Lisboa — A professora aposentada Júlia Gonçalves, 67 anos, moradora de Braga, faz questão de ressaltar: "Não tenho dúvidas de que a migração maciça de brasileiros para Portugal fez bem ao país". Na avaliação dela, os brasileiros, no geral, são trabalhadores e estão suprindo necessidades de mão de obra em vários setores da economia lusitana. Mas há queixas — e muitas — em relação à comunidade oriunda do Brasil, que, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), somava 239,7 mil cidadãos até dezembro do ano passado, a maior entre os imigrantes. "O que eu mais detesto em relação aos brasileiros é o fato de, mesmo tendo se mudado para Portugal, usufruindo de tudo o que o país lhes proporciona, ficarem bradando que, no Brasil, tudo é melhor", diz Júlia, que indaga: "Por que, então, se mudaram para Portugal?".
Ao longo das últimas duas semanas, o Correio conversou com mais de duas dezenas de portugueses raízes para ouvir deles as 10 coisas que mais odeiam nos brasileiros. No topo da lista está a mesma reclamação de Júlia, ou seja, que tudo no Brasil é melhor. O rosário de queixas inclui, ainda, a insistência em mostrar uma intimidade que não existe, serem muito barulhentos, não respeitarem as regras de silêncio em constantes festinhas, sempre arrumarem uma desculpa para justificar os erros, pedirem descontos em aluguéis, encherem as residências por meio de sublocação de quartos, passarem a perna nos próprios brasileiros, não terem compromisso com a pontualidade e acreditarem sempre no jeitinho para tentar se dar bem.
"Fico realmente aborrecido quando me deparo com esse tipo de comportamento", diz o comerciante João Antunes, 41, morador do Porto. "E me aborreço, também, quando encontro uma pessoa e, na primeira vez, ela quer mostrar que é minha amiga íntima. Não há razão para se forçar uma amizade", enfatiza.
Para a corretora Cristina Fernandes, 59, que vive em Montijo, não se pode falar em preconceito quando se critica determinados comportamentos dos brasileiros. "Os que escolheram Portugal para viver devem respeitar a cultura do país, o jeito de ser dos portugueses. Não estou falando em subserviência, mas em respeito. Chegar a Portugal e achar que continua no Brasil não é correto, creio eu", afirma. Segundo ela, por conta de históricos nada abonadores, muitos donos de imóveis — inclusive brasileiros — não querem mais negócio com cidadãos vindos do Brasil. "O primeiro motivo é que eles já chegam pedindo descontos nos aluguéis. Cria um constrangimento. Outra coisa pavorosa: os brasileiros mentem, dizem que uma família de três pessoas vai ocupar o imóvel. Contudo, depois de assinado o contrato, aparecem oito, 10 pessoas para viver em um apartamento de dois quartos, uma loucura", frisa.
Cristina vai além: "Hoje, com o mercado de arrendamento de imóveis aquecido, há disputa por casas e apartamentos. E, pode crer, sempre os brasileiros são os que fazem as piores propostas. Por isso, enfrentam dificuldades para locar um lugar para morar." Ela reconhece ser triste dizer esse tipo de coisa, "mas, infelizmente, é o que ocorre". E, mesmo com aqueles que conseguem passar pelo crivo das imobiliárias e dos donos de imóveis, as exigências sempre serão maiores, como antecipação de aluguéis, comprovantes do Imposto de Renda e fiador. "É o preço a pagar por aqueles que acham que podem tudo, que podem desrespeitar as regras, e acham que vão sempre se dar bem."
Fora da lei
Para o barbeiro Luís Dias, 47, morador de Alcochete, o que mais irrita quando se trata de brasileiros é o barulho exagerado. "Eles não levam em conta quem são os vizinhos, se há pessoas doentes, idosos que precisam de um pouco mais de silêncio", diz. "Na minha rua, todo fim de semana tem festa na casa de brasileiros. Até aí, tudo bem. É bom ver gente feliz. O problema é que o tal churrasquinho de fim de semana começa no sábado pela manhã e vai até domingo de madrugada. Música alta e gritaria", conta. Ele já viu, várias vezes, chamarem a polícia para interromper a bagunça. Mas o compromisso com a lei dura pouco. "No outro dia, tudo começa de novo. A sensação que tenho é a de que, para os brasileiros, lei do silêncio após determinado horário da noite é ficção, mas não é", complementa.
A design gráfica Filipa Barbosa, 37, que vive em Lisboa, tem horror aos "brasileiros folgados" que adoram um jeitinho para se darem bem. "Há alguns brasileiros que estão sempre perguntando se conheço alguém em tal lugar para ajudar a resolver um problema. Já me pediram para falar com um médico amigo para furar fila de atendimento em hospital, já me pediram para arrumar convites para shows e até para forjar documentos. Lógico que sempre recusei tudo", comenta, ressaltando que, depois de dizer não, esses brasileiros nunca mais a procuraram. "Ou seja, eram amizades de conveniência."
Gerente de um badalado restaurante em Lisboa, Pedro Lima, 39, destaca que o mais terrível para ele é ver um brasileiro prejudicando outro brasileiro. Ele relata que, no ano passado, um jovem recém-chegado do Brasil o procurou em busca de uma vaga de garçom. O emprego era vital para que ele reunisse todas as condições para obter a autorização de residência em Portugal. "Qual foi a minha surpresa quando um funcionário do restaurante, também brasileiro, me disse que, se eu desse emprego para o jovem, ele denunciaria o estabelecimento às autoridades por contratar ilegais. Fiquei perplexo", detalha. "Mas me vinguei daquela traição. Dias depois, demitimos aquele mau-caráter e estendemos a mão ao jovem que se mostrou uma excelente pessoa e está conosco até hoje", emenda.
Defeitos em casa
É verdade que tudo o que os portugueses dizem odiar nos brasileiros eles também fazem. "Vamos deixar claro, há pessoas com hábitos ruins em qualquer lugar do mundo. Sou português, mas já tive de lidar com situações complicadas provocadas por meus conterrâneos, um deles, a mesquinharia", afirma o advogado Nuno Marques, 44, morador de Lisboa. "Temos uma sociedade muito conservadora, que resiste em se abrir para os estrangeiros. Já perguntei a todos os brasileiros que conheço se haviam sido convidados para visitar a casa de um português. A maioria disse não. Isso é muito ruim", reconhece.
A brasileira Cíntia Lopes, 52, moradora em Cascais, reforça esse quadro de distanciamento. "Uma das minhas melhores amigas é portuguesa. Mas, por incrível que pareça, ela nunca me chamou para a casa dela, nem para tomar um copo de água", relata.