Jornal Estado de Minas

Deputado americano que repreendeu família Bolsonaro diz que presidente põe milhões de brasileiros em risco

O deputado americano Eliot Engel, que na última segunda-feira (27) criticou o deputado federal Eduardo Bolsonaro por publicar no Twitter um vídeo de campanha do presidente Donald Trump, reiterou em entrevista por e-mail à BBC News Brasil que "a família Bolsonaro precisa ficar fora das eleições nos Estados Unidos".



Engel, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes americana, afirmou que "simplesmente não é apropriado para representantes de um governo estrangeiro, de nenhum poder ou ramo do governo, promover campanhas de candidatos nos Estados Unidos. Já vimos isso nos Estados Unidos em 2016, e não podemos permitir que isso se repita agora".

O deputado se refere às acusações de que agentes russos teriam influenciado a eleição presidencial há quatros anos. Autoridades investigativas do país concluíram que uma rede de influência russa foi posta em marcha, sob o comando do mandatário russo Vladimir Putin, para beneficiar Donald Trump em detrimento da democrata Hillary Clinton.

A fala de Engel, democrata eleito por Nova York, ocorre após repetidas manifestações tanto do presidente Jair Bolsonaro quanto de seu filho Eduardo de que acreditam e torcem por uma vitória do republicano no pleito presidencial em novembro.

Há duas semanas, diante da proximidade da eleição, que acontece em menos de cem dias, Bolsonaro afirmou:

"Eu torço pelo republicano dada a liberdade que eu tenho, que o Trump me deu, de ligar pra ele em qualquer momento que porventura precisar ele está pronto para colaborar conosco".



No mesmo dia, no entanto, o presidente negou que seu apoio representasse qualquer possibilidade de interferência externa no processo eleitoral americano. "Espero, é a minha torcida aqui, eu não vou interferir em nada, nem posso, nem tenho como, que o Trump seja reeleito".

Meio ambiente e direitos humanos

Sobre a possibilidade de vitória do democrata Joe Biden, Bolsonaro afirmou que tentaria manter o estreitamento das relações comerciais. "Se eles não quiserem, paciência, né? O Brasil vai ter que se virar por aqui".

Segundo o presidente da Comissão de Relações Internacionais, certamente há interesse mútuo na agenda comercial, mas um governo democrata também deverá tocar em pontos delicados para a gestão Bolsonaro, como o meio ambiente.

"Minha esperança é que um relacionamento Estados Unidos-Brasil com Joe Biden se concentre nas diversas áreas de interesse mútuo para as pessoas em ambos os países, incluindo a proteção do meio ambiente e os direitos humanos para todos".



Para o deputado democrata, a atual gestão americana é omissa em relação aos temas. No ano passado, em meio à tensão internacional por conta das queimadas na Amazônia, o governo Trump atuou para baixar a fervura da resposta de países europeus, como França e Alemanha, em relação ao governo Bolsonaro.

O mesmo, de acordo com Engel, aconteceria em relação ao comportamento do presidente brasileiro, que, para os democratas, têm ferido os princípios democráticos do país ao estar presente em manifestações que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal ou atacar a imprensa livre do país.

"O governo Trump só fala em direitos humanos quando se trata de países de esquerda nas Américas. Rejeito tendências autoritárias e retóricas, não importa de onde elas venham, e exorto o governo Trump a elevar os direitos humanos em nossa agenda bilateral com o Brasil".



Coronavírus

Engel se disse ainda particularmente preocupado com os direitos humanos e a gestão de Bolsonaro da pandemia de coronavírus. Com mais de 90 mil mortos, o Brasil é o segundo país com mais fatalidades em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos. A situação é ainda mais dramática entre os povos indígenas, afetados em média cinco vezes mais do que o restante da população brasileira.

Nesse contexto, o democrata acusa Trump e Bolsonaro de terem colocado a política acima da ciência ao orientar a população a fazer uso da hidroxicloroquina, um medicamento sem eficácia comprovada contra covid-19, como se isso pudesse representar a cura. Há algumas semanas, durante sua convalescença após ter contraído o novo coronavírus, Bolsonaro chegou a ostentar uma caixa de hidroxicloroquina, em uma espécie de saudação, para uma exaltada multidão de manifestantes pró-governo em Brasília. Há dois meses, o governo americano enviou dois milhões de doses do remédio, usado contra malária e lúpus, para o governo brasileiro utilizar em pacientes durante a epidemia.

"Estou muito preocupado com as ramificações perigosas da relação Trump-Bolsonaro na época da covid-19. No mês passado, denunciei publicamente a decisão do presidente Trump de enviar dois milhões de doses de hidroxicloroquina para 'ajudar' o Brasil a combater o vírus. Uma decisão tão perigosa e irresponsável apenas encoraja o presidente Bolsonaro a continuar divulgando informações falsas sobre os benefícios da hidroxicloroquina e pode comprometer a saúde de milhões de brasileiros".



O posicionamento de Engel não é isolado entre congressistas democratas americanos. Em junho, 24 dos 25 deputados do partido na Comissão de Orçamento e Assuntos Tributários da Câmara dos EUA enviaram uma carta ao representante comercial americano, Robert Lighthizer, em que se declaravam contrários a qualquer novo acordo comercial com o Brasil. No documento, os parlamentares justificavam sua oposição afirmando que Bolsonaro é "um líder que desconsidera o estado de direito e tem desmantelado árduo progresso nos direitos civis, humanos, ambientais e trabalhistas" no Brasil.

"Comentários decepcionantes do embaixador"

Engel classificou ainda como "extremamente decepcionantes" as manifestações do embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, que, sobre o episódio de confronto entre Eduardo Bolsonaro e o parlamentar americano, afirmou ao jornal O Globo que é "um defensor da liberdade de expressão". Disse também que "não vou dizer para alguém que não deve falar bem ou mal do meu presidente".

Chapman, que fez carreira no Departamento de Estado, mantém estreita relação com a família Bolsonaro. O último evento social do presidente antes da confirmação do diagnóstico de covid-19 foi justamente na casa do embaixador, um churrasco em comemoração ao dia da independência dos Estados Unidos, em Brasília. Bolsonaro estava acompanhado do filho Eduardo e do chanceler Ernesto Araújo na ocasião.



"Os comentários de Todd Chapman são extremamente decepcionantes. Ninguém está contestando o direito de Eduardo Bolsonaro de falar livremente, mas as eleições nos Estados Unidos são para o povo americano decidir. Depois de tudo o que ocorreu nas eleições de 2016, nosso embaixador deveria saber disso", afirmou Engel.

Depois da reprimenda online, Eduardo Bolsonaro se manifestou via redes sociais e afirmou que: "o que acontece nos EUA repercute no mundo e é inaceitável cobrar de mim uma posição não de neutralidade, mas de omissão".

Na última semana, uma série de contas de redes sociais de apoiadores do presidente Bolsonaro foram retiradas do ar por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que as considerou disseminadoras de fake news. Nos Estados Unidos, a publicação em massa de notícias falsas foi um fato eleitoral há quatro anos e há intenso temor e vigilância para que o cenário não se repita.


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