Um estudo inédito a nível nacional, onde o percentual de pessoas que já tiveram COVID-19 foi calculado após exames sorológicos (que detectam anticorpos contra a doença no sangue), reforçou com resultados publicados nesta quarta-feira (23/9) o que pesquisas anteriores vêm apontando: a maior vulnerabilidade de indígenas e pobres à doença.
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Os vírus mortais que desapareceram sem deixar vestígiosBrasil registra mais 33 mil casos de COVID-19 e já soma 4,6 milhões; 869 mortes são registradas em 24hCOVID-19, gripe ou resfriado? Confira os sintomas de cada umO que falta para a vacina CoronaVac ser distribuída à população em São PauloO artigo, assinado por pesquisadores de várias universidades brasileiras e publicado no periódico The Lancet Global Health, revela que a prevalência da COVID-19 (indivíduos já infectados em algum momento) entre os indígenas é de 6,4% — mais de quatro vezes maior do que em pessoas brancas (1,4%).
Segundo a equipe, liderada pelo professor da Universidade Federal de Pelotas Cesar Victora, a maior prevalência entre os indígenas pode ser explicada por um conjunto de fatores que afetam esta população não só no atual contexto de pandemia, como alta densidade de pessoas vivendo em um mesmo ambiente, pobreza e dificuldades de acesso à saúde.
"Nosso resultado mais notável foi a concentração da alta prevalência em 11 cidades ao longo do rio Amazonas, com níveis que estão entre os mais altos já relatados em estudos populacionais. A descoberta desta alta prevalência em uma região tropical contradiz o senso comum de que continentes como a África podem estar mais protegidos contra a COVID-19 por causa da altas temperaturas", dizem os autores.
Com dados de todos os Estados, os autores concluíram também que o Norte e Nordeste do país tiveram uma escalada particularmente rápida de infecções. Em pesquisa sorológica de junho, das 34 cidades com prevalência da doença maior do que 2%, 11 estavam no Norte; 14 no Nordeste; e três no Sudeste — o Rio de Janeiro se destaca, com 7,5%.
A pesquisa também constatou que, na parcela 20% mais pobre da população, a prevalência foi de 3,7%, mais do que o dobro do 1,7% encontrado entre os 20% mais ricos.
Como foi o estudo
Foram feitas pesquisas em domicílio com 25 mil participantes em maio; e 32 mil em junho. Eles escolheram aleatoriamente casas e pessoas para serem testadas para COVID-19 em exames sorológicos — que mostram que uma pessoa já teve a infecção em alguma ocasião, mas não no momento do teste.
A concentração de casos em 11 cidades ao longo do rio Amazonas que chamou a atenção da equipe foi constatada na primeira pesquisa, incluindo as capitais Belém, Manaus e Macapá.
Entre as duas pesquisas, de maio a junho, o estudo constatou, a nível nacional, uma prevalência aumentada da COVID-19 na parcela de pessoas com 20 a 59 anos; e também entre aqueles vivendo em casas com muitas pessoas — em geral, quanto mais pessoas morando em uma casa, maior a prevalência, chegando a 4,4% em domicílios com seis ou mais pessoas.
"O Brasil se tornou um foco global na pandemia de COVID-19 em termos de casos relatados e mortes", explicou em comunicado à imprensa Victora, da Universidade Federal de Pelotas.
"Os estudos de soroprevalência existentes no Brasil têm se concentrado nas partes mais desenvolvidas do país, representadas pelas regiões Sul e Sudeste. Portanto, é vital que tenhamos dados mais precisos sobre a situação nacional."
Os autores também criticam a gestão política da crise sanitária no país, mencionando a deficiência em testagens e rastreamento de doentes; a saída de dois ministros da Saúde; e a postura do presidente Jair Bolsonaro de valorizar o uso da hidroxicloroquina e de desconsiderar a importância do distanciamento social — duas posições que vão de encontro a recomendações baseadas em evidências científicas.
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