Um congresso internacional sobre o pontificado de Pio XII (1939-1958) ocorrerá de 9 a 11 de outubro em Roma, para analisar o novo material que o papa Francisco disponibilizou em 2020 para os pesquisadores.
Embora o Vaticano tenha publicado a maior parte dos arquivos da época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em 1981, cerca de 16 milhões de documentos inéditos foram adicionados à já extensa coleção, a fim de serem consultados por historiadores e teólogos.
Portanto, não são esperadas grandes revelações sobre o papel de Pio XII na guerra e no extermínio dos judeus pelos nazistas.
As coisas não são "no preto e branco", resumiu o bispo auxiliar de Reims (nordeste da França), Etienne Vetö, também ex-diretor do Centro Cardinal Bea - um instituto de pesquisa em Roma sobre as relações entre judeus e cristãos.
Por décadas, existiram duas versões radicalmente opostas sobre este papa nascido no século XIX, "embaixador" da Santa Sé na Prússia e depois na Alemanha.
A primeira de um pontífice recluso em seu palácio, que nunca denunciou a perseguição, deportação e extermínio dos judeus. E a segunda personifica um papa discreto, cujos padres e freiras esconderam pelo menos 4.000 judeus romanos, e que evitou também represálias contra os católicos europeus.
Os arquivos abertos em 2020 "não mudam a linha dominante da historiografia, que é a do silêncio público. Mas eles expõem melhor o raciocínio por trás disso", afirma a historiadora da Escola Francesa de Roma, Nina Valbousquet.
- "Imparcialidade" -
Para seus defensores, Pio XII combinou prudência diplomática com o imperativo de neutralidade enquanto papa, uma teoria feita e aplicada por Bento XV durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
O professor de História Contemporânea, Gabriele Rigano, acredita que a escolha foi consciente e atendeu às exigências do papa e da Igreja Católica, "que podem ser resumidas na política de imparcialidade", explica.
O Vaticano também realizou ações humanitárias e, nos bastidores, esforços de mediação que hoje são incompreensíveis, dada a "inconcebível lacuna moral" entre ambos os lados, destacou Rigano.
No Vaticano - e não apenas lá - também havia a ideia de que a Alemanha "poderia se tornar no futuro uma fortaleza contra o comunismo", aponta o vaticanista Marco Politi.
Os críticos de Pio XII o acusam, em particular, de nunca ter proferido as palavras contra as perseguições que se esperavam do líder de uma comunidade religiosa tão poderosa.
Entre os documentos que atestam que o Vaticano sabia da existência de campos de extermínio no final de 1942, está uma carta datada em 14 de dezembro, na qual um jesuíta alemão antinazista, Lothar König, menciona "o crematório" do campo de Belzec, na Polônia, ao secretário particular do papa, o alemão Robert Leiber.
- Longo caminho -
A principal contribuição dos últimos arquivos publicados menciona a reforma da Igreja em relação aos judeus após o Holocausto.
O 'governo' da Santa Sé, a "curia", estava marcada por um "forte anti-judaísmo", que beirava o "antissemitismo", lembra Gabriele Rigano.
Por meio da figura de Pio XII, "o Ocidente se olhou no espelho e, inconscientemente, contemplou seu próprio colapso", garante o especialista.
O silêncio de Pio XII contrastava com o grito de seu antecessor, Pio XI, após a promulgação das leis raciais fascistas na Itália.
Para Vetö, o Holocausto foi um "alerta" para a Igreja, que percebeu que sua doutrina havia sido "um terreno fértil para a planta venenosa do antissemitismo".
O caminho da redenção da Igreja será longo, diz Nina Valbousquet, com "a persistência dos preconceitos antissemitas no pós-guerra imediato e a falta de consciência do que foi o Holocausto" até 1962, no julgamento e enforcamento do ex-tenente-coronel das SS Eichmann.
Mas somente em 1965, com o incentivo do Concílio Vaticano II, a Igreja condenou formalmente o antissemitismo.
Um processo de beatificação foi iniciado em 1967 para Pio XII, mas ficou estagnado desde que Bento XVI o proclamou "venerável" em 2009.