Jornal Estado de Minas

BASTIDORES

'Um plantão que partiu meu coração': o emocionante relato de enfermeira na linha de frente da COVID-19 que viralizou nas redes

Em 27 de maio, a enfermeira Taísa Land, de 37 anos, viveu uma das situações mais tristes e emocionantes de sua profissão. Na linha de frente para atender pacientes com a COVID-19, ela presenciou, em poucas horas, a despedida de uma mãe e o temor de um homem que não queria dormir para não morrer.



A profissional de saúde contou nas redes sociais, na tarde de 28 de maio, sobre o que havia vivido naquele plantão. O relato viralizou.


Taísa, que há 15 anos trabalha como enfermeira intensivista, afirma que compartilhou o relato como uma forma de alertar as pessoas sobre os riscos do novo coronavírus. "Foi um desabafo, para que tenham noção da realidade", diz a enfermeira à BBC News Brasil.

Ela detalha que tem presenciado mortes frequentes por COVID-19 durante seus plantões, em um hospital público da capital do Rio de Janeiro — em todo o Estado, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 6,7 mil morreram em decorrência do novo coronavírus.


"Em muitos casos, os pacientes já estão com comprometimentos mais graves e aceitam facilmente a intubação, porque não aguentam mais, estão no limite por não conseguir respirar", conta.


"Já presenciei muitas mortes ao longo desses 15 anos como enfermeira. Nos 'acostumamos' com isso na nossa rotina. Mas nessa pandemia tem sido muito diferente. Estamos com o físico e o emocional muito sobrecarregados", desabafa Taísa.




O que mais comoveu naquela noite de fim de maio, diz Taísa, foi o desespero de dois pacientes que estavam em uma enfermaria destinada a pessoas com a COVID-19 e precisavam ser intubados. "Mesmo muito cansados, eles relutaram e tiveram medo", diz.


Taísa é enfermeira há 15 anos e afirma que tenta dar atendimento mais humanizado a pacientes em estado grave (foto: Arquivo pessoal)

"Sempre trabalhei com terapia intensiva, mas essa doença é muito diferente. Os pacientes já vêm com consciência da possível gravidade. Eles chegam ansiosos e com medo de morrer. Eles ficam sem acompanhante, sem visita e sem o apoio familiar. Muitas vezes, nós somos o apoio", comenta a enfermeira.


O texto de Taísa sobre o plantão de 27 de maio foi publicado por diversas páginas e teve, ao menos, 5 mil compartilhamentos no Facebook. "A repercussão me surpreendeu. Muitos grupos de WhatsApp compartilharam e fui marcada em páginas de Facebook. Comecei a receber muitas mensagens de apoio e muitos comentários de pessoas que se emocionaram muito", diz.



O plantão de 27 de maio

"Relato de um plantão que partiu meu coração". Assim, Taísa começa a contar sobre o que viveu naquele plantão.


"Paciente internada conosco há alguns dias, sempre simpática e lutando contra a COVID-19", descreve a enfermeira. A paciente era idosa, havia perdido o marido na semana anterior e não pôde se despedir. Ele havia morrido em decorrência da COVID-19.


O quadro de saúde da idosa havia piorado. "Ela estava muito cansada e, ao ser comunicada que seria intubada, pediu ao médico: não, doutor, por favor!", detalha a enfermeira. Segundo Taísa, a mulher sabia que não iria sobreviver.


A súplica da paciente para que não fosse intubada (processo em que, sob anestesia, é colocado um tubo pela boca até a traqueia do paciente, para manter uma via até o pulmão e garantir a respiração) comoveu a enfermeira. "Nesse momento, agradeci por estar de máscara e face shield (protetor facial). Assim, ninguém poderia ver as lágrimas que escorriam. Tive que sair, andar pelos corredores sem rumo, respirar e voltar", relata.




"Penso que uma das piores coisas deve ser a consciência de que em breve você poderá morrer e não poderá estar mais com quem ama. Como tenho medo disso", pontua a enfermeira, em seu relato nas redes sociais.



Quando retornou para a enfermaria, Taísa observou que um homem, que estava internado ao lado da idosa, chorava diante do medo que a paciente demonstrava da morte.


A idosa pediu o celular para ligar para a filha e elas se falaram por meio da função viva-voz. "Do outro lado, a filha em desespero, rezando e pedindo a Deus com todas as forças pela vida da mãe", narra Taísa. A enfermeira, que é mãe de uma garota de quatro anos, se emocionou novamente.


"Pode ter sido o último encontro dessa mãe com essa filha, sem um abraço, sem o conforto de estar com quem ama", reflete a enfermeira no texto compartilhado nas redes. Depois da ligação, Taísa relata que deu a mão para a idosa e elas rezaram em silêncio. "Pedimos para ela confiar, porque faríamos o melhor", detalha. Dias depois, a idosa, que era diabética, não resistiu às complicações da COVID-19.




Ainda em 27 de maio, um paciente que estava na mesma enfermaria que a idosa também apresentou complicações graves em decorrência da COVID-19. "Estávamos ao lado dele, fazendo tudo o que podíamos para estabilizar a sua pressão", detalha a enfermeira.


Uma pergunta do paciente comoveu Taísa. "Ele, ainda consciente, perguntou: posso dormir?", conta a enfermeira. O idoso disse que estava com medo de dormir e não acordar. "Respondi: pode relaxar, estaremos aqui cuidando de você", detalha a enfermeira, no texto que escreveu em seu perfil no Facebook.


"Ele disse: eu sei que vou morrer esta noite. Realmente, ele sabia", relata a enfermeira. O idoso, que era hipertenso, morreu horas depois.


"Aquele que chorou pela paciente ao lado, fechou o olho para não ver o da frente (que estava sendo intubado). E, com certeza, estava pedindo a Deus para que não fosse o próximo", relata Taísa. O paciente que acompanhou as angústias dos idosos se recuperou e, dias depois, recebeu alta.


"É inexplicável o que estamos vivendo. Jamais seremos os mesmos. Que vírus maldito!", conclui Taísa, no relato compartilhado nas redes sociais.