Cinco crianças de 2 meses a 5 anos de idade chegaram ao hospital infantil de Wuhan, cidade chinesa que registrou o primeiro surto de covid-19, apresentando problemas gastrointestinais como diarreia, vômito, dor abdominal e falta de apetite.
Alarmados com o novo coronavírus, médicos pediram que fossem feitas tomografias computadorizadas, que então revelaram uma surpresa: apesar de os pequenos não apresentarem naquele momento sintomas respiratórios como tosse ou dor de garganta, seus pulmões estavam infectados por um vírus.
Depois, testes moleculares do tipo PCR diagnosticaram a presença do coronavírus em todas as cinco crianças — apesar de, em um dos casos, um menino de 1 ano, a sequência de dois testes negativos e um positivo deixar dúvidas se ele pode ter sido infectado depois, no hospital. Quatro delas já tinham outros problemas de saúde ao entrar no hospital, como apendicite e hemorragias.
Os casos foram descritos detalhadamente em artigo publicado nesta terça-feira (12) no periódico Frontiers in Pediatrics, com revisão de pares (ou peer review, uma revisão independente por outros especialistas da área).
No artigo, os autores lembram que, em geral, a covid-19 tem baixa letalidade para crianças, e a maioria delas terá sintomas leves ou mesmo nenhum sintoma. Os casos mais graves normalmente estão associados a outros problemas de saúde, como estes analisados no Frontiers of Pediatrics.
É importante lembrar que, como a maior parte dos casos de coronavírus é leve, tanto para crianças quanto adultos permanece no Brasil a recomendação do Ministério da Saúde de isolamento domiciliar por 14 dias em casos suspeitos ou confirmados. A ida a unidades de saúde como hospitais só deve acontecer em caso de falta de ar. Confira no site do ministério as indicações para quem ficar doente e contatos de canais de atendimento.
"Estas crianças (cujos casos foram analisados no Frontiers in Pediatrics) foram levadas à emergência por outros problemas, como pedra no rim e lesão na cabeça. Ao dar entrada no hospital ou pouco depois, todas tiveram pneumonia diagnosticada por tomografia, e depois confirmação para COVID-19 (por teste molecular)", explicou em comunicado à imprensa Wenbin Li, médico do Departamento de Pediatria do Hospital Tongji, em Wuhan, e líder do estudo.
Assim, além das condições pré-existentes, os autores observaram sintomas do sistema digestivo em quatro dos cinco casos, atribuindo-os ao coronavírus.
Mas, mesmo para crianças que não tenham problemas de saúde pré-existentes, os autores dizem que suas descobertas devem servir de alerta de que o coronavírus pode infectar não só o trato respiratório, mas também o digestivo, trazendo sintomas como vômito e diarreia, e não a clássica tosse.
"Uma vez que a COVID-19 em crianças é relativamente oculta ou leve, é fácil perder o diagnóstico (para a doença) no estágio inicial quando não há um quadro respiratório (...) Em áreas epidêmicas, uma infecção por SARS-CoV-2 deve ser suspeitada quando a criança apresentar sintomas no trato digestivo, especialmente se tiver também febre e histórico de exposição", diz um trecho do artigo.
Quatro das cinco crianças tiveram febre durante a internação, que os pesquisadores admitem não saber dizer se foi causada pelas condições de saúde pré-existentes ou pela COVID-19.
De acordo com Li e os outros cinco autores do artigo, seu trabalho é o primeiro a descrever detalhadamente casos clínicos de crianças diagnosticadas com COVID-19 e cujos primeiros sintomas foram não-respiratórios.
As envolvidas no estudo foram hospitalizadas entre 23 de janeiro e 20 de fevereiro, e uma delas morreu por falência múltipla de órgãos durante a internação.
A seguir, um resumo dos quadros das crianças segundo descrito no artigo:
- Menina de 10 meses, tinha como condição pré-existente intussuscepção (uma obstrução no intestino). Apresentava também vômito. Não tinha histórico de exposição ao coronavírus. Passou por várias complicações e intervenções drásticas, mas morreu.
- Menino de 5 anos, tinha uma apendicite do tipo supurada. Também apresentava dor abdominal. Avó teve confirmação para coronavírus. Após dez dias hospitalizado, teve alta.
- Menino de 8 meses, chegou ao hospital apresentando um ferimento na cabeça e também convulsão. Não tinha histórico de exposição ao coronavírus. Após 14 dias no hospital, teve alta.
- Menino de 1 ano, foi internado com pedra no rim e infecção por rotavírus. Também apresentava vômito e diarreia. Não tinha histórico de exposição ao coronavírus. Teve alta após 17 dias internado.
- Menino de 2 meses, sem condições consideradas pré-existentes e internado com diarreia e falta de apetite. Pais e avós tinham suspeita de covid-19. Foi liberado do hospital após 15 dias.
Comparação com adultos
Citando outro estudo chinês, o artigo menciona que, entre adultos hospitalizados com covid-19 em Wuhan, cerca de 10% apresentaram diarreia e náuseas um a dois dias antes da febre e dispneia — estes sintomas típicos da nova doença.
"Na comparação com os adultos, não é que o trato gastrointestinal das crianças seja mais suscetível ao SARS-CoV-2, mas sim que os sintomas gastrointestinais das crianças são mais proeminentes", explicou por email Wenbin Li, respondendo a perguntas da BBC News Brasil.
"As crianças são mais ativas e não têm tanta atenção com a higiene das mãos. É mais provável que, nas crianças, o vírus se espalhe por contato ou transmissão fecal-oral."
O médico aponta também que, assim como o trato respiratório, o trato gastrointestinal é rico em receptores do coronavírus, o ACE2, presentes por exemplo em células do intestino delgado.
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