Mas, se depender da defesa de Geneviève Boghici, 84, a obra avaliada em R$ 1,5 milhão deverá retornar ao Brasil, assim como outro quadro vendido sem a sua permissão, em um caso policial que nesta quinta (10) completa um ano. "As obras devem voltar ao acervo do espólio e iremos iniciar contatos para reavê-las", disse o advogado Ary Brandão, que representa Geneviève.
A defesa de Sabine sempre negou as acusações. Procurado, o advogado Vanildo Júnior disse que não iria se manifestar agora. Em nota publicada em março, quando sua cliente deixou a prisão, ele afirmou que "a acusação apresenta fundamentação frágil e amparada exclusivamente na palavra da vítima, em represália a contestação da sua inventariança e pelo fato da não aceitação do relacionamento homoafetivo da sua filha".
Ela ficou sete meses presa e responde em liberdade às acusações de associação criminosa, estelionato, extorsão, roubo e cárcere privado contra a idosa. No total, seis pessoas foram presas no esquema. Atualmente apenas uma segue detida — Rosa Stanesco, que é suspeita de participação em um outro caso de estelionato.
Ela e Sabine se casaram no ano passado. Sua defesa nega as acusações e recorre da decisão. Além do quadro de Gercham, do espólio familiar foi vendida a obra "Maquete para Meu Espelho" (1964), de Antonio Dias, em uma leva de artes compradas pelo colecionador argentino Eduardo Constantini, que as emprestou ao Malba para exposição.
O museu de Buenos Aires é conhecido, entre outras coisas, por ter o quadro "Abaporu" (1928), de Tarsila do Amaral, ícone do movimento antropofágico. Constantini afirma que as aquisições das obras de Geneviève foram realizadas dentro da legalidade.
"Comprei de boa-fé, do mesmo marchand que me vendeu obras da Geneviève, a viúva. E ele, de boa-fé, pensou que eram obras que o pai tinha dado de presente à filha. Eram duas obras que são muito boas, não têm um grande valor, não é tanto dinheiro, digamos. Era o mesmo marchand amigo do Jean de toda a vida, amigo da Geneviève. E eu comprei com nota fiscal, impostos", afirmou.
Jean é Jean Boghici (1928-2015), um dos principais colecionadores do país, que morreu em 2015. Nascido na Romênia, ele foi marido de Geneviève e pai de Sabine. Ainda segundo Constantini, após o caso tornar-se público, Geneviève lhe telefonou.
"Ela disse para não me preocupar, que com essas obras não havia problema algum, mas não é a melhor experiência". "Nunca tinha passado por isso. Como eu iria imaginar que o Jean , que é um grande colecionador e marchand cuja filha tem duas obras, e que também não são obras grandes, como iria imaginar que eram roubadas? Fui ao apartamento do Jean há muitos anos e havia uma obra espetacular do Di Cavalcanti que quis comprar, mas ele me disse: 'não, essa obra, quando eu morrer, é para a minha filha'.
O apartamento, depois de muitos anos, pegou fogo, e a obra foi queimada. Total, destruição completa da obra", contou o colecionador.
O incêndio atingiu a cobertura da família em em 2012, e destruiu parte da coleção. Após a morte de Jean, o espólio passou para a administração da esposa e das filhas —uma irmã de Sabine mora fora do país.
CASO ENVOLVEU CÁRCERE E DEPÓSITOS DE R$ 9 MILHÕES A VIDENTES, DIZ POLÍCIA
De acordo com a denúncia da Promotoria do Rio de Janeiro, o crime teria ocorrido entre janeiro de 2020 e abril de 2021. Inicialmente, Geneviève teria sido convencida por supostas videntes a pagar por um tratamento espiritual que evitaria a morte de Sabine.
Ela então teria realizado oito transferências que totalizaram R$ 5 milhões em duas semanas. Após isso, passou a desconfiar que estaria sendo vítima de um golpe. E, ao se recusar a continuar com os depósitos, afirma ter sido mantida em cárcere privado pela filha no apartamento da família, em Copacabana.
Ela disse ainda que a filha a obrigou a realizar faxina na cobertura, incluindo a limpeza das fezes de 20 cachorros que pertenceriam à filha. Em uma ocasião, um dos animais a mordeu, segundo ela.
Geneviève afirmou ainda ter sido ameaçada com uma faca para fazer transferências para a conta do filho de Rosa, uma das supostas videntes. Somente um dos depósitos foi no valor de R$ 692 mil. No total, a idosa apresentou à polícia comprovantes de transferências que totalizaram R$ 9 milhões.
Ainda segundo ela, joias e obras de arte foram retiradas de sua residência, com a justificativa de que seriam benzidas. Entre elas, o quadro "Sol Poente" (1929), de Tarsila do Amaral, que fora encontrado pelos investigadores debaixo de uma cama. Somente as obras que estão expostas no Malba não foram recuperadas.
Sabine ganhou a liberdade em março deste ano, mas não pode se aproximar da mãe. Geneviève tentou, em outra ação judicial, torná-la indigna da herança, mas desistiu do processo. E, continua a pagar o plano de saúde da filha. "Ela sabe que é vítima, mas mantém o amor maternal", disse o advogado de Geneviève.