O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (17/12) que União, Estados e municípios podem adotar medidas para obrigar a população a se vacinar contra o coronavírus.
Para a ampla maioria dos ministros, o poder público não pode forçar fisicamente as pessoas a se imunizar, mas os governos poderão adotar sanções indiretas, como proibir os não vacinados de frequentar certos lugares ou exercer determinadas atividades.
Eles ressaltaram que a vacinação generalizada da população é necessária para reduzir a circulação do coronavírus, salvando vidas. Já são mais de 180 mil mortos pela covid-19 no Brasil.
"Quando legitimamente justificada por uma necessidade de saúde pública, a obrigatoriedade da vacinação sobrepõe-se à objeção do indivíduo", ressaltou Rosa Weber.
"Vacinar-se é um ato solidário", reforçou Marco Aurélio.
A decisão representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro, que vinha defendendo que a vacina fosse facultativa e que apenas a União poderia fixar a obrigatoriedade.
Votaram pela ampla obrigatoriedade dez ministros. Apenas Nunes Marques mais novo integrante da Corte, indicado por Bolsonaro defendeu que a obrigatoriedade só deveria ser adotada como "último recurso", na hipótese de que uma campanha de vacinação voluntária não conseguisse atingir uma proporção relevante da sociedade que garantisse a "imunidade de rebanho" (situação em que a circulação do vírus para ou se reduz porque uma grande número de pessoas está imunizada).
"Se, por exemplo, uma alta porcentagem das pessoas resolverem voluntariamente se vacinar, se e quando houver a vacina, pode ser desnecessária a vacinação obrigatória. Essa deve ser medida extrema apenas para situação grave e cientificamente justificada e esgotadas todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária", defendeu.
Em posição diferente da maioria do Supremo, Marques também considerou que a obrigatoriedade só poderia ser imposta a vacinas de tecnologia antiga. Na sua visão, vacinas de tecnologia inédita (como a que usa o RNA-mensageiro) não podem ser impostas porque sua segurança a longo prazo não foi testada ainda. Além disso, o ministro divergiu dos seus colegas ao defender que Estados só poderiam adotar sanções contra pessoas que não se vacinarem após consulta ao Ministério da Saúde.
No mesmo julgamento, os ministros decidiram por unanimidade que pais são obrigados a vacinar os filhos, no caso de vacinas incluídas no plano nacional de imunização, ou previstas em lei, ou consideradas essenciais por União, Estado ou município, com base em consenso científico. Nesse caso, houve decisão unânime.
'Vacina obrigatória não significa vacinação forçada'
Os ministros que votaram pela ampla obrigatoriedade ressaltaram que ninguém será forçado sob violência física a se vacinar.
"Há uma certa confusão na cultura popular entre obrigatoriedade e compulsoriedade. Ninguém vai arrastar ninguém pelos cabelos pra tomar uma vacina. Isso seria uma coisa compulsória", destacou o presidente do STF, Luiz Fux.
Alexandre de Moraes, por sua vez, lembrou as "quase 200 mil mortes" causadas pela covid-19 no país, argumentando que a discussão do tema não permite "hiprocrisia demagogia, ideologias, obscurantismos, disputas político-eleitoreiras e, principalmente, não permite ignorância".
"É possível que no âmbito municipal se estabeleça que a entrada em shopping centers e restaurantes deve ser mediante a apresentação de carteira de vacinação. Nós estamos combatendo uma pandemia, uma pandemia que mata pessoas e, infelizmente, que depois de uma queda (nas mortes diárias), dias atrás já voltou a 900 brasileiros e brasileiras mortos em um único dia", disse Moraes.
A decisão do STF foi tomada em duas ações diretas de inconstitucionalidade que discutiam se obrigatoriedade da vacina seria constitucional e se, além da União, Estados e municípios poderiam impor a obrigatoriedade.
Essa discussão ganhou peso porque Bolsonaro tem se colocado contra a obrigatoriedade, enquanto alguns governadores, como o de São Paulo, João Dória, a defendem.
Ministros estabelecem condições para a obrigatoriedade
No julgamento sobre a vacinação contra covid-19, a maioria dos ministros aderiu ao voto de Lewandowski, relator das duas ações que discutiram o tema.
Dessa forma, os ministros estabeleceram que certas condições devem ser cumpridas para que a vacina seja obrigatória. A primeira delas é que a obrigatoriedade seja implementada "com base em evidências científicas e análises estratégicas pertinentes". A segunda é que venha acompanhada "de ampla informação sobre eficácia, segurança, e contraindicações dos imunizantes".
Além disso, esse processo deverá respeitar "a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais das pessoas", assim como atender aos critérios de "razoabilidade e proporcionalidade". Por fim, o ministro estabeleceu que as vacinas obrigatórias deverão ser distribuídas "universal e gratuitamente".
"Vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre consentimento do usuário, podendo contudo ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou dela decorrentes", disse o ministro em seu voto.
O ministro argumentou também que o direito à saúde previsto na Constituição inclui o direito à medicina preventiva. Por isso, afirmou, "não é uma opção do governo vacinar ou não vacinar, é uma obrigação do governo (vacinar a população)".
Pais são obrigados a vacinar os filhos
O STF também julgou uma ação em que o Ministério Público (MP) de São Paulo tentava obrigar os pais a vacinar seu filho de cinco anos. Como esse caso ganhou repercussão geral, a decisão da Corte a favor do pedido do MP valerá para todos os pais ou responsáveis legais de crianças no país.
Para os ministros, o direito à vida e à saúde das crianças está acima do direito dos pais de liberdade de crença e consciência no caso daqueles que têm convicções contra o uso de vacinas.
Caso os pais ou responsáveis se recusem a imunizar as crianças, poderão ter sua autoridade sobre os filhos (pátrio poder) suspensa temporariamente, para que haja a busca e apreensão das crianças para vacinação.
"Crianças não são propriedade dos pais. (...) Portanto, se a convicção filosófica dos pais colocar em risco o melhor interesse da criança, é esse último que deve prevalecer", argumentou Barroso, relator dessa ação.
Em seu voto, Barroso disse que a redução da incidência de doenças infecciosas devido à ampla vacinação adotada no país aumentou em aproximadamente trinta anos a expectativa de vida da população brasileira entre 1940 e 1998.
"As vacinas salvam a vida. A OMS (Organização Mundial de Saúde) determinou em 2019 que a hesitação em se vacinar foi considerada uma das dez maiores ameaças à saúde do planeta", acrescentou.
Lewandowski autoriza Estados a importar vacina sem registro na Anvisa
Enquanto o julgamento transcorria, o ministro Ricardo Lewandowski também tomou uma decisão individual (liminar) em outras duas ações autorizando Estados e municípios a importar vacinas ainda não registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que elas já tenham obtido ao menos um registro nas agências de Japão, EUA, Europa ou China.
O ministro determinou que isso poderá ser feito "no caso de descumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, recentemente tornado público pela União, ou na hipótese de que este não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença".
A possibilidade de importação de vacinas sem registro na Anvisa, mas autorizadas no exterior, já era prevista na lei 13.979 de 2020. A decisão liminar reforça a validade da lei. O pedido foi feito em ações propostas pelo governo do Maranhão e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
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