Jornal Estado de Minas

COVID-19

Pandemia de coronavírus: não sair de casa também pode ser prejudicial à saúde


Em casa desde o início da pandemia do novo coronavírus, o motorista de aplicativo Antonio Douglas Pinheiro, de 45 anos, achava que o cansaço e a falta de energia que estava sentindo ainda eram reflexos da exaustiva rotina de trabalho vivida nos últimos anos.



Depois de procurar um médico e fazer exames de sangue, teve o diagnóstico: deficiência de vitamina D. Sua taxa, em julho, estava em 17 ng/mL, enquanto os valores considerados normais, segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), são entre 20-60 ng/mL para a população saudável e entre 30-60 ng/mL para a população de risco.

"De 2016 até o começo do ano, eu estava trabalhando quase todos os dias das 5h às 20h, mais ou menos, um ritmo bem pesado, e achei que o esgotamento era por causa disso", relata.

"Quando a quarentena começou, eu tinha acabado de ter uma broncopneumonia. Juntando isso e o fato de eu ser obeso, resolvi não sair de casa enquanto não surgisse uma vacina ou um tratamento eficaz, só que a falta acabou me fazendo mal", relata.

Assim como Pinheiro, parte da população se refugiou em suas residências em função da pandemia da covid-19 e segue nesse esquema mesmo com a flexibilização das regras.

Mas se por um lado essa é uma das medidas mais eficientes para se proteger e evitar a propagação da doença, por outro, também pode ser extremamente prejudicial à saúde como um todo.



"Já são meses dentro de casa. O resultado disso é menos exposição à radiação solar, principal fonte de vitamina D, menos atividade física e, muitas vezes, alimentação não tão saudável, uma combinação perigosa para o desenvolvimento ou a piora de uma série de doenças", comenta Luis Augusto Tavares Russo, membro da SBEM e diretor-médico do Instituto Brasil de Pesquisa Clínica (IBPCLIN).

Com a pandemia completando seis meses no Brasil — aulas e serviços não essenciais começaram a ser suspensos no dia 11 de abril, primeiro no Distrito Federal —, muitos desses problemas começam a aparecer. A seguir, listamos os principais.

Deficiência de vitamina D


Por não sair de casa desde o início da pandemia, o motorista de aplicativo Antonio Douglas Pereira está com deficiência de vitamina D (foto: Arquivo pessoal)

A vitamina D é um micronutriente essencial para o organismo, com participação em diversas ações. Por exemplo, ela auxilia no funcionamento do sistema imunológico — fundamental nesse período de infecções por coronavírus —, na absorção de cálcio e no controle da função cardíaca, da pressão arterial e dos níveis de glicemia e gordura corporal.



Ao mesmo tempo, sabe-se que a sua deficiência está comprovadamente ligada a uma série de patologias, como as autoimunes (diabetes tipo 1 é uma delas) e as musculoesqueléticas, encabeçada pela osteoporose.

"Ao contrário do que acontece com outras vitaminas, a principal fonte de vitamina D não é a alimentar, e sim a exposição ao sol, até porque poucos alimentos a contêm, como fígado, óleo de fígado de bacalhau, gema de ovo e salmão, e, ainda assim, em baixas quantidades", explica Russo. "Na verdade, são os raios ultravioletas B (UV-B), provenientes da energia solar matinal, que proporcionam a conversão na nossa derme (pele) da pré-vitamina D em vitamina D (colecalciferol)", acrescenta o médico.

Por isso, é importantíssimo tomar sol diariamente no período da manhã, das 8h às 10h, por cerca de 30 a 40 minutos — nem que seja na janela, enquanto não for totalmente seguro sair às ruas e frequentas praias, parques e piscinas — e, de preferência, sem protetor solar, a fim de que o produto não atrapalhe a ativação das vias metabólicas de formação do nutriente.

Sedentarismo

Diversos estudos têm apontado queda nos níveis de atividade física durante o isolamento, inclusive nos locais que flexibilizaram ou suspenderam as restrições.

Para se ter uma ideia, a pesquisa ConVid, realizada entre abril e maio pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aponta que 62% dos brasileiros não estão praticando exercícios.



Entre os que faziam algum tipo de atividade de três a quatro vezes por semana, 46% pararam e, entre os acima de cinco dias, 33%.

O estudo mostra ainda que, antes da pandemia, 30% se exercitavam por mais de 150 minutos por semana, tempo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Por conta do novo coronavírus, esse percentual baixou para 12% no país.

"Até os que praticavam atividade física regularmente, ou tornaram-se sedentários ou diminuíram a quantidade nos últimos meses. Só que o exercício reduz a possibilidade de desenvolver e até ajuda no tratamento de uma série de doenças, como diabetes, hipertensão arterial, osteoporose e cardiopatias", diz Ricardo Nahas, coordenador do Centro de Medicina do Exercício do Esporte do Hospital 9 de Julho, de São Paulo.

Além disso, a movimentação constante é indispensável para a liberação de neurotransmissores e hormônios responsáveis pelo bem-estar, o que resulta em melhora do humor e redução do estresse e da ansiedade.



Agora, se entregar ao sedentarismo e ficar muito tempo sentado, tem o efeito contrário: provoca a deterioração do metabolismo, gera níveis mais altos de estresse e favorece o surgimento de diversos tipos de doença, com destaque para a obesidade e todas as suas consequências.

"Temos de nos manter ativos, mesmo em casa. Para muitos pacientes eu indico a bicicleta ergométrica, na qual se consegue fazer uma atividade de média intensidade e com duração prolongada. Também é importante ter atenção com a dieta, que precisa ser saudável e em menor quantidade, já que a demanda, o gasto calórico, no geral diminui nesse momento", complementa o especialista.

Dores constantes


Nas últimas semanas, diversas cidades começaram a afrouxar o isolamento social e muitas pessoas retomaram suas atividades (foto: EPA)

Com as pessoas passando a maior parte do tempo em seus lares, os afazeres domésticos aumentaram e, muitas vezes, o trabalho e o estudo também. Soma-se a isso a perda da força muscular, pela diminuição da mobilidade, a falta de ergonomia e a realização de movimentos repetitivos, e o resultado é o surgimento de dores — e até lesões — em diversas partes do corpo.



A pesquisa ConVid, da Fiocruz retrata bem essa questão. Pelos dados coletados, 50% dos brasileiros que já tinham problemas crônicos de coluna relataram aumento de dor durante a pandemia, e 41% passaram a sentir algum tipo devido às mudanças na rotina.

Segundo Mario Sabha, fisioterapeuta e PhD em Neuroanatomia, a falta de movimento, ficar na mesma posição por longos período e passar muito tempo em frente às telas dos equipamentos eletrônicos tendem a causar encurtamento muscular e, consequentemente, dor.

"Tudo isso tem um efeito devastador sobre o corpo humano", afirma. "Muitas pessoas acabam sofrendo com dores cervicais, no pescoço, estendidas para os braços e as mãos e com formigamento", aponta.

Para evitar que isso aconteça, as recomendações são praticar atividade física, fazer pausas durante o trabalho, para alongar a musculatura e dar uma caminhada, mesmo que pela sala; ter boas noites de sono, para que o organismo consiga de reequilibrar; melhorar a postura e adotar hábitos saudáveis, o que inclui alimentação balanceada, tomar bastante água, não fumar e evitar bebidas alcóolicas.



De quebra, essas ações ainda contribuem para melhorar outras condições que têm sido impactadas negativamente pela intensa rotina dentro de casa, osteoartrite e problemas de circulação sanguínea, evitando mais dores, além de desgastes de articulações e cartilagens, edemas, varizes e tromboses.

Olho seco

Não sair de casa tem contribuído, e muito, para a utilização exageradas dos equipamentos eletrônicos, seja para o trabalho ou o lazer.

Só o uso do smartphone, pelos dados de uma pesquisa realizada pela Squid, empresa de marketing de influência, aumentou 88,4% em abril deste ano. Da televisão, 62,1% e, do computador, 43,6%.

Ao longo do dia, o resultado de todo esse excesso, além das dores, como já mostramos, é um enorme desconforto visual, com sintomas como vermelhidão, ardor, vista embaçada e dificuldade em focar.

"Quando estamos diante de uma tela, piscamos cerda de 10 vezes menos do que em outras situações. Além disso, por conta da posição dela, acabamos ficando com o olho mais aberto. Essa combinação o deixa mais exposto, faz a lágrima evaporar mais rápido e resseca a córnea, causando o que chamamos de olho seco", relata Wallace Chamon, membro da Comissão Científica do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).



A boa notícia é que dá para tratar essa condição com o uso de colírios lubrificantes — devem ser pingados entre quatro e seis vezes ao dia —, fazendo pausas constantes para descansar a visão e usando umidificadores de ambiente, caso a umidade do ar esteja baixa.

Ainda em se tratando da saúde da visão, existem evidências de que a falta de exposição à luz solar favorece a aparição e aumenta a progressão da miopia em crianças e adolescentes.

A explicação, ao que tudo indica, é que os raios solares estimulam a produção de dopamina, substância que evita que o olho cresça alongado, distorcendo o foco de luz que entra no globo ocular.

"O ideal é passar cerca de duas horas ao ar livre. No começo da pandemia isso não era possível, mas agora, com a flexibilização das regras, dá para sair um pouco na rua, sempre com máscara, para dar uma caminhada e brincar em um parque, mas sem aglomeração", indica Chamon.



Transtornos mentais


Especialistas orientam que atividades como tomar sol são fundamentais e não podem ser ignoradas em meio ao isolamento social (foto: Getty Images)

Mais um efeito negativo do confinamento imposto pela covid-19 tem sido observado na saúde mental da população.

Pesquisa realizada em maio pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com psiquiatras de 23 estados e do Distrito Federal mostra que 47,9% dos entrevistados tiveram aumento em seus atendimentos após o início da pandemia.

O estudo também registrou alta no número de novos casos (67,8% dos profissionais consultados afirmaram ter recebido pessoas que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes) e reincidentes (69,3% atenderam pacientes que já haviam tido alta médica, mas tiveram recidiva de seus sintomas).

Além disso, 89,2% dos médicos participantes destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes em decorrência da covid-19.

"Há um clima de medo, morte, enfim, de terror mesmo, que é bastante estressor física e emocionalmente, e essa permanência em casa aumenta ainda mais as angústias, até porque o ser humano é um ser social. Quando o contato com o outro é restringido, isso tem importante implicação na saúde mental", analisa Elson Asevedo, pesquisador e psiquiatra da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).



E dois componentes do isolamento, salienta o médico, interferem de forma mais acentuada no emocional: a mudança de rotina e a falta de movimentação.

"O nosso corpo adora rotina. Ele funciona melhor e se torna mais saudável quando dormimos e acordamos no mesmo horário e temos o mesmo nível de atividade diária, por exemplo. A partir do momento em que isso tudo muda e somos obrigados a nos isolar em casa, o cérebro sofre uma agressão, ele se estressa. E essa nova realidade ainda pode gerar alguns agravantes, como alteração no ritmo de sono e não exposição à luz solar, que também são fatores de risco para o surgimento de transtornos mentais", explica.

Em relação à movimentação, Asevedo relata que a sua ausência impacta no nascimento de novos neurônios e, consequentemente, na saúde do órgão. O que acontece é que sem atividade, os neurônios não apenas não nascem, mas também ficam "fracos" e se conectam menos uns com os ouros, prejudicando todo o funcionamento mental.

Aceleração da demência

O isolamento forçado pelo novo coronavírus fez soar um alerta ainda mais alto em relação à saúde dos idosos, e não apenas do ponto de vista físico e emocional, mas também neurológico. Isso porque a falta de interação social pode acelerar os processos de demência.



"Fazendo uma analogia entre o computador e o cérebro, no primeiro, suas placas e circuitos não alteram de acordo com o software que está rodando. Com o cérebro é o contrário, ele muda dependendo do que a gente experimenta, vivência", diz Asevedo, da EPM/Unifesp.

"A interação social é uma das ações que mais modificam o órgão. Porém, quando ocorre uma redução desse estímulo, como tem sido agora durante a pandemia, a atividade cerebral diminui e os neurônios, que naturalmente já são em menor quantidade nos mais velhos, passam a fazer menos conexões Tudo isso, apesar de não causar, pode acelerar os quadros de demência", completa.

Uma forma de prevenção é se manter intelectualmente ativo, ou seja, aprender coisas novas sempre, fazer palavras-cruzadas, ler e conversar com amigos e parentes, mesmo que por telefone ou vídeochamada.

"Nas pessoas que ficam prostradas, inativas, sem relações sociais, leitura ou atividades estimulantes que lhes deem prazer, a tendência é que a perda de neurônios seja ainda mais rápida", finaliza o psiquiatra.



Atraso no desenvolvimento dos bebês

Até os dois ou três primeiros meses de vida, período em que os bebês ainda não receberam todas as vacinas necessárias, a recomendação é que os pais evitem sair com eles de casa.

Depois disso, no entanto, os pequenos precisam ter contato com o mundo lá fora, pois dependem de estímulos sociais e físicos, movimento e luz solar, entre tantos outros fatores, para se desenvolverem.

Mas como fazer isso se estamos em um momento de pandemia? E as crianças que estão sendo obrigadas a ficar em casa terão seu crescimento prejudicado?

"Não podemos ser alarmistas e afirmar que haverá sequelas, contudo, é preciso salientar que o cérebro dos bebês está a mil e precisa da interação com o ambiente para desenvolver todo o seu potencial. Sem esse estímulo, existe a possibilidade de algum tipo de atraso no desenvolvimento, como da fala e do engatinhar ou andar", analisa Deborah Moss, neuropsicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP).

Para minimizar os efeitos do "ficar em casa", a dica da especialista é que os pais descubram outras maneiras de apresentar o mundo lá fora para seus filhos.

"Por exemplo, a pessoa pode ficar um tempo com o bebê na janela, mas desde que o local seja seguro ou, se possível, levá-lo para explorar o quintal da residência ou os espaços abertos do prédio. Também é importante ele veja outras pessoas, para entender que não existem apenas o pai e a mãe."



Deborah recomenda ainda criar espaços dentro do próprio lar para que os pequenos possam circular e se movimentar um pouco mais.

"Mas o mais importante de tudo é que os pais tenham momentos de qualidade com os bebês, para conversar, brincar, estimular, desafiar... Eles precisam muito da interação com a figura do cuidador e o vínculo entre eles é essencial para o desenvolvimento saudável."



O que é o coronavírus

Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.

Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp

Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.


Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?


Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.

Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 
Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'

Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência

Para saber mais sobre o coronavírus, leia também: