O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou que o país registrou a primeira vacina contra COVID-19 e repetiu que a imunização em massa da população começa em outubro.
Batizada de Sputnik V, em homenagem ao primeiro satélite artificial a orbitar em volta da Terra — um feito da então União Soviética no auge da Guerra Fria —, a vacina já teria interessados em pelo menos 20 países, inclusive no Brasil.
O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), anunciou a intenção de assinar um convênio com a Rússia para produzi-la no Estado, por meio do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
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Ainda que haja interesse por parte de outros países, o fármaco russo é visto com ceticismo pela comunidade científica. Entenda o porquê em quatro pontos.
Pesquisa não chegou à fase 3 de testes clínicos
A vacina vem sendo desenvolvida pelo Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia, o Instituto Gamaleya, junto ao Ministério da Defesa.
Pouco se ouvia falar sobre ela porque, de fato, a pesquisa russa não está entre as mais avançadas neste momento.
Entre as 165 vacinas em desenvolvimento listadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), seis estão na fase 3 de testes clínicos, a última de um longo processo que envolve testes pré-clínicos e testes em humanos.
A vacina russa não é uma delas — acaba de concluir a fase 2.
A vice-primeira-ministra russa, Tatiana Golikova, chegou a dizer que a terceira fase de testes clínicos, com uma amostra de 1,6 mil pessoas, começaria neste mês. Não há, entretanto, uma previsão de quando ela seria concluída.
A fase 3 dos testes clínicos é importante porque demonstra a eficácia da vacina, se ela de fato protege o organismo. A primeira tem como objetivo verificar a segurança — ou seja, se a vacina produz algum tipo de efeito colateral —, e a segunda fase estabelece a imunogenicidade da vacina, verificando qual resposta imunológica ela desperta.
Não se sabem detalhes dos testes já realizados
Além de não ter concluído ainda todas as etapas da pesquisa, a Rússia não divulgou qualquer evidência científica que confirme a eficácia e a segurança da vacina.
Aliás, o país não publicou nenhum estudo detalhado sobre as outras etapas do processo até aqui.
Os resultados das fases 1 e 2 dos estudos clínicos da vacina de Oxford, por exemplo, foram divulgados no periódico The Lancet no fim de julho.
Algumas semanas antes, os detalhes sobre a fase 1 da vacina desenvolvida pela empresa de biotecnologia Moderna foram publicados no The New England Journal of Medicine.
A falta de transparência da pesquisa russa suscitou uma série de críticas da comunidade científica.
Uma delas veio do principal especialista do governo dos Estados Unidos para doenças infecciosas, Anthony Fauci, que questionou os métodos usados pelo país em uma audiência no Congresso americano.
"Nós também poderíamos ter uma vacina amanhã. Não seria segura ou eficaz, mas poderíamos ter uma vacina amanhã", disse.
A amostra de voluntários e o período de testes
Parte dos testes clínicos foi realizada no hospital militar Burdenko, com voluntários das Forças Armadas, o que gerou um receio de que alguns pudessem ter sido pressionados a participar da pesquisa.
Eles tiveram início no dia 17 de junho e reuniram, no total, 76 participantes. As informações fornecidas pela própria pesquisa no portal da OMS falam de 180 dias de avaliação — e, no entanto, a vacina foi registrada em menos de dois meses após o começo dos testes clínicos.
Especialistas temem que o processo tenha sido apressado diante de um desejo do Kremlin de "chegar primeiro" no que tem se desenhado como uma corrida internacional por uma vacina contra a COVID-19.
Em abril, Putin chegou a instruir o governo a tomar decisões para simplificar e encurtar o prazo para os ensaios clínicos e pré-clínicos.
Um mês depois, o país noticiava que os próprios cientistas do Instituto Gamaleya haviam se inoculado com algumas doses quando a vacina ainda estava em fase de testes em animais, o que foi duramente criticado pela Associação de Organizadores de Pesquisas Clínicas.
Em julho, Reino Unido, Canadá e EUA acusaram hackers russos de tentarem roubar informações sobre estudos em curso para o desenvolvimento da vacina. O porta-voz do Kremlin negou as acusações na época.
Não se sabe ao certo quanto tempo dura a imunidade
Sem detalhes sobre os estudos conduzidos na Rússia, não se sabe sobre a segurança e eficácia da vacina e nem sobre a resposta imunológica que ela desperta.
Durante o anúncio do registro da vacina, Putin disse que ela oferece "imunidade sustentável" contra o coronavírus. O ministro da Saúde, Mikhail Murashko, por sua vez, afirmou que a imunidade duraria por dois anos — mas não há evidências científicas nesse sentido.
O fármaco russo é uma vacina de vetor: o material genético do vírus é transportado por um vírus inócuo, que não consegue se reproduzir (chamado de "não replicante"), com o intuito de estimular a produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2.
O método é semelhante ao aplicado pela vacina de Oxford.
Assim, caso o organismo fosse atacado, ele estaria preparado para combater o novo coronavírus. A duração da imunidade é importante porque ela determina por quanto tempo a "memória" desses anticorpos permanece ativa e capaz de debelar novas infecções.
No dia 4 de agosto, um dos porta-vozes da Organização Mundial da Saúde, Christian Lindmeier, ressaltou que a organização recomenda que todas as etapas de testes sejam concluídas antes que qualquer vacina seja oferecida à população.
"Há uma grande diferença entre descobrir ou ter uma pista e possuir de fato uma vacina que funcione e tenha passado por todas as fases (de testes)", afirmou.
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