Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Estudo mapeia 'polos de desconfiança' em vacinas no mundo; Brasil tem sinal de queda no apoio a elas


O mesmo mundo que vive em compasso de espera por uma vacina contra o novo coronavírus abriga também países onde o percentual de pessoas que concordam que imunizações são importantes pode variar dos 26% na Albânia a 95% no Iraque.



 

 

 

Estes e outros números sobre a confiança em vacinas em 149 países foram publicados nesta quinta-feira (10/9) no periódico científico The Lancet, com base em uma pesquisa com 284 mil adultos sobre a importância, segurança e eficácia das vacinas.

O trabalho lembra que, em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a hesitação sobre as vacinas como uma das dez maiores ameaças para a saúde global.

Ela se reflete no atraso ou recusa à imunização, muitas vezes motivados por boatos e notícias falsas. Esses comportamentos estão associados a surtos recentes de doenças que podem ser prevenidas com vacinas, como sarampo, poliomielite e meningite.



O Brasil aparece no grupo dos países em que o percentual de pessoas que acredita fortemente nestes três benefícios das vacinas (importância, segurança e eficácia) fica acima de 50%.

Entretanto, em todos esses indicadores, houve declínio na confiança entre 2015 e 2019, com queda de 73% para 63% na parcela da população brasileira que acredita fortemente que as vacinas são seguras; de 75% para 56% que elas são eficazes; de 92,8% para 88% que elas são importantes (neste caso, a pergunta aos entrevistados menciona especificamente a importância das vacinas para crianças).

Acompanhando o perfil da América Latina, o país historicamente apresenta níveis bastante altos de confiança nas vacinas na comparação com outras partes do mundo, explica Clarissa Simas, pesquisadora da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, uma das autoras da publicação no Lancet e brasileira. Entretanto, há sinais de que isto pode estar mudando, ela diz — ressaltando, porém, que são necessários mais dados para confirmar o que seria um aumento da desconfiança em vacinas no país.

"Para o Brasil, tivemos dados apenas de 2015 e 2019, então os modelos (matemáticos usados na pesquisa) ficam muito sensíveis (a variações). Não dá pra ter certeza estatística da queda. Mas os resultados sugerem, sim, que há um problema. É um sinal de que precisamos monitorar e coletar mais dados, inclusive qualitativos, sobre a confiança em vacinas no país", diz Simas, graduada em psicologia na Universidade de Brasília (UnB) e mestre em antropologia médica na Universidade College London.



Ela acredita que no Brasil, particularmente, o acesso gratuito a uma ampla variedade de vacinas, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa Nacional de Imunizações (PNI), pode ter contribuído para a construção da confiança ao longo do tempo, que no entanto está agora sob alerta.

"A América Latina, e o Brasil inclusive, foi vista por muito tempo como tendo uma blindagem à desconfiança em vacinas. Mas sabemos que a confiança em vacinas é algo muito volátil, e esse perfil vem mudando", explica a pesquisadora, que trabalha no Vaccine Confidence Project ("Projeto Confiança em Vacinas", sigla VCP) na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

"Se os responsáveis não prestarem atenção, isso pode se reverter em queda na cobertura vacinal."

Problemas com vacina de dengue nas Filipinas e de HPV no Japão

Esta é uma preocupação que se estende a outras partes do mundo.



A pesquisa associa à instabilidade política e ao extremismo religioso a situação de seis países em particular com aumento significativo da parcela de pessoas que discordam fortemente da segurança das vacinas: Azerbaijão (2% em desacordo com a segurança em 2015 versus 17% em 2019); Afeganistão (2-3%); Indonésia (1-3%); Nigéria (1-2%); Paquistão (2-4%) e Sérvia (4-7%).

Percentual estimado da população que concorda fortemente que vacinas são importantes - 2015 vs. 2019

Novembro de 2015

Dezembro de 2019

Afeganistão

76.26

Afeganistão

73.51

Albânia

44.25

Albânia

26.06

Argélia

91.18

Argélia

87.71



Argentina

95.73

Argentina

91.29

Armênia

68.47

Armênia

57.69

Austrália

75.55

Austrália

78.31

Áustria

54.54

Áustria

57.07

Azerbaijão

45.95

Azerbaijão

49.97

Bangladesh

95.08

Bangladesh

88.35

Bielo-Rússia

49.14

Bielo-Rússia

50.78

Bélgica

62.37



Bélgica

61.71

Benin

78.91

Benin

82.18

Bolívia

74.53

Bolívia

78.58

Bósnia e Herzegovina

60.38

Bósnia e Herzegovina

65.84

Botswana

88.27

Botswana

85.34

Brasil

92.87

Brasil

88.19

Bulgária

50.55

Bulgária

46.32

Burkina Faso

76.78

Burkina Faso

67.72

Burundi

89.76



Burundi

88.38

Camboja

56.68

Camboja

62.22

Camarões

87.57

Camarões

88

Canadá

64.59

Canadá

69.43

Chade

68.98

Chade

69.90

Chile

76.17

Chile

85.01

China

43.13

China

84.54

Colômbia

88.49

Colômbia

87.07

Comores

90.07

Comores

78.79

Costa Rica

88.95



Costa Rica

89.2

Croácia

50.37

Croácia

65.19

Chipre

71.51

Chipre

69.48

República Checa

55.16

República Checa

47.27

República Democrática do Congo

81.81

República Democrática do Congo

90.72

Dinamarca

57.38

Dinamarca

61.85

República Dominicana

73.23

República Dominicana

73.18

Equador

84.14

Equador

80.53



Egito

83.13

Egito

81.40

El Salvador

87.47

El Salvador

81.5

Estônia

54.58

Estônia

70.45

Etiópia

96.3

Etiópia

91.49

Fiji

72.55

Fiji

63.96

Finlândia

76.02

Finlândia

83.59

França

35.45

França

51.45

Gabão

73.34

Gabão

75.36



Gâmbia

90.57

Gâmbia

77.16

Georgia

2.71

Georgia

46.19

Alemanha

66.11

Alemanha

69.2

Gana

86.62

Gana

82.95

Grécia

57.64

Grécia

51.47

Guatemala

78.97

Guatemala

78.08

Guiné

81.89

Guiné

89.52

Haiti

86.54

Haiti

85.18

Honduras

82.7



Honduras

85.37

Hong Kong

38.46

Hong Kong

35.69

Hungria

49.61

Hungria

65.41

Islândia

82.56

Islândia

85.74

Índia

88.19

Índia

90.97

Indonésia

74.69

Indonésia

59.96

Irã

90.01

Irã

81.48

Iraque

89.95

Iraque

95.17

Irlanda

61.58

Irlanda

64.89



Israel

43.36

Israel

45.54

Itália

40.92

Itália

58.99

Costa do Marfim

65.65

Costa do Marfim

78.68

Japão

41.76

Japão

48.14

Jordânia

81.8

Jordânia

82.77

Cazaquistão

63.65

Cazaquistão

56.67

Quênia

88.98

Quênia

81.02

Kosovo

82.46



Kosovo

77.61

Kuwait

83.38

Kuwait

79.23

Quirguistão

65.45

Quirguistão

62.45

Laos

61.31

Laos

54.21

Letônia

44.05

Letônia

64.98

Líbano

92

Líbano

87.99

Libéria

89.09

Libéria

93.47

Líbia

71.92

Líbia

73.59

Lituânia

48.33



Lituânia

72.91

Luxemburgo

56.35

Luxemburgo

61.65

Macedonia

51.42

Macedonia

51.98

Madagáscar

77.03

Madagáscar

78.48

Malawi

88.71

Malawi

89.49

Malásia

80.25

Malásia

57.28

Mali

82.45

Mali

90.83

Malta

53.12

Malta

61.8

Mauritânia

86.23

Mauritânia

92.18



Maurício

84.03

Maurício

81.3

México

56.79

México

78.16

Moldova

43.84

Moldova

54.68

Mongólia

38.69

Mongólia

74.59

Montenegro

43.87

Montenegro

51.34

Marrocos

15.77

Marrocos

62.06

Moçambique

73.59

Moçambique

76.45

Myanmar

82.69



Myanmar

75.11

Namibia

90.02

Namibia

89.7

Nepal

81.18

Nepal

79.63

Países Baixos

38.64

Países Baixos

66.37

Nova Zelândia

66.94

Nova Zelândia

67.45

Nicarágua

82.24

Nicarágua

85.54

Níger

88.4

Níger

84.44

Nigéria

83.38

Nigéria

80.3

Norte do Chipre

77.84



Norte do Chipre

79.45

Noruega

64.18

Noruega

72.84

Paquistão

77.37

Paquistão

67.22

Palestina

69.34

Palestina

84.58

Panamá

75.37

Panamá

83.64

Papua Nova Guiné

71.78

Papua Nova Guiné

80.29

Paraguai

78.20

Paraguai

83.55

Peru

81.22

Peru

72.33

Filipinas

92.29



Filipinas

70.06

Polônia

41.4

Polônia

62.83

Portugal

69.36

Portugal

69.03

República do Congo

79.88

República do Congo

72.61

Romênia

55.83

Romênia

80.75

Rússia

38.20

Rússia

34.01

Ruanda

76.45

Ruanda

90.13

Arábia Saudita

80.31

Arábia Saudita

84.33

Senegal

84.78



Senegal

92.35

Sérvia

43.45

Sérvia

48.42

Serra Leoa

88.77

Serra Leoa

79.66

Cingapura

51.51

Cingapura

59.57

Eslováquia

52.19

Eslováquia

59.51

Eslovênia

30.2

Eslovênia

60.86

África do Sul

69.72

África do Sul

72.55

Coreia do Sul

62.41

Coreia do Sul

40.22

Espanha

72.62



Espanha

71.17

Sri Lanka

79.68

Sri Lanka

80.67

Suazilândia

82.95

Suazilândia

81.69

Suécia

74.13

Suécia

43.64

Suíça

64.77

Suíça

53.28

Síria

82.86

Síria

91.27

Taiwan

60.6

Taiwan

65.93

Tajiquistão

73.38

Tajiquistão

87.08



Tanzânia

86.97

Tanzânia

87.45

Tailândia

67.09

Tailândia

79.79

Togo

77.68

Togo

77.26

Tunísia

90.05

Tunísia

91.85

Peru

22.08

Peru

45.71

Turcomenistão

69.56

Turcomenistão

79.73

Uganda

83.72

Uganda

80.87

Reino Unido

57.33

Reino Unido

59.27



Ucrânia

44.08

Ucrânia

57.13

Emirados Árabes Unidos

82.8

Emirados Árabes Unidos

84.4

Uruguai

77.87

Uruguai

57.93

EUA

63.09

EUA

74.72

Uzbequistão

73.95

Uzbequistão

83.58

Venezuela

86.41

Venezuela

85.97

Vietnã

83.01

Vietnã

51.44

Iémen

74.15

Iémen

87.55



Zâmbia

79.91

Zâmbia

79.76

Zimbábue

82.57

Zimbábue

91.22

Fonte: Lancet (setembro 2020)

Também são relatados episódios polêmicos envolvendo vacinas que foram depois sucedidos por queda em vacinações. Foi o que ocorreu nas Filipinas, quando a farmacêutica Sanofi anunciou em 2017 que sua recém-disponibilizada vacina Dengvaxia, contra a dengue, colocava em risco pessoas que não tinham tido contato com o vírus anteriormente.

Isto gerou pânico e revolta na população, levando o projeto VCP a acompanhar a situação mais de perto.

Foi constatado que o país asiático saiu do grupo dos dez países com maior confiança em geral nas vacinas (considerando tanto segurança, importância e eficácia) em 2015 para aparecer na 70ª posição mundial em 2019.

O Japão figura entre os países com a menor confiança em vacinas no mundo, o que, segundo os autores, pode ter sido impulsionado pelo medo da imunização contra o HPV que tomou conta do país em 2013.

Iniciado após relatos não confirmados de reações adversas em crianças, o temor levou o governo a suspender a vacinação, o que é criticado no relatório: "A forma como a crise da vacina contra o HPV foi abordada pelas autoridades de saúde, bem como um surto contínuo de rubéola no Japão, indicam problemas contínuos com o programa de vacinação japonês que precisam ser resolvidos".



Por outro lado, em alguns países onde a confiança em vacinas tem sido persistentemente baixa, houve melhoras — como na França, onde o percentual de pessoas concordando fortemente com a segurança de vacinas passou de 22% em novembro de 2018 para para 30% em dezembro de 2019.

Clarissa Simas brinca que a confiança e desconfiança em vacinas são "democráticas", ocorrendo em grupos e lugares com perfis sociais, econômicos e culturais distintos.

Ao mesmo tempo, a pesquisa constatou a partir de dados qualitativos que ser homem ou ter menos anos de escolaridade estão associados com chance menor de vacinação; enquanto a confiança em profissionais de saúde, mais do que na família ou amigos, foi associada à maior chance de vacinação.

Segundo os autores, o estudo publicado no Lancet é o maior de que se tem notícia sobre a confiança em vacinas a nível global, permitindo comparações entre diferentes países e alterações ao longo do tempo.



Fundado há uma década, o projeto Vaccine Confidence Project (VCP) monitora as opiniões e comportamentos do público sobre vacinas — no caso desta pesquisa publicada, usando entrevistas com amostras da população e depois modelos estatísticos. Assinam o artigo no Lancet pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e do Imperial College London, no Reino Unido; Universidade de Washington, nos EUA; e Universidade da Antuérpia, na Bélgica.


Especialistas acreditam que vacina contra covid-19 estará pronta no ano que vem (foto: Getty Images)

Expectativa de vacina contra a COVID-19

Diante da pandemia de coronavírus, a pesquisadora lembra que já há grupos antivacinas se mobilizando contra uma eventual imunização para COVID-19.

Nos últimos dias, o próprio presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, manifestou ressalvas a vacinas em potencial.

Ele defendeu que pessoas possam escolher se imunizar ou não e afirmou, na terça-feira (8), que "a gente não pode injetar qualquer coisa nas pessoas e muito menos obrigar".



O relatório publicado no Lancet aponta para a importância da divulgação, por governos, empresas e profissionais de saúde, de informações sobre a segurança das vacinas.

Na atual corrida por uma imunização contra a COVID-19, Clarissa Simas destaca a iniciativa de nove diretores de farmacêuticas que publicaram, também na terça-feira, uma carta aberta se comprometendo a solicitar registro de uma vacina a órgãos sanitários apenas "após a demonstração de segurança e eficácia em estudo clínico de fase 3".


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!