Uma brasileira passou quase 20 anos no seio do Hamas. Nascida em Criciúma (SC), viajou a Gaza em 2005 para se casar com o filho de um dos fundadores da facção terrorista. Vítima de violência doméstica, separou-se no ano passado, mas não quer sair do território palestino sob guerra com Israel. O ex-sogro morreu no dia 11, em circunstâncias não esclarecidas.
A Folha esteve na Cidade de Gaza em 2014, ano de outro conflito com os israelenses, e foi à casa de Umm Abdo ("mãe do Abdo", em árabe), como ela se apresentou na ocasião.
Pediu que seu nome fosse mantido em sigilo e não aceitou ser fotografada. Said, o então marido, avisou a este repórter, logo de cara: não tente apertar a mão dela.
Abd al-Fattah Dukhan, o ex-sogro de Umm Abdo, também estava na casa durante a visita. Sentado em uma cadeira de plástico, falou pouco com a reportagem. Só disse que sua facção jamais mudaria. Dukhan foi um dos responsáveis pela Primeira Intifada --revolta popular palestina contra Israel, de 1987 a 1993.
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Mudou-se para Brasília, onde disse ter começado a frequentar uma mesquita, aos 15. Converteu-se aos 18. Foi quando conheceu pela internet Said Dukhan. Não está claro se ela sabia, naquele momento, de quem o pretendente era filho e da ligação com o Hamas.
Em 2022, a vida de Umm Abdo começou a mudar. Separou-se de Said, com quem teve ao menos quatro filhos --estava grávida do quinto, em 2014-- e foi acolhida por uma organização de caridade após anos de agressões do marido dentro de casa.
Ela tinha, agora, a possibilidade de ir embora. O Itamaraty alugou um ônibus para retirar um grupo de brasileiros de Gaza e tem prestado assistência. Umm Abdo decidiu, no entanto, que vai seguir no território palestino sitiado.
A pequena comunidade brasileira local, de cerca de 30 pessoas, tem falado com a imprensa com regularidade nos últimos dias. Compartilha vídeos, fotografias e áudios relatando as condições de vida sob cerco e ataque. Umm Abdo, porém, continua nas sombras, sem dar notícias. Ela não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Quando viajou ao Egito, em 2005, cruzou o deserto do Sinai e entrou em Gaza pela mesma passagem de Rafah por onde os brasileiros agora desejam sair para serem resgatados. A espera deles já dura quase duas semanas, ainda sem perspectiva de quando os egípcios abrirão o posto de controle para o fluxo de pessoas --Cairo e Tel Aviv negociam um corredor humanitário, mas ainda só para a entrada de mantimentos em Gaza.
A convicção de Umm Abdo de permanecer em Gaza não vem de hoje. Há nove anos, afirmou que a libertação da Palestina dependia da resistência de seus habitantes. Mais uma guerra veio, mas é provável que ela mantenha as palavras de 2014. "Não há lugar melhor no mundo para morar. Mesmo com todas as dificuldades e os massacres, sou apaixonada e vou morrer apaixonada."