"Nós, da Organização Mundial de Saúde (OMS), não defendemos o confinamento como o principal meio de controle desse vírus."
Quando o enviado especial da OMS para COVID-19, o britânico David Nabarro, se expressou dessa forma em uma entrevista para a revista The Spectator, ele certamente não imaginou a tempestade que suas palavras produziriam.
Leia Mais
COVID-19: como a Argentina se tornou um dos cinco países com mais casos no mundoA emocionante carta de uma filha aos médicos e enfermeiros que cuidavam da mãe com com suspeita de COVID-19'São mais e mais famílias pedindo': as filas por comida na cidade mais rica do país
"Os confinamentos têm uma consequência que não devemos nunca subestimar: eles tornam os pobres muito mais pobres", disse Nabarro.
- Coronavírus: como desigualdade entre ricos e pobres ajuda a explicar alta de casos de COVID-19 em Manaus
- O caminho 'longo e irregular' até a retomada da economia global após a COVID-19, na previsão do FMI
Pouco depois, inúmeros meios de comunicação e personalidades começaram a noticiar que a OMS havia recuado em seu apoio aos confinamentos. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a afirmar que a organização estava concordando com ele.
The World Health Organization just admitted that I was right. Lockdowns are killing countries all over the world. The cure cannot be worse than the problem itself. Open up your states, Democrat governors. Open up New York. A long battle, but they finally did the right thing!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 12, 2020
"A Organização Mundial da Saúde acaba de admitir que eu estava certo. Os confinamentos estão matando países em todo o mundo. A cura não pode ser pior do que o problema (...). Uma longa batalha, mas eles finalmente fizeram a coisa certa", disse Trump na segunda-feira por meio de sua conta no Twitter.
A posição do presidente americano é a mesma do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), que por diversas vezes criticou as medidas de isolamento social adotadas por Estados e cidades do país, alertando que os prejuízos à economia poderiam ser piores que os impactos da própria pandemia.
Em um encontro com produtores rurais, em setembro, o presidente disse que as defesas da necessidade de isolamento, eram "conversinha mole". "Isso é para os fracos. O vírus, eu sempre disse, era uma realidade, e tínhamos que enfrentá-lo. Nada de se acovardar perante aquilo que nós não podemos fugir dele", afirmou Bolsonaro
Na maioria do Brasil, foram adotadas medidas de isolamento mais brandas, mas, em cidades de alguns Estados, foram aplicados períodos de confinamento por determinação da Justiça ou por decisão de prefeitos ou governadores.
Em reação a isso, o governo Bolsonaro editou uma medida provisória para concentrar no Executivo federal o poder de estabelecer normas sobre esse assunto. A questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu que Estados e municípios tinham autonomia para determinar medidas de isolamento.
'Mais uma arma do arsenal'
Em resposta ao comentário feito por Trump, Nabarro afirmou que o problema é usar os confinamentos como "principal meio de controle" do coronavírus. Uma porta-voz da OMS, Margaret Ann Harris, esclareceu que essa sempre foi a posição da organização, que nunca deixou de considerar o confinamento "mais uma arma do arsenal" de combate à pandemia.
"O que sempre dissemos é que os confinamentos podem ajudar a ganhar algum tempo, especialmente se houver transmissão comunitária intensa", explicou Harris.
"Você pode se encontrar em uma situação em que a transmissão é intensa e, por diferentes motivos, não é possível identificar ou rastrear todos os infectados. Neste caso, talvez seja necessário frear a propagação do vírus com o uso do confinamento."
"Mas gostaríamos de ver governos e comunidades aplicarem continuamente todas as outras coisas que podem ajudar a conter a transmissão do vírus", insistiu a porta-voz da OMS.
No nível individual, isso inclui a lavagem das mãos, o distanciamento físico, o uso de máscaras e evitar contatos próximos, aglomerações e espaços mal ventilados.
"No nível governamental, gostaríamos de ver melhores sistemas de testagem e rastreamento, que garantam que todos os casos e todos os contatos de pessoas infectadas sejam realmente identificados e que garantam que todas essas pessoas se isolem durante o tempo necessário", disse Harris.
"Se tudo isso for feito, e há muitos países que fizeram muito bem, reduz-se a transmissão e pode-se manter a sociedade funcionando."
Todos esses pontos também foram levantados por Nabarro durante sua entrevista, na qual também reconheceu que os confinamentos poderiam ser justificados "para ganhar tempo, reorganizar, reagrupar, redistribuir recursos e proteger os trabalhadores do setor de saúde".
"Realmente pedimos aos líderes mundiais que parem de usar confinamentos como seu principal método de controle. Desenvolvam sistemas melhores para isso. Trabalhem juntos e aprendam uns com os outros", disse ele ao The Spectator.
Erro comum
Para Harris, esse último ponto é o mais importante. "Nabarro estava enfatizando que em alguns lugares os governos talvez não estejam se concentrando nas outras medidas e estejam pulando diretamente para os confinamentos e alertando que este não é o caminho", disse.
"Para que nós possamos viver com segurança enquanto o vírus está circulando, temos que tomar todas as outras medidas de forma consistente."
Para a porta-voz da OMS, muitas medidas e restrições devem continuar a ser implementadas mesmo após a disponibilização da vacina, para garantir a segurança de quem ainda não está protegido por ela.
E a porta-voz ressaltou ainda que, nas atuais circunstâncias, a falta de confinamento não deve ser interpretada como uma volta à normalidade.
"Isso tem sido um erro comum. Quando o confinamento é suspenso, as pessoas agem como se tivessem saído da prisão e dissessem: 'Agora vamos nos vingar'."
- COMO SE PROTEGER: O que realmente funciona
- COMO LAVAR AS MÃOS: Vídeo com o passo a passo
- TRATAMENTOS: Os 4 avanços que reduzem risco de morte por COVID-19
- SINTOMAS E RISCOS: Características da doença
- 27 PERGUNTAS E RESPOSTAS: Tudo que importa sobre o vírus
- MAPA DA DOENÇA: O alcance global do novo coronavírus
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!