Muito antes de o personagem Drácula do livro de Bram Stoker (1847-1912) desencadear uma obsessão mundial por vampiros, um príncipe europeu com bigode extravagante ganhou uma reputação assustadora por repelir sucessivas ondas de invasores otomanos.
O nome dele era Vlad 3° Drácula (Draculea, em romeno) — e, naquela época, este último nome ainda não provocava calafrios.
O nome havia sido dado por seu pai, que era membro da Ordem do Dragão, uma ordem de cavalaria monárquica reservada apenas a príncipes e aristocratas, fundada em 1408 para defender a Santa Cruz e lutar contra os inimigos da Igreja Católica. E Drácula significava simplesmente "filho do dragão".
Mas o apelido que o príncipe recebeu após a morte foi o que evocou — e continua evocando até hoje, como poucos na história da Europa — o peso da sua lendária brutalidade: Vlad, o Empalador.
Drácula era o príncipe da Valáquia, que hoje faz parte da Romênia. Ele ficou famoso em todo o continente europeu pela variedade de métodos que utilizava para executar seus prisioneiros — podia decapitá-los, fervê-los ou enterrá-los vivos, por exemplo.
Este método cruel deixava todos os órgãos vitais intactos, de forma que o imolado passava pelo menos 48 horas se retorcendo em um sofrimento inimaginável, antes de morrer.
A verdade é que este tipo de tratamento dado aos inimigos derrotados não era algo incomum na Europa medieval.
Dizem, por exemplo, que o primo-irmão de Vlad, %u015Etefan cel Mare (Estêvão, o Grande), "empalou pelo umbigo, em diagonal, um por cima do outro" 2,3 mil prisioneiros turcos em 1743. Estêvão foi adorado como santo logo após a sua morte e canonizado pela Igreja Ortodoxa Romena em 1992.
Mas a magnitude da matança orquestrada por Drácula uma década antes de Estêvão foi tão marcante, até para os padrões da época, que rendeu a ele um lugar na posteridade.
Juventude violenta
Vlad 3° Drácula nasceu em 1431, no coração da região romena da Transilvânia. Ele foi o segundo filho do nobre Vlad 2° Drácula.
Ele cresceu em um mundo de imensa instabilidade, em uma região da Europa cristã sob ameaça contínua de invasão otomana, após a queda de Constantinopla em 1453.
Aos 11 anos, Vlad 3° foi feito refém pelo Império Otomano, junto ao irmão Radu, para forçar a lealdade do seu pai, que era governador da Valáquia.
Em 1447, seu pai foi assassinado por ordem de John Hunyadi, governador da Transilvânia e importante figura militar e política da Hungria. Naquele mesmo ano, Hunyadi enterrou vivo seu irmão mais velho, Mircea 2°.
Mas Drácula escapou e reinou na Valáquia por um curto período no outono de 1448. Depois, governou novamente entre abril de 1456 e julho de 1462; e, por fim, em 1476 até sua morte, naquele mesmo ano.
A matança
A lenda de Drácula como combatente sanguinário e astuto flagelo dos otomanos foi estabelecida em junho de 1462.
Depois de diversas tentativas fracassadas de capturar o príncipe rebelde, o sultão otomano Mehmed 2° (1432-1481), cada vez mais impaciente, reuniu e comandou pessoalmente um exército de 90 mil soldados na Valáquia.
Mas o ímpeto e o moral daquele cerco impressionante sofreram um duro golpe quando o exército turco se aproximou da cidade de Târgovi%u0219te (na atual Romênia) e se deparou com uma cena horripilante.
Em uma área de cerca de um quilômetro e meio, 23.844 membros do exército otomano anterior de Mehmed, feitos prisioneiros, haviam sido empalados em semicírculo.
Com o calor do verão, o mau cheiro da morte era insuportável, exceto para as aves de rapina que se alimentavam dos soldados vivos e mortos, ou se aninhavam sobre crânios e cadáveres mais antigos.
O bosque macabro desestruturou as forças de Mehmed, e os soldados de Drácula, utilizando disfarces e táticas de guerrilha, passaram meses eliminando pouco a pouco os oponentes, até que os sobreviventes finalmente bateram em retirada.
Ele era louco?
Atualmente, muitos dos atos de crueldade de Vlad poderiam ser definidos como ações de um sociopata altamente funcional.
Além do tratamento destinado aos soldados, Vlad sacrificava animais para privar os inimigos de transporte e alimento. Também praticava guerra biológica, incentivando pessoas que sofriam de lepra, sífilis, peste e tuberculose a "vestir roupas turcas e se misturar com os soldados [inimigos]".
Outros episódios ocorridos na esfera privada também apresentavam elementos de malícia puramente patológica.
Em um desses casos, enfurecido pelo que considerou ser falta de respeito dos embaixadores italianos, que não retiraram os solidéus diante da sua presença, ele simplesmente pregou os gorros na cabeça deles.
Em outra ocasião, Vlad convidou uma multidão de anciãos, pobres, doentes, cegos e pessoas com deficiência física para um grande banquete em um restaurante de Târgovi%u0219te — apenas para enclausurá-los e queimá-los vivos. Ele depois comemorou o evento como sendo a "eliminação dos socialmente inferiores".
Mas Vlad era um "vampiro"?
Aparentemente, Drácula não tinha o costume de beber sangue — e, com tantos mortos, haveria litros e litros disponíveis, se ele quisesse.
Mas existe uma história que diz que, depois de queimar um subúrbio da Transilvânia e empalar os prisioneiros, Vlad sentou para jantar enquanto observava seus homens cortarem os membros das vítimas.
E, conforme o relato, ele "embebia o pão no sangue das vítimas", uma vez que "ver correr sangue humano lhe dava coragem".
Detalhes aparentemente reais como este alimentaram a produção e venda em massa de panfletos que propagaram sua lenda após sua morte.
Embora acredite-se que Bram Stoker, que leu sobre o príncipe romeno antes de escrever Drácula (1897), teria baseado o protagonista do seu livro nele, não há documentos que confirmem isso.
As anotações do escritor para o livro incluem menções sobre "Drácula", mas o relato histórico de onde essas anotações foram tiradas menciona apenas o seu nome, e não os fatos que tornaram o príncipe tão conhecido.
Como ele morreu?
Vlad provavelmente morreu no fim de dezembro de 1476, quando havia acabado de iniciar seu terceiro mandato como governante, em meio a um confronto com as forças turcas e do seu rival romeno, Basarab 3° Laiotá.
Um cidadão turco foi contratado para se fazer passar por um dos seus servos e, aparentemente, o atacou pelas costas. Vlad foi valentemente defendido por seu guarda-costas, até ser finalmente assassinado e decapitado.
Os turcos levaram sua cabeça para Constantinopla e a pregaram em um lugar alto, como um ato final de vingança.
Os monges locais encontraram seu dorso em um bosque perto de Bucareste (hoje, capital da Romênia) e o levaram para sua cripta no monastério da Ilha Snagov, em tributo à sua reputação de grande defensor, quase solitário, da cristandade europeia.
Mas os russos do seu tempo o consideravam herege, por ter abandonado o cristianismo ortodoxo para adotar o catolicismo romano. Por tudo isso, surgiu a suspeita de que ele não descansaria tranquilo em seu túmulo. Assim nasceu a primeira versão da lenda do vampiro.
Como ele é lembrado?
Há atualmente duas vertentes aparentemente opostas.
Uma delas é a do tirano sanguinário.
Os panfletos horripilantes sobre seus atos hediondos se tornaram um sucesso de vendas nos séculos 15 e 16. Com isso, o Drácula da vida real oferece um exemplo intrigante de um gênero de terror popular, muito antes da era dos romances — uma espécie de entretenimento obscuro baseado na realidade, provavelmente lido às escondidas.
A outra vertente é a do herói nacional.
Durante grande parte do século 15, quase nenhum governante da cristandade europeia se dispôs a lutar contra seus maiores inimigos políticos e religiosos da época, os turcos muçulmanos.
O poderoso império otomano havia tomado o antigo local sagrado de Constantinopla em 1453 e sitiado as entradas de Viena, na Áustria, em 1529.
As campanhas de Drácula contra Mehmed 2° foram, em parte, o resultado da posição geográfica da Romênia. E, quase com total certeza, foram tão pragmáticas quanto as várias batalhas que travou e as atrocidades que cometeu contra cristãos, incluindo uma série de assassinatos de monges.
Mas sua condição de salvador da cristandade romena foi duradoura e extraordinária.
O escritor e historiador Richard Sugg contou mais detalhes para a revista BBC History Extra — leia aqui a íntegra do artigo (em inglês), que deu origem a esta reportagem.