Resultados preliminares de um estudo foram publicados nesta sexta-feira (04/09) sobre a Sputnik V — a vacina que o governo da Rússia diz ter conseguido criar contra o coronavírus.
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O novo estudo foi publicado na prestigiosa revista científica britânica The Lancet e envolveu testes com 76 pessoas ao longo de 42 dias, nos dois primeiros estágios de desenvolvimento de vacina.
Os autores do estudo são do Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e Microbiologia (Instituto Gamaleya), que está desenvolvendo a vacina. Segundo eles, "não houve resultados adversos" da Sputnik V entre as pessoas testadas e o composto conseguiu "provocar uma resposta imunológica".
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A vacina vem provocando polêmica no mundo — com alguns países interessados em comprá-la. Mas ao mesmo tempo vozes da comunidade científica veem com ceticismo o fármaco russo, já que as pesquisas foram conduzidas de forma muito acelerada, e sem passar por todos os estágios normais.
Enquanto isso, a Rússia promete começar a imunizar seus cidadãos em outubro. No Brasil, o governo do Paraná assinou um memorando de cooperação para ter acesso à Sputnik V.
O que diz o novo estudo?
A vacina foi testada em duas fases, sendo aplicada em cada fase em 38 adultos saudáveis, com idades entre 18 e 60 anos. Na primeira fase, tentou se estabelecer se a vacina era segura — sem provocar outros danos ao corpo das pessoas.
Já na segunda, os autores disseram ter identificado a eficácia da Sputnik V. Eles dizem que os resultados sugerem que a vacina produz uma resposta das células T, um tipo de célula de defesa do corpo, dentro de 28 dias.
O fármaco russo é uma vacina de vetor: o material genético do vírus é transportado por um vírus inócuo, que não consegue se reproduzir (chamado de "não replicante"), com o intuito de estimular a produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2.
A vacina russa usa dois vetores de adenovírus: um é o adenovírus humano recombinante tipo 26 (rAd26-S) e o outro é o adenovírus humano recombinante tipo 5 (rAd5-S), que foram modificados para expressar a proteína S do novo coronavírus.
A proteína S é usada pelo vírus para ingressar nas células e infectá-las. Os adenovírus usados foram enfraquecidos para que não consigam se replicar nas células humanas, causando novas doenças.
Os testes foram feitos com vacinas em formato congelado, já pensando na necessidade de se produzir e distribuir a solução em larga escala. Outra versão liofilizada (um processo de desidratação e congelamento a vácuo) também foi testada. Essa versão permite que a vacina seja enviada a lugares remotos e se mantenha estável em temperaturas baixas.
Os indivíduos se isolaram assim que se voluntariaram a receber a vacina, para evitar contágio prévio por coronavírus. Após a inoculação, eles seguiram em dois hospitais russos ao longo de 28 dias.
A versão congelada foi ministrada no hospital Burdenko, que é uma agência do ministério da Defesa, e incluiu militares. A versão liofilizada foi testada na universidade Sechenov apenas com voluntários civis.
Alguns efeitos colaterais foram relatados pelos pacientes, mas nenhum deles foi considerado grave: temperatura alta (50%), dor de cabeça (42%), falta de energia (28%) e dores em juntas e músculos (24%). Os sintomas são semelhantes aos de outras vacinas do tipo.
Para avaliar a eficácia da vacina, os cientistas compararam o plasma dos voluntários inoculados com o de pessoas infectadas. Segundo eles, a resposta de anticorpos foi maior entre as amostras dos vacinados.
Os próprios autores do estudo ressaltam que o estudo foi pequeno, incluiu apenas homens, não foi feito com placebo ou com vacina de controle. Eles também dizem que apesar de haver pessoas de diversas faixas etárias entre 18 e 60 anos, a maioria dos voluntários era jovem.
Eles ressaltam que é importante realizar novos testes com variedades maiores de indivíduos, inclusive com pessoas de grupos de risco.
O pesquisador Alexander Gintsburg, do instituto Gamaleya diz que o estudo da fase 3 da vacina (a fase final, considerada a mais importante) foi aprovada no dia 26 de agosto, e envolverá 40 mil voluntários, com idades e estados de saúde variados.
O professor Naor Bar-Zeev, da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, que não participou da pesquisa, comentou o estudo na Lancet. Segundo ele, os resultados são "encorajadores, mas pequenos".
Para ele, a eficácia clínica não foi comprovada ainda e isso é fundamental no meio da pandemia. Ele alertou também para o fato de que qualquer erro no desenvolvimento da vacina pode piorar ainda mais a pandemia de COVID-19.
"Uma vacina que reduz a doença, mas não funciona para prevenir a infecção pode paradoxalmente piorar as coisas. Ela poderia dar a sensação falsa de imunidade aos que a tomarem, reduzindo os comportamentos de mitigação de transmissão. E isso, por sua vez, poderia aumentar a disseminação do vírus entre adultos mais velhos, para quem a eficácia da vacina deve ser menor, assim como em outros grupos de risco."
Por que existe tanto ceticismo sobre a vacina russa?
Alguns fatores despertam críticas e dúvidas sobre o projeto do instituto Gamaleya. Um deles é a pressa. Países do mundo todo se lançaram em uma espécie de corrida contra a COVID-19, semelhante à corrida espacial, em que buscam demonstrar supremacia científica sobre países rivais.
Dado o clima de concorrência por vezes hostil entre a Rússia e países do Ocidente, muitos acham que etapas estão sendo queimadas para se poder fazer um anúncio de sucesso, antes que a eficácia seja confirmada.
O próprio nome da vacina — Sputnik V, em homenagem ao primeiro satélite artificial a orbitar em volta da Terra, um feito da então União Soviética no auge da Guerra Fria — remete a esse período de competição.
E é claro a vantagem econômica obtida por quem conseguir desenvolver primeiro a vacina é incalculável. Nos últimos meses houve acusações de que hackers chineses estariam tentando roubar dados americanos de desenvolvimento de vacina. O Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá também já acusaram agências de espionagem da Rússia de interferir em pesquisas de vacinas, o que o Kremlin negou.
Outro problema é a que não se sabe a duração da resposta imunológica.
Durante o anúncio do registro da vacina, o presidente russo Vladimir Putin disse que ela oferece "imunidade sustentável" contra o coronavírus.
O ministro da Saúde, Mikhail Murashko, por sua vez, afirmou que a imunidade duraria por dois anos — mas não há evidências científicas nesse sentido.
Mais de 100 vacinas em todo o mundo estão em desenvolvimento, algumas delas sendo testadas em pessoas em ensaios clínicos.
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