"Não sabemos se algum dia teremos uma vacina. É importante prevenir-se contra a complacência e o otimismo excessivo. A primeira geração de vacinas tende a ser imperfeita, e devemos estar preparados para que não previnam a infecção, mas reduzam os sintomas e, mesmo assim, podem não funcionar para todos ou por muito tempo."
A análise acima é assinada por Kate Bingham, chefe da força-tarefa britânica criada para o desenvolvimento e a produção de vacinas contra a COVID-19, em texto publicado na revista científica The Lancet.
Segundo ela, não se pode descartar a hipótese de todas as vacinas acabarem sendo ineficazes, principalmente para o grupo mais vulnerável e atingido pela doença: os idosos. Para Bingham, a vacina não será "uma bala de prata" que permitirá que a vida volte ao normal "da noite para o dia".
A autoridade britânica se soma a um número crescente de especialistas que tentam dosar as expectativas em torno do surgimento de uma vacina contra o novo coronavírus.
Anthony Fauci, maior especialista em doenças infecciosas dos Estados Unidos e cientista-chefe da equipe especial da Casa Branca contra o coronavírus, explicou que a grande maioria das vacinas contra vírus não visam evitar o contágio, mas sim a forma grave da doença.
"O objetivo principal para (vacinas contra) a maioria dos vírus é para prevenir doenças clínicas, para prevenir doenças sintomáticas, e não necessariamente para prevenir infecções. Esse é um objetivo secundário. A principal coisa que você quer fazer é que, se as pessoas forem infectadas, que se evite que elas fiquem doentes. E se você evita que fiquem doentes, você acabará evitando que fiquem gravemente doentes", afirmou Fauci durante um evento online do Yahoo na segunda-feira (26/10) sobre caminhos para sair dessa crise.
Resultados de estudos com candidatas promissoras a vacinas, como a da parceria Oxford/AstraZeneca e a da Moderna, apontam que os imunizantes conseguem gerar uma resposta imune robusta contra o vírus, impedindo que ele se propague no corpo, mas não foram capazes (até agora) de evitar completamente a infecção.
Em um artigo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, 28 pesquisadores discutem como definir quão eficazes podem ser as vacinas contra a COVID-19, dada a complexidade da doença, que pode ser acompanhada de nenhum sintoma ou mais de 10 ao mesmo tempo.
O grupo de cientistas alerta que vacinas que evitem sintomas, mas não impeçam a infecção podem levar a um aumento silencioso de pacientes infectados assintomáticos e, num primeiro momento, impulsionar o avanço da pandemia.
É essencial, portanto, monitorar a presença ou não do vírus nos voluntários que receberam as vacinas em estudos.
Em geral, esses imunizantes podem evitar completamente a infecção, impedir sintomas moderados e graves ou "apenas" evitar a forma grave (e portanto fatal) da doença. E autoridades exigem que, para serem aprovadas, as candidatas precisam demonstrar ser eficazes em, no mínimo, 50% das pessoas imunizadas.
Se uma vacina eventualmente conseguir evitar o contágio, a mitigação da pandemia seria muito mais acelerada, mas Fauci afirma que é muito provável que a imunização em massa não será dessa maneira e, portanto, não levará ao fim acelerado do espalhamento da doença ou dispensará medidas de distanciamento social.
"(As vacinas) ajudariam bastante, mas elas não vão resolver o problema sozinhas. Nós não seremos capazes de abandonar medidas prudentes de saúde pública por um bom tempo. Temos que garantir que elas sejam parte da nossa vida sem precisarmos fechar o país ou fechar a economia."
Segundo o infectologista americano, resultados positivos sobre eficácia e segurança das vacinas devem ser divulgados até dezembro, mas elas não resolverão o problema
Vacina disponível no Natal?
Segundo a chefe da força-tarefa britânica de vacinas, uma vacina contra a COVID-19 pode começar a ser aplicada em parte das pessoas mais vulnerárias em torno do Natal.
Mas a oferta limitada de doses do imunizante indica que o governo terá que definir quem vai receber primeiro e quando.
A decisão final será do governo e do Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização (JCVI), que já afirmou que a distribuição da vacina deve ser priorizada de acordo com a necessidade, com profissionais de saúde e idosos em primeiro lugar na fila.
Bingham disse em entrevista à BBC escocesa que estava otimista com a descoberta de uma vacina que "protegeria algumas pessoas da infecção e poderia reduzir a gravidade dos sintomas", mas é improvável que as primeiras sejam capazes de proteger a população inteira contra a infecção.
A chefe da força-tarefa disse ainda que é bastante provável que as pessoas precisem de duas doses e que a revacinação seja necessária daqui a poucos anos.
"Estas vacinas não serão balas de prata que farão todos voltarem ao trabalho normalmente em 1º de janeiro. Vai levar tempo, e provavelmente vamos precisar de mais de uma vacina para diferentes parcelas da população."
"Ninguém estará seguro até que estejamos todos seguros. O vírus da pandemia não respeita fronteiras nacionais. Não haverá uma vacina bem-sucedida sozinha, ou um único país, que seja capaz de atender ao mundo. Precisamos urgentemente de cooperação internacional para somar riscos e custos, discutir barreiras de acesso e aumentar a capacidade de fabricação para produzir doses suficientes para proteger todos da Sars-CoV-2 ao redor do mundo" escreveu Bingham na The Lancet.
E quando a sociedade voltará ao 'normal'?
Para Bingham, é difícil definir uma data exata para retomar a vida normal, especialmente sem saber que tipo de vacina estará disponível, quantas doses serão necessárias, quão eficaz elas serão e em qual faixa etária funcionarão melhor .
"Há uma expectativa concreta de que poderemos voltar ao normal? Claro que é o que espero que aconteça, mas não temos os dados para ter certeza de que isso acontecerá e também de que será da noite para o dia."
Uma das principais preocupações, segundo ela, é que o trabalho em uma vacina tenha que começar da estaca zero caso o vírus sofra uma mutação significativa no futuro.
Bingham disse estar esperançosa de que em 2022 não haverá mais necessidade de as pessoas usarem máscaras e está mais confiante de que poderemos fazer festas e reuniões de família em 2022.
Mas as férias de 2021 ainda dependerão da eficácia dos imunizantes e da situação da pandemia no momento. A Europa vive uma segunda onda da doença, e diversos países decidiram adotar medidas rígidas de confinamento para evitar hospitais lotados e mais mortes.
Desde o surgimento oficial dos primeiros casos de COVID-19, em dezembro de 2019, a doença já matou 1,16 milhão de pessoas ao redor do mundo. Há 44 milhões de casos registrados, sendo 20 milhões deles nas Américas.
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