Jornal Estado de Minas

EUA pedem extradição de suspeito de ser espião russo que se passava por brasileiro

O governo dos Estados Unidos pediu a extradição do russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, que está preso no Brasil e é apontado pelo FBI (a polícia federal norte-americana) como um agente de inteligência a serviço do governo russo que se passava por brasileiro.





A informação foi confirmada nesta quarta-feira (26/4) à BBC News Brasil pelo Ministério das Relações Exteriores. Cherkasov vem negando ser um espião.

A BBC News Brasil solicitou uma posição da Defensoria Pública da União (DPU), que atua na defesa de Cherkasov, mas nenhuma resposta foi enviada até o momento.

Segundo o Itamaraty, o pedido de extradição foi feito pelas autoridades norte-americanas na terça-feira (25/4).

"O Ministério das Relações Exteriores recebeu, na data de ontem (25/4), o pedido de extradição de Sergey Vladimirovich Cherkasov feito pelo governo dos Estados Unidos. O pedido será prontamente encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), autoridade central para a cooperação jurídica internacional", diz a nota enviada pelo Itamaraty à BBC News Brasil.

O pedido feito pelos norte-americanos deverá tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF), instância responsável pelo julgamento de casos de extradição.

Cherkasov, aliás, já é alvo de um outro pedido de extradição, mas feito pela Rússia, em agosto de 2022.





O russo foi preso no Brasil em abril de 2022 após ser impedido de entrar na Holanda, quando tentava iniciar um estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), que investiga e julga crimes de guerra.

Na ocasião, Cherkasov usava documentos falsos brasileiros e adotava a identidade de Victor Muller Ferreira. No Brasil, ele foi condenado a 15 anos de prisão pelo uso de documentos falsos.

As investigações conduzidas pela Polícia Federal após a sua prisão apontaram indícios de que ele atuava como um agente de inteligência a serviço do governo da Rússia. Além da condenação, Cherkasov ainda é alvo de um inquérito por lavagem de dinheiro.

Acusação dos EUA

Em março deste ano, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos formalizou uma acusação contra Cherkasov por crimes como atuação de agente estrangeiro em solo norte-americano sem autorização, fraudes financeiras e com objetivo de obter um visto.





Na acusação, o governo norte-americano afirma que Cherkasov é um oficial do Departamento Central de Inteligência (GRU) e que usava a identidade brasileira para se infiltrar em instituições e obter informações estratégicas como a análise de especialistas em geopolíticas sobre a reação dos países alinhados aos Estados Unidos à invasão da Ucrânia.

Segundo o FBI, Cherkasov fazia parte de um grupo considerado a elite da espionagem russa, formado por espiões que são enviados a outros países pelo governo russo com a missão de assumir diferentes nacionalidades e personalidades para conseguir acesso a informações de políticos, acadêmicos, instituições e empresas de interesse do governo russo. 

Procurada inúmeras vezes para se manifestar sobre o assunto, a Embaixada da Rússia não respondeu aos pedidos de informação sobre o caso. O governo russo também não se manifestou sobre o episódio.

Pedido da Rússia

Trecho de 'carta garantia' em que o consulado-geral da Rússia oferece suas instalações para receber o suspeito de espionagem Sergey Vladimirovich Cherkasov (foto: Reprodução)

Em agosto de 2022, o governo da Rússia formalizou um pedido de extradição de Cherkasov alegando que ele seria, na verdade, um traficante de drogas procurado pelas autoridades russas há quase 10 anos.





Ouvido no processo, Cherkasov chamou atenção ao afirmar que gostaria de ser entregue às autoridades do seu país, apesar da possibilidade de uma pena na Rússia com maior duração do que precisaria cumprir no Brasil.

O pedido de extradição feito pelo governo russo está sob a relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin.

Em março, ele deu decisão favorável para entrega de Cherkasov aos russos, mas condicionou ao fim das investigações da Polícia Federal ainda em curso sobre a atuação dele no país.

As investigações conduzidas pela PF e pelo FBI indicam que Cherkasov usava a sua identidade brasileira para viajar por diferentes países e até mesmo para estudar em universidades de renome nos Estados Unidos (como a Universidade Johns Hopkins) e na Irlanda (Trinity College).

Os investigadores também localizaram pendrives que pertenceriam a Cherkasov e que continham, segundo a PF e o FBI, relatórios de suas atividades destinados aos seus controladores (espécie de supervisores de ações de espionagem).

Em um desses pendrives, segundo a Polícia Federal e o FBI, Cherkasov relata como teria se aproximado de uma ex-funcionária de um tabelionato de São Paulo para conseguir a autenticação de documentos de forma fraudulenta.





No relatório, Cherkasov conta que chegou a dar um colar de US$ 400 da marca Swarovski para ela, como revelou a BBC News Brasil em março deste ano.

Desde o surgimento do caso de Cherkasov, vieram à tona pelo menos outros dois casos de supostos espiões russos usando identidades falsas brasileiras. Um deles foi preso na Noruega, em outubro de 2022.

O outro teria desaparecido no início deste ano após uma viagem à Malásia.

Possibilidade de crise diplomática

O pedido de extradição dos norte-americanos pode colocar o Brasil em uma crise diplomática. Isso pode ocorrer porque o julgamento desse pedido cabe ao STF, mas a lei faculta ao presidente da República a decisão sobre entregar ou não a pessoa extraditada.

As autoridades brasileiras terão que decidir se e para quem o país vai extraditar Cherkasov: Estados Unidos ou Rússia.

O pedido também chega em um momento de intensificação das tensões entre os dois países, especialmente após o início da invasão da Ucrânia por tropas russas, em fevereiro de 2022.

Os Estados Unidos são o principal fornecedor de armas para a Ucrânia desde o início do conflito.

Além das tensões por conta do conflito na Ucrânia, Rússia e Estados Unidos também enfrentam uma escalada diplomática por conta da prisão do jornalista norte-americano Evan Gershkovich, em março deste ano.

O repórter trabalhava para o jornal The Wall Street Journal, mas o governo russo acusa o jornalista de praticar espionagem no país.