Jornal Estado de Minas

GUERRA EM GAZA

'Eu vi a barbárie, vi crianças mortas e casas queimadas': os brasileiros convocados pelo Exército de Israel

Em poucas horas, a vida do empresário brasileiro Moti**, de 32 anos, mudou completamente.

Na manhã do último sábado (7/10), ele estava com a família em uma comemoração judaica em Israel, mas precisou deixar o lugar às pressas.





Ele colocou algumas roupas na mochila, se despediu dos filhos e da esposa e logo seguiu para aquele que se tornaria o maior desafio de sua vida: participar ativamente da guerra entre Israel e Hamas.

Moti, que nasceu em São Paulo (SP) e mora em Israel desde 2016, conta que logo nas primeiras horas do conflito presenciou cenas trágicas.

“Chegamos imediatamente na área de fronteira quando eles (os militantes do Hamas) fugiram com os sequestrados. Eu vi a barbárie, vi crianças mortas, casas queimadas, vi poças de sangue, pessoas baleadas com tiros nas costas ou na cabeça e outros em posição fetal de desespero. Presenciei toda essa barbaridade”, diz à BBC News Brasil.

Naquele dia, o Hamas, o maior grupo de militantes islâmicos da Palestina, fez um ataque surpresa contra Israel. Combatentes do grupo invadiram o território israelense por meio da Faixa de Gaza e mataram centenas de pessoas, além de levar reféns.





Diante da situação, Israel declarou guerra e atacou o território palestino com mísseis. E assim, o conflito histórico chegou ao seu nível mais intenso dos últimos anos.

Em meio ao anúncio de guerra, mais de 360 mil reservistas – um número recorde no país – foram convocados pelo Exército de Israel.

Nesse número há brasileiros como Moti, que também têm nacionalidade israelense e anteriormente já prestaram serviço obrigatório ao Exército no país.

‘Fuzilaram muitos carros’

Não há dados oficiais sobre quantos brasileiros com dupla nacionalidade participam do conflito. O governo de Israel não fornece esses números, apenas divulga que convocou milhares de reservistas, incluindo homens e mulheres.

Entre os brasileiros que estão participando do confronto pelo Exército israelense está o brasiliense Artur, de 28 anos, que mora em Israel desde 2015 e trabalha em um órgão governamental em Tel Aviv.

Na manhã de sábado, ele havia encerrado um turno de trabalho de madrugada quando estava em casa e ouviu o som de sirenes.





“Parecia uma situação normal, porque volta e meia há sirenes na região, mas normalmente o domo de ferro (poderoso escudo antimíssil israelense) protege. Mas logo depois soube de toda a barbaridade que tinha acontecido”, conta à BBC News Brasil.



Ainda no sábado, um comandante do Exército ligou para o brasileiro e o convocou para participar do confronto.

Desde que chegou na área do Exército para a qual foi chamado, as cenas mais chocantes que presenciou foram os carros que ele viu em uma região próxima à Faixa de Gaza – área em que começaram os conflitos armados.

“O que mais me chocou foram os carros queimados ou atingidos por balas. Fizeram blitz em todos os carros que passavam e metralharam esses veículos. Fuzilaram muitos carros nesse caminho. É muito difícil imaginar o que as pessoas que estavam nesses carros passaram. Eram pessoas que estavam indo para casa e enfrentaram isso”, diz o brasileiro.





“É muito difícil expressar exatamente o que a gente tem sentido. É uma espécie de revolta e extrema tristeza, porque muitas famílias foram afetadas”, acrescenta.

O sentimento de revolta e tristeza também faz parte da rotina do universitário Daniel, de 23 anos, que nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e mora em Tel Aviv há cerca de cinco anos.

Ele celebrava o fim do feriado judaico Sucot (também conhecido como "Festa dos Tabernáculos" ou "Festa das Cabanas") quando soube dos ataques do Hamas no sábado.

“Todo mundo ficou em choque quando recebeu a notícia, porque a gente não esperava que isso fosse acontecer. Nisso, eu já sabia que seria chamado. Então, fui pra casa, preparei a mochila e dei um beijo nos meus pais”, conta à BBC News Brasil.

Na manhã seguinte, ele foi convocado, se despediu da esposa e seguiu para uma área determinada pelo Exército.





Daniel está em uma região que não é considerada o principal alvo dos ataques, mas que já chegou a ser alvo de explosões. “A situação está começando a ficar mais tensa”, diz.

O universitário define a atual experiência como “traumatizante”.

“Está todo mundo bem, mas todos estamos muito tristes pelas perdas e por tudo isso”, comenta.

Em nome de Israel

Os brasileiros que conversaram com a reportagem dizem que o medo faz parte da nova rotina deles, mas afirmam que lutam pelo bem dos israelenses.

O conflito já causou mais de mil mortes em cada um dos lados. Os dados atuais apontam para mais de 1,3 mil israelenses mortos e mais de 1,5 mil palestinos. E o conflito segue sem previsão de trégua, ao menos por ora.

“Se a pessoa é a favor da paz, ela vai ter paz. Mas isso (a guerra) tem a ver com quem quer nos matar”, comenta Daniel.





Para o paulistano Moti, defender Israel no conflito é uma forma de honrar o país, para o qual ele chegou a se mudar aos 18 anos somente para se alistar no Exército local – posteriormente, ele passou um período no Brasil, antes de se mudar de vez do país.

“Sempre acreditei que nós, como judeus, deveríamos morar em Israel”, diz Moti.

“Todos os soldados da minha unidade estão muito motivados, preparados e com toda a força necessária para podermos devolver a paz“, acrescenta o paulistano.

Desde sábado, diversos israelenses se mobilizaram para apoiar os soldados e têm enviado comida, suprimentos e mensagens de solidariedade.

Essa vontade de defender o país faz com que os soldados brasileiros enfrentem até mesmo a saudade da família.





“Meus pais moram no Brasil e estão preocupados, mas confiantes de que a gente vai vencer e de que isso vai passar. Eles confiam no Exército israelense”, afirma Artur.

“Nos últimos 50 anos, ninguém havia presenciado um conflito dessa magnitude. Então, eu me senti aliviado quando me convocaram. Olhar essas cenas só pelo celular não é fácil, causam muita revolta, e eu queria dar alguma resposta, fazer algo e ter um papel nessa situação”, acrescenta.

Para Artur, Daniel e Moti, não há dúvidas: enquanto houver guerra, eles devem permanecer lutando no Exército israelense.

*Colaborou Julia Braun, da BBC News Brasil em São Paulo.

** A pedido dos envolvidos, por questões de segurança, os sobrenomes nesta reportagem foram emitidos.