(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

O 'salto genético' do coronavírus que facilita sua propagação

Geneticista Maria Cátira Bortolini, da (UFRGS), e sua equipe vão publicar estudo sobre como vírus 'se adaptou' para contaminar humanos e sobre a proteína que permite entrada do vírus nas células.


postado em 03/06/2020 11:15 / atualizado em 03/06/2020 11:30

Salto genético facilitou a propagação da pandemia(foto: Getty Images)
Salto genético facilitou a propagação da pandemia (foto: Getty Images)

Mutações aleatórias como são todas as mutações levaram o novo coronavírus, o Sars-CoV-2, a adquirir uma grande afinidade com uma proteína, a ACE2, presente nas células dos sistemas cardiovascular e respiratório humanos, transformando-a em porta de entrada para a infecção.

A tarefa é facilitada pelo fato de que todas as pessoas têm os mesmos aminoácidos em 30 pontos chaves do contato entre o vírus e a ACE2, o que torna todas as populações humanas do planeta suscetíveis ao micro-organismo, facilitando a propagação da pandemia de covid-19.

A descoberta é de um grupo de pesquisadores, liderados pela geneticista Maria Cátira Bortolini, coordenadora do Laboratório de Evolução Humana e Molecular, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O trabalho, que foi revisado por outros pesquisadores, será publicado em breve na revista científica de circulação internacional Genetics and Molecular Biology, publicação da Sociedade Brasileira de Genética.

O estudo foi feito por meio de encontros virtuais, entre Maria Cátira, estudantes do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS, do qual ela é orientadora, e ex-orientados, que hoje estão nas universidade de São Paulo (USP) e de Lausanne, na Suíça.

Eles usaram informações sobre o novo coronavírus e a covid-19 de artigos científicos que vêm sendo publicados desde janeiro deste ano e bancos públicos de dados genéticos.

Ele verificaram que o Sars-CoV-2 cooptou a proteína ACE2 que está relacionada ao metabolismo do sistema cardiovascular, atuando na regulação da pressão sanguínea para ingressar na célula do hospedeiro humano.

Quando age de forma errada, ela está envolvida em hipertensão, arteriosclerose e infarto do miocárdio. Por isso, as pessoas com problemas cardíacos são do grupo de risco para a covid-19.

Partindo desse conhecimento, Maria Cátira e sua equipe decidiram estudar a variabilidade da ACE2 e do gene que a codifica em 70 espécies de mamíferos placentários, entre os quais cães, gatos, tigres, carneiros, morcegos e pangolins. Também foram analisados os genomas de mais de mil seres humanos.

"Descobrirmos que esta proteína, considerando 30 pontos de contato com o vírus, é invariável em qualquer população humana", conta. "Isso significa que, potencialmente, somos todos igualmente suscetíveis ao micro-organismo.

Portanto, há outros mecanismos para explicar a heterogeneidade da infecção e da doença em humanos, como, por exemplo, o sistema imunológico, cuidados, isolamento social ou tratamento médico."

O mesmo não ocorre nas outras espécies de mamíferos placentários estudados. Há diferenças importantes na proteína ACE2, que poderiam protegê-las da infecção. "Nosso estudo mostrou que os humanos são perfeitos como hospedeiros para o novo coronavírus", diz Maria Cátira.

"Ele também poderia infectar, talvez com eficiência similar, grandes macacos, como chimpanzés e gorilas, mas não outras espécies, como os animais domésticos (cães e gatos) e outras selvagens."

De acordo com a pesquisadora, o Sars-CoV-2 provavelmente veio de um coronavírus do morcego e sofreu mutações. "Neste caso, elas levaram ao tropismo (afinidade) com as células humanas que apresentam a ACE2", explica.

"Nesse momento, essa proteína passou a trabalhar para o vírus. Ou seja, além de deixar de funcionar para a célula humana começou a ajudar para o vírus."

De animais para os seres humanos

A primeira vez em que houve um salto genético desse tipo, ou seja, que um coronavírus oriundo de um animal infectou seres humanos, ocorreu em 2002, com o Sars-Cov-1, causador da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave, na sigla em inglês).

Originado do civeta-de-palmeiras-mascarado (Paguma larvata), um pequeno carnívoro que vive no sudeste asiático, o Sars-CoV-1 atingiu 29 países, infectando mais de 8 mil pessoas, das quais cerca de 800 morreram.

Mais recentemente, em 2012, apareceu o Mers-CoV, oriundo de camelos da Arábia Saudita. Ele causa uma doença chamada de síndrome respiratória do Oriente Médio, que, do seu país de origem, se espalhou pela Europa, África e Estados Unidos. Com alta taxa de mortalidade (de 30 a 40%), ele infectou cerca de 2,5 mil pessoas.

Apesar de perigosos, esses dois vírus não chegaram nem perto de causar os danos do Sars-CoV-2. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até hoje, 02/06, há 6,2 milhões de casos confirmados, com 376 mil mortes.

Não é de hoje que o homo sapiens tem convivido com epidemias de coronavírus. As três ocorridas nos últimos 20 anos são apenas as mais recentes.

"Esse tipo de vírus infectar humanos é algo comum, que faz parte da história da vida", diz Maria Cátira. "O que é marcante no novo coronavírus e na pandemia associada a ele é que agora somos uma espécie com tamanho populacional enorme, que vivemos em grandes aglomerados urbanos e com muita facilidade de se locomover de um local para outro, facilitando enormemente a sua propagação."

Isso começou a ocorrer quando os humanos passaram a ser sedentários, com a domesticação de animais e plantas, que caracterizou a chamada revolução neolítica ou agrícola, ocorrida há 12,5 mil anos.

"Até então, homo sapiens vivia em pequenos bandos de caçadores-coletores e um ataque de coronavírus com muita virulência poderia dizimar somente um grupo isolado, de 20 a 30 pessoas, ou com relativas poucas mortes", explica Maria Cátira.

"Quando trocaram a vida de nômades pela sedentária de agricultores e domesticadores de animais e começaram a se aglomerar em aldeais e, mais tarde, cidades, o que não era tão relevante do ponto de vista epidemiológico se tornou devastador."

Ela lembra que, hoje, a população humana é de quase 8 bilhões de habitantes, interconectados de uma maneira sem precedentes. Uma pessoa pode ir de um lugar do planeta a qualquer outro em menos de 24 hoje, levando seus vírus e doenças. "Essa é a grande diferença", diz. "Patógenos [organismos causadores de doenças] sempre existiram na história de qualquer espécie. Com a nossa não é diferente."


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)