A declaração foi dada a repórteres pelo porta-voz do Grupo Oriental das Forças Armadas da Ucrânia, Serhii Tcherevati. Ele afirmou que há cerca de 900 tanques, 555 sistemas de artilharia e 370 lançadores múltiplos de foguetes na direção de Liman e de Kupiansk, perto da região de Kharkiv.
O alerta foi dado em um dia particularmente agitado no conflito, com o ataque à ponte que liga a Crimeia ocupada à Rússia e a saída de Putin do acordo que permite a exportação de grãos ucranianos pelo mar Negro sem eventual oposição de bloqueio militar.
Segundo a Folha de S.Paulo ouviu de analistas militares em Moscou, a provável ação visa a romper as defesas de Kiev no momento em que a contraofensiva das forças de Volodimir Zelenski mostra sinais de dificuldades, com avanços apenas incrementais mais a sudeste de Donetsk e em Zaporíjia, no sul do país.
A invasão em 2022 mobilizou cerca de 200 mil militares e se provou insuficiente, por erros logísticos e táticos, para capturar Kiev. Mas a ação ocorreu em três grandes frentes, o que gerou críticas acerca do número de soldados nos esforços principais. Agora, ao que parece, a ofensiva será concentrada.
Se o cenário se confirmar, Kiev pode ter problemas. Sua contraofensiva, iniciada em 4 de junho, não rompeu as defesas russas, apesar de haver batalhas com grande atrito e perdas de ambos os lados —só que há menos soldados ucranianos, talvez 60 mil na ação. Autoridades da Otan, a aliança militar ocidental que armou e treinou as forças de Zelenski, têm baixado suas expectativas acerca de resultados rápidos.
Mas ninguém contava, ao menos publicamente, com uma nova ofensiva russa. Ao contrário, o mantra de analistas ocidentais é o da exaustão das forças de Putin, que ainda enfrentou um motim do Grupo Wagner em junho, perdendo acesso a esse recurso —muito empregado nos meses mais estáticos da guerra.
Se a ofensiva ocorrer de fato, e na direção aparente, pode cortar pela metade os 45% de Donetsk que ainda estão nas mãos da Ucrânia, colocando linhas de suprimento para a capital provisória de Kramatorsk sob risco. É um cenário novo no conflito, com consequências imprevisíveis.
Das quatro regiões anexadas ilegalmente por Putin em setembro passado, Donetsk é aquela em que ele tem menos controle territorial. Domina quase toda a vizinha Lugansk e boa parte de Zaporíjia e Kherson, que fazem uma ponte terrestre entre Rússia e Crimeia no sul ucraniano, às margens do mar de Azov.
O panorama havia sido desenhado na semana passada por George Friedman, da consultoria americana Geopolitical Futures. A seus clientes ele afirmou que havia a chance de uma ofensiva resolver a situação em Donetsk em favor de Moscou, o que poderia levar a um congelamento das fronteiras presumidas.
Friedman argumenta que o presidente americano, Joe Biden, não gostaria de entrar na campanha eleitoral de 2024 com uma situação indefinida na Ucrânia, e há fadiga entre os aliados, como disse na semana passada o presidente tcheco Petr Pavel na cúpula da Otan. Mas ele contava mais com ganhos de Kiev do que com uma ofensiva russa, que colocará em xeque o esforço em preparar Zelenski para contra-atacar.
Porém, se for em frente, Putin arrisca o coração de suas forças, e uma derrota seria desastrosa, talvez obrigando uma nova mobilização. Estima-se que, dos cerca de 1 milhão de militares russos, de 300 mil a 400 mil estejam em território ocupado na Ucrânia —assim, uma força de 100 mil é significativa.
No auge da ocupação soviética do Afeganistão, que durou de 1979 a 1989, havia 120 mil soldados de Moscou no país. Eles acabaram saindo humilhados pelos guerrilheiros islâmicos, uma derrota geracional que acompanhou o ocaso do império comunista —dissolvido logo depois, em 1991.