voz do exército. O Exército, acrescentou "cumpre seu dever de proteger a pátria".
Os desacordos entre os dois lados se concentram, principalmente, no futuro dos paramilitares e sua integração às Forças Armadas.
Embora o exército não rejeite sua integração, quer impor suas condições e limitar sua incorporação com o tempo.
O general Daglo exige uma inclusão ampla e, sobretudo, um cargo para ele no estado-maior.
Esta disputa bloqueia a transição democrática, exigida pela comunidade internacional para retomar a ajuda ao Sudão, um dois países mais pobres do mundo.