O trabalho como agente de portaria em um condomínio de prédios residenciais se tornou um risco grande demais para Jessica Tomaz, de 25 anos.
A possível exposição ao coronavírus, diz ela, não estava apenas no contato com quem passava pela portaria, mas também no trajeto que ela precisava fazer. Eram dois ônibus lotados e um metrô para chegar ao trabalho em Águas Claras, no Distrito Federal.
E o medo de ter COVID-19 não era por ela, mas pela mãe, Maria do Socorro, de 66 anos, que tem hipertensão. Foi por isso que, em março, no início da pandemia, ela pediu demissão.
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"Fiquei com medo por conta de minha mãe, que é do grupo de risco. Entre a vida dela e o trabalho, prefiro a vida dela. Um emprego eu posso conseguir depois", disse à BBC News Brasil.
Quatro meses depois de ter deixado o trabalho, o que pesa é o lado financeiro — "tá bem complicado", diz.
Mesmo sem conseguir receber o auxílio emergencial por ainda constar como empregada no sistema do governo, Jessica continua segura da decisão e diz que, no atual cenário, não pensa em procurar outro trabalho.
"Só saio para o necessário mesmo, e até isso é perigoso — banco ou mercado — porque tem contato muito grande", diz. "Mas a primeira coisa que vou fazer quando essa vacina sair é ir atrás de um emprego."
Por enquanto, ela afirma que está apertando as contas e que a família tem contado com a aposentadoria da mãe e a ajuda de uma ex-patroa da mãe.
Fora da força de trabalho
Nas estatísticas de emprego, as pessoas que não estão trabalhando e que também não estão procurando um emprego são classificadas como fora da força de trabalho. Houve um aumento de 9 milhões de brasileiros nessa situação na comparação de março a maio deste ano com o trimestre anterior.
A população fora da força de trabalho totalizava 76,8 milhões de pessoas no início de julho, segundo o dado mais recente da pesquisa Pnad Covid, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Desse total, mais de 28 milhões disseram que gostariam de trabalhar. Segundo o IBGE, "cerca de 19,4 milhões de pessoas fora da força que gostariam de trabalhar e não procuraram trabalho, não o fizeram por causa da pandemia ou por não encontrarem uma ocupação na localidade em que moravam".
E por que o desemprego não cresceu muito?
Quem está numa situação parecida com a de Jessica não é considerado desempregado exatamente porque não está em busca de um emprego.
Para ser enquadrado como desempregada, a pessoa precisa estar desocupada e procurando ativamente um trabalho.
É exatamente por isso, segundo especialistas, que a taxa de desemprego não aumentou tanto durante a pandemia.
"Passamos por um período atípico que acabou fazendo com que a estatística da taxa de desemprego perdesse um pouco da função de captar quanto o mercado de trabalho está sendo afetado por uma crise ou não", disse economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre/FGV. "O que observamos foi muita perda de emprego, mas aumento tímido do desemprego."
No trimestre que vai de março a maio, a taxa desemprego ficou em 12,9%, ou 1,2 ponto percentual acima da taxa de 11,6% registrada no trimestre de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020.
O IBGE informaria a taxa de desemprego do segundo trimestre de 2020 nesta quarta-feira (29), mas adiou a divulgação da pesquisa, que vem sendo feita por telefone, para 6 de agosto.
Bruno Ottoni projeta que essa taxa de desemprego do segundo trimestre vai subir para 13,7%. Ele acredita que, com medidas de isolamento sendo relaxadas em diferentes regiões do país, muitas pessoas que estavam desocupadas e sem procurar emprego vão passar a procurar emprego.
"Mas achamos que a taxa de desemprego também não vai subir muito mais que isso porque ainda vai ter gente que não vai procurar — como pessoas mais velhas e com comorbidades, que podem preferir esperar —, e algumas pessoas também vão conseguir emprego, com reabertura do comércio."
Propostas recusadas
A biomédica Fernanda Oliveira, de 30 anos, não faz planos de voltar ao trabalho em laboratórios antes de uma vacina contra a COVID-19.
Em março, quando o coronavírus começou a se espalhar com mais força no Brasil, ela trabalhava como coordenadora em um laboratório de análises clínicas em Brasília.
"Já naquela época, de cinco em cinco minutos entrava paciente perguntando se a gente fazia exame para detectar o coronavírus."
Foi quando o médico dela orientou que se afastasse do trabalho, por fazer parte do grupo de risco. Ela fez uma cirurgia para retirar o baço (que integra o sistema imunológico) aos 14 anos e tem infecções respiratórias de repetição.
Nesse contexto, Fernanda Oliveira foi demitida do trabalho. E diz que, se não tivesse sido demitida, teria ela mesma pedido demissão.
A maior preocupação: o filho, Rafael, de 2 anos.
"Claro que eu não queria precisar sair, mas também não queria correr o risco de pegar coronavírus, trazer para a minha casa, precisar de outras pessoas para ficar com meu filho", diz. "Hoje eu me sinto em uma sinuca de bico, porque é complicado financeiramente. Mas é melhor ficar em casa e sem emprego do que no hospital."
O marido, fisioterapeuta, continuou a trabalhar, com todos os cuidados possíveis, ela diz.
"Está difícil porque saímos de uma renda mensal confortável para um cenário de não saber quando vamos voltar a isso, mas eu me sinto muito privilegiada, porque ainda temos nossas famílias, que podem ajudar."
Fernanda diz que não imaginava que haveria propostas de emprego no meio da pandemia, mas já apareceram duas oportunidades.
"Só vou ter coragem de voltar com a cabeça tranquila quando tiver vacina", diz. "Eu trabalhava pensando que quero dar para o meu filho as oportunidades que eu tive. E agora tive que abrir mão do trabalho também pensando no meu filho. Não quero correr o risco de faltar para ele."
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