Jornal Estado de Minas

PAZ NA UCRÂNIA

Brasil pode mediar acordo de paz, diz Amorim

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de "negociações por proximidade", mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou durante a guerra.





 

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos, ideias e preparando para o contato direto.

 

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

 

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. "Ele ouviu", disse à reportagem, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

 

 

PERGUNTA - Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia?

CELSO AMORIM - O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.





 

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido?

C. A. - Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado "negociações por proximidade", citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas .

 

O terceiro país seria o Brasil ou a China?

C. A. - A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.





 

Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que "o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia". Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos.

C. A. - Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

 

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que "se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia", em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração?

C. A. - Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.





 

Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito.

C. A. - Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer. Ninguém levará tudo que tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

 

Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina?

C. A. - Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

 

Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios?

C. A. - Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer esta proposta aqui está certa ou errada. Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

 

Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador?

C. A. - Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.





 

Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)?

C. A. - Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

 

Quais são os próximos passos?

C. A. - Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

 

Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem?

C. A. - Não discuti isso com o presidente.

 

E há um convite da Rússia para o fim de junho.

C. A. - Tudo isso será avaliado.