No primeiro estudo do tipo clínico de que se tem notícia envolvendo o uso do medicamento em pacientes com COVID-19 hospitalizados, pesquisadores brasileiros demonstraram que a azitromicina não leva a melhoras e, portanto, não tem indicação de uso para casos graves.
Publicada na Lancet, a segunda revista médica mais influente do mundo de acordo com a consultoria Clarivate Analytics, a pesquisa envolveu 397 pessoas com diagnóstico de COVID-19 em casos considerados graves — assim classificados por critérios como necessidade de reforço de oxigênio ou ventilação mecânica. Além disso, eles tinham fatores de risco associados, como hipertensão ou diabetes.
Os pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos — 214 deles receberam azitromicina mais o tratamento padrão, e outros 183 receberam apenas o tratamento padrão, sem azitromicina. O tratamento padrão, feito em ambos os casos, incluía a hidroxicloroquina, pois naquela época — entre março e maio — seu uso estava sendo bastante frequente.
Quinze dias depois, a situação de saúde dos participantes foi avaliada através de uma escala com seis categorias, como ter recebido alta, mas manifestar sequela; estar internado usando ventilação mecânica; ou mesmo óbito — o que aconteceu em percentual alto, já que o grupo de pacientes acompanhados só incluía pessoas em estado grave.
Não houve diferença entre os dois grupos na melhora segundo esta escala; a mortalidade após 29 dias também foi praticamente igual (42% no grupo que recebeu azitromicina, versus 40% no grupo controle).
O tempo médio de internação foi, ainda, de 26 dias para os que receberam azitromicina e 18 no grupo que recebeu apenas o tratamento padrão. A incidência de efeitos colaterais foi semelhante nos dois grupos.
"Nosso estudo avaliou pacientes graves, em uma fase tardia da doença, mas não sabemos como a azitromicina funcionaria em pacientes ambulatoriais (mais leves)", destaca Luciano Cesar Pontes de Azevedo, médico do Hospital Sírio-Libanês e parte da equipe que assina o artigo no Lancet.
"Gostaríamos muito que tivesse funcionado, porque é um medicamento barato, conhecido e normalmente bem tolerado na questão dos efeitos colaterais", acrescenta, afirmando que, com os resultados, espera que ao menos o remédio deixe de ser receitado indiscriminadamente no tratamento para COVID-19, o que poderia levar a falta do medicamento para quem precisa e também aumento da resistência de bactérias.
Isto porque a função original da azitromicina é de antibiótico, muito usado em infecções bacterianas nas chamadas vias aéreas superiores, como no nariz e garganta. Mas ela tem também efeito anti-inflamatório, por isso pensou-se que o medicamento pudesse ter efeito na COVID-19 — em que a reação exagerada do sistema imunológico, que gera uma inflamação, tem sido apontada como um dos principais mecanismos de agravamento da nova doença.
"A azitromicina é descrita também como uma imunomoduladora. Mas, para doenças virais, sua eficácia tem poucas avaliações e não é conclusiva", explica o médico, que tem doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Ainda assim, ele relata que a azitromicina tem sido amplamente usada contra a COVID, seja para casos mais leves ou graves. Um levantamento mundial da Sermo, uma plataforma virtual para médicos, mostrou em abril que a azitromicina era o segundo medicamento mais receitado por profissionais entrevistados (41%) contra a COVID-19, atrás apenas dos analgésicos. Foram consultados 6,2 mil médicos em 30 países.
Um marco para a aposta na azitromicina foi um estudo da França que mostrou o que seriam resultados benéficos da associação deste antibiótico com a hidroxicloroquina, envolvendo cerca de 30 pacientes.
Divulgado em maio na plataforma medRxiv (em que são postados trabalhos sem a chamada revisão dos pares), o trabalho foi dias depois retirado do ar a pedido dos próprios pesquisadores, com a seguinte justificativa: "Por conta da controvérsia sobre a hidroxicloroquina e da natureza retrospectiva desse estudo, os autores pretendem revisar o manuscrito após a revisão dos pares".
Coalizão já publicou sobre hidroxicloroquina e dexametasona
A associação entre hidroxicloroquina e azitromicina já havia sido testada em outra pesquisa da mesma equipe brasileira, publicada em julho no New England Journal of Medicine.
No entanto, os pacientes envolvidos tinham quadros leves ou moderados de COVID-19, diferente do estudo publicado nesta sexta-feira, com pacientes graves. Naquele artigo, foi mostrado que a hidroxicloroquina sozinha ou associada à azitromicina não provocava melhora na comparação com o tratamento padrão.
Tanto o artigo publicado na Lancet quanto no New England Journal of Medicine são fruto da Coalizão COVID-19 Brasil, uma associação entre diferentes hospitais e instituições que criou nove linhas de pesquisa com tratamentos em potencial para a nova doença.
A coalizão é formada pelo Hospital Israelita Albert Einstein; HCor; Hospital Sírio-Libanês; Hospital Moinhos de Vento; Hospital Alemão Oswaldo Cruz; a Beneficência Portuguesa de São Paulo; o Brazilian Clinical Research Institute (BCRI); e a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).
Segundo Luciano Cesar Pontes de Azevedo, na pesquisa a azitromicina mostrou ter pouco efeito anti-inflamatório, indicando a necessidade de um medicamento mais forte com esta função.
Na quarta-feira (03/09), a coalizão publicou, como parte de uma colaboração internacional, um artigo no Journal of the American Medical Association (JAMA), que mostrou um candidato promissor: o corticoide dexametasona. Em pacientes graves com COVID-19, o uso deste anti-inflamatório diminuiu a mortalidade.
Sobre o estudo com a azitromicina, Azevedo aponta como limitações a análise de um grupo focado em quadros graves, em detrimento de uma população mais ampla; a associação com a hidroxicloroquina, o que dificulta o entendimento de qual poderia ser a ação da azitromicina isolada; e a ausência de um grupo de controle utilizando placebo.
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