As duas ondas de coronavírus na Europa explodiram quase ao mesmo tempo nos maiores países do continente. Na segunda e mais mortal, que disparou nas duas primeiras semanas de outubro, o número de novas infecções parou de subir e começou a cair quase um mês depois em lugares como França, Itália, Reino Unido e Espanha.
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O ponto em comum dessa trajetória passa pela medida mais drástica e controversa contra o vírus: o chamado lockdown ou bloqueio total.
Na Holanda, todas as lojas exceto mercados fecham às 20h. Em Portugal e na França, a população só pode sair de casa para atividades essenciais, como trabalho, escola, mercado e farmácia. A Espanha adotou toque de recolher das 23h às 6h até maio de 2021.
Essa estratégia drástica tem dois grandes aspectos.
Primeiro, ao obrigar o distanciamento social em larga escala inclusive com multas pesadas, ele enfraquece o vírus ao garantir que ele encontrará cada vez menos pessoas para infectar. Segundo, para ser efetivo, o lockdown tem por consequência um enorme impacto socioeconômico, com a proibição de encontros sociais e o fechamento de lojas, hotéis, cinemas, bares e restaurantes, entre outros.
Um amplo estudo no Reino Unido demonstrou a eficácia do lockdown no país. Pesquisadores do Imperial College de Londres analisaram amostras colhidas de 100 mil pessoas com ou sem sintomas e escolhidas aleatoriamente. Antes das medidas, o número de casos dobrava a cada nove dias. Depois, com as medidas rígidas de distanciamento social, as infecções caíram 30% e só devem dobrar a cada quase 40 dias.
Dados compilados pela Universidade de Oxford apontam uma trajetória de ascensão e queda parecida em países como Áustria, Bélgica, França, Itália, Reino Unido, Portugal, Espanha, Holanda e Grécia.
Todos esses países adotaram lockdowns ou toques de recolher em menor ou maior grau de rigidez.
Então isso significa que os especialistas e as autoridades recomendam que todos os países adotem esse tipo de medida para conter o vírus? Não. Pelo contrário.
Recomenda-se que ele seja usado apenas em caso de última necessidade, quando a COVID-19 saiu do controle. O problema aqui é que ele acaba sendo adotado tarde demais, e poderia ser evitado com ações menos drásticas, como o uso massivo de máscara, veto a aglomerações e rastreio de quem teve contato com alguém doente.
Natal e terceira onda
A primeira onda na Europa atingiu o pico em 10 de abril de 2020, quando morriam 4.134 pessoas por dia, em média. Quase seis meses depois, o continente parece estar chegando ao pico da segunda onda, que tem matado uma média de 4.965 pessoas por dia.
A grosso modo, a maioria dos países europeus viram os casos explodirem em março, adotaram lockdowns em abril, voltaram ao patamar pré-pandemia em maio/junho, relaxaram distanciamento social ao longo do verão, viram os casos explodirem em outubro, adotaram lockdowns em outubro/novembro e agora esperam conter a pandemia até o Natal.
Para os especialistas da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), a principal lição da segunda onda de casos de COVID-19 na Europa é mais do que óbvia.
"Não devemos baixar a guarda", afirmou à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) o diretor do departamento de doenças transmissíveis da entidade, Marcos Espinal.
Há uma novidade no horizonte: os países começam a se preparar para a vacinação em massa, pelo menos das pessoas mais vulneráveis (idosos) e expostas (profissionais de saúde).
Mas autoridades e especialistas temem que o otimismo e o cansaço de tanto isolamento deem lugar ao descaso, e que novas ondas de COVID-19 cheguem antes que grande parte da população esteja vacinada. E com isso, mais medidas drásticas.
Questionado sobre a possibilidade de um terceiro lockdown no Reino Unido, o ministro britânico Dominic Raab afirmou à BBC que isso não pode ser descartado e que o governo "está fazendo todo o possível para evitar isso".
Uma fase crucial desse controle inclui o Natal, o recesso escolar e as festas de fim de ano.
Na Itália, que está registrando o maior número de mortes desde o final de março, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, disse aos italianos para esperarem um "Natal mais sóbrio, sem festas natalinas, abraços e beijos".
O governo espanhol está planejando um período festivo "diferente", com um limite de seis pessoas permitidas nas festas, diz a mídia local. O objetivo é que as reuniões sociais e confraternizações antes do Natal sejam realizadas em terraços de restaurantes ou outros locais ao ar livre.
Na França, lojas, teatros e cinemas reabrirão a tempo do Natal e as pessoas poderão visitar as suas famílias no período festivo. "Poderemos viajar sem autorização, inclusive de uma região para outra do país", disse o presidente Emmanuel Macron em um discurso na TV.
Muitos europeus vão para as pistas de esqui no Natal, mas o continente está dividido quanto à possibilidade de manter os resorts abertos durante o período festivo. Um acordo entre países para fechar os resorts deve enfrentar forte oposição da Áustria e da Suíça, que dependem bastante desse segmento turístico.
E o Brasil?
Para além do debate da existência de uma segunda onda no Brasil, ou de uma primeira onda que nunca acabou e "apenas" voltou a ganhar força, o fato é que o número de infecções no país tem crescido após três meses de queda.
A média diária de novos casos chegou a 35,4 mil no último dia de novembro, o maior patamar desde o início de setembro.
O número de mortes deve demorar ainda algumas semanas para voltar a crescer, mas o de internações já dá sinais de aumento.
Segundo relatório periódico produzido desde o início da pandemia pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de Estados com pelo menos uma região com tendência de alta nas hospitalizações por COVID-19 passou de 15 para 21 no espaço de uma semana.
Após dias de altas consecutivas, a cidade do Rio de Janeiro chegou no dia 27/11 ao patamar de 92% de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no SUS destinados a pacientes com COVID-19. Na enfermaria, a ocupação é de 69%.
Naquele dia, 301 pessoas aguardavam transferência para leitos na capital do Estado e na Baixada Fluminense, sendo 120 para leitos de UTI. "Importante destacar que as pessoas que aguardam leito de UTI estão sendo assistidas em leitos de unidades pré-hospitalares, com monitores e respiradores", afirmou a prefeitura.
Prefeitos e governadores ao redor do país têm negado a possibilidade de adotarem lockdowns.
"Não há espaço para discurso alarmista de que teremos novo lockdown nem de que a pandemia acabou", disse o prefeito reeleito paulistano, Bruno Covas (PSDB), em entrevista ao canal GloboNews. Segundo ele, "é inviável realizar um lockdown".
Eduardo Paes (DEM), prefeito eleito do Rio de Janeiro, adota postura semelhante.
"A princípio, descarto o lockdown. É preciso que tenhamos medidas do ponto de vista terapêutico. Não é possível que a população fique doente e não tenha um leito de hospital. O grande desafio é colocar a rede de saúde do município para funcionar. E claro, medidas como distanciamento social, uso de máscaras, e tentar conversar com as pessoas. Não adianta mandar as pessoas fazerem algo que elas não vão fazer. O lockdown me parece uma medida extrema e desnecessária", disse em entrevista à mesma emissora.
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