A poucas horas de o Título 42 — norma implementada pelo ex-presidente Donald Trump durante a pandemia da covid-19 que permitia a expulsão automática de migrantes ilegais — deixar de vigorar, na madrugada desta sexta-feira (12/5), os Estados Unidos registraram índices recordes de travessias na fronteira sul, com o México.
Desde o início da semana, uma média de 10 mil estrangeiros não documentados entraram diariamente em território norte-americano. Agentes da Patrulha de Fronteiras dos EUA, soldados e autoridades de cidades posicionadas ao longo dos 3.200km de divisa tentaram manter a ordem.
À 0h59 desta sexta-feira (12/5, no horário de Brasília), o Título 42 expirou e reorientou a política migratória a uma postura mais inflexível em relação aos estrangeiros irregulares, com a retomada do Título 8. No mesmo horário, entrou em vigor a regra de presunção da "inelegibilidade" ao asilo, que fica condicionado a duas exigências: ter seguido as "vias legais" ou ter sido solicitado em um país de trânsito e sido negado.
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Em El Paso, no Texas, fronteira com o México, Irineo Mujica Arzate — diretor da ONG Pueblos Sin Fronteras — contou à reportagem que os migrantes estão "bastante perplexos". "Alguns estão esgotados por causa da espera pelo processamento do asilo e outros demonstram desespero. A situação mais grave está no lado mexicano da fronteira. Para os migrantes que estão em El Paso, creio que o governo de Joe Biden atuará de maneira favorável para a grande maioria. Mas o aplicativo CBP One — para agendamento de entrevistas de asilo nos portos de entrada — não oferece uma solução a muitos dele."
Em entrevista ao Correio, o sociólogo Ernesto Castañeda, diretor do Centro para Estudos Latinos e Americanos da American University (em Washington), explicou que, com a expiração do Título 42, uma nova tentativa de entrar nos Estados Unidos, por parte de migrantes ilegais, será menos casual. "O Título 42 permitia um retorno mais informal, sem a criação de registros administrativos ou criminais. Com o fim dessa política associada à pandemia, os EUA tornarão a deter pessoas não documentadas, mesmo que se entreguem à Imigração. As autoridades norte-americanas também ficharão essas pessoas, registrando seus nomes, fotografias e impressões digitais. Novas tentativas de entrada no país poderiam surtir em penalidades e em proibições de ingresso por cinco anos ou mais", disse. Durante o tempo em que vigorou, o Título 42 foi usado para expulsar migrantes 2,8 milhões de vezes.
Mais difícil
Ao mesmo tempo, Castañeda alerta que pedir asilo na fronteira para migrantes provenientes de países e regiões, como Brasil, Peru e América Central, será mais difícil. "Os estrangeiros ilegais precisarão usar o aplicativo CBP One, que tem limite de mil atendimentos por dia. As pessoas deverão ter solicitado e negado o asilo em outra nação, no caminho para os EUA. Outras serão enviadas aos centros regionais, a fim de se inscreverem lá. Por isso, continuará a existir pressão não apenas durante a espera de processamento no México, mas também mais ao sul", afirmou.
Professor de antropologia na Universidade do Texas em El Paso, Josiah Heyman admitiu à reportagem que existe uma catástrofe humanitária na fronteira. "Muitas dezenas de milhares de pessoas estão retidas nas cidades ao norte do México. Essas localidades carecem de abrigo e de serviços suficientes, e têm altos índices de violência e criminalidade. As novas políticas continuarão com isso", comentou o estudioso, também diretor do Centro de Estudos Interamericanos e de Fronteiras. Por sua vez, Castañeda vê o risco de catástrofe como algo real, independentemente da expiração do Título 42. "O problema está em quantas pessoas abandonam suas casas por situações de força maior, tanto na América Latina quanto no Caribe", avaliou o professor da American University.
Para Heyman, a decisão dos Estados Unidos representa o abandono explícito da lei de asilo dos EUA, seguindo o direito internacional, a qual permite a qualquer pessoa que entrar em um país, de qualquer maneira, apresentar o seu pedido de asilo. "Os Estados Unidos violarão sua própria lei. Disso, não há dúvida. Não apenas os EUA, mas os países e regiões ricas de todo o mundo abandonaram a ideia de asilo, de humanidade compartilhada, em favor de impedir a entrada de novas pessoas", explicou. "É uma tentativa de fechamento do mundo, dos prósperos contra os mais pobres. Isso pode ser observado também no Mediterrâneo."
De acordo com Elizabeth Vaquera, diretora executiva do Instituto de Liderança Hispânica Cisneros da Universidade George Washington (em Washington), o fim do Título 42 representa um retorno ao Título 8. "O direito a buscar asilo nos portos de entrada e entre eles pode ser encontrado no Título 8. Com ênfase na dissuasão, a Casa Branca continuará a devolver à força cidadãos não mexicanos ao México após o fim do Título 42, sob ordens formais de deportação", advertiu ao Correio.