Jornal Estado de Minas

A árvore de Natal plantada há 37 anos que atravessa 4 andares de casa de família em São Paulo

Quando tinha 17 anos, Adão saiu para colher frutas no mato perto do sítio do pai, no norte de Minas Gerais. "Aí eu achei uma plantinha numa lasca de madeira. Segurei ela no colo."

 

Levou a muda para a casa e mostrou para o pai, que a reconheceu: era uma gameleira, ou figueira. Juntos, plantaram a plantinha no sítio.



 

Isso foi em 1963. Hoje, a árvore de 56 anos é "enorme, linda, maravilhosa", conta Adão Francisco Borges, de 73 anos. Essa foi a primeira árvore que plantou.

 

Mas foi a segunda árvore plantada por Adão que mobilizou toda a família, fez com que ele modificasse sua casa e acabou lhe trazendo a fama no bairro onde mora, o Jardim Ipanema, na zona leste de São Paulo.

É um pinheiro, árvore símbolo do Natal. Adão a plantou em 1983.

 

Hoje, ele calcula que a árvore tenha entre 15 a 18 metros de altura, atravessando quatro andares da sua casa por meio de buracos que ele fez em cada laje.

 

No primeiro andar, a árvore passa pela área de serviço. No segundo, passa ao lado da churrasqueira. No terceiro, na lavanderia da casa de um dos filhos. O quarto andar é a laje de cima, aberta, da casa de Adão, onde sua esposa de vez em quando toma sol e onde a família passa a virada do Natal e do Ano Novo. Ali está a copa da árvore, vista da rua por quem passa por ali.



 

"Eu tenho muito, muito orgulho dela. Essa árvore é como um filho pra mim. Não quero que ninguém mexa com ela", diz Adão Francisco Borges, hoje com 73 anos, pai de outros seis filhos, além da árvore, e dono de um bar na zona leste - o Bar do Adão.

O auge sempre foi o Natal.


Adão diz amar decorar o pinheirinho para o Natal (foto: Arquivo pessoal)

"Eu gosto de enfeitar árvore. Toda a vida, desde quando eu morava no interior, a gente fazia festa. Sempre enfeitava o pinheiro e vinha toda a sobrinhada, os parentes, passar a noite de Natal aqui", diz Adão. A família toda se reunia na laje de cima, onde está a copa da árvore, para ver os fogos na virada e se abraçar.

 

Acredita-se que tenha sido a Alemanha a primeira a adotar uma árvore como símbolo do Natal, no século 16, embora teorias atribuam a origem da tradição a festivais de inverno pagãos e cristãos. A adoção da tradição da árvore decorada se popularizou pelo mundo, no entanto, depois que a família Real britânica, com o príncipe Albert e a rainha Vitória, foi ilustrada ao lado de uma árvore decorada de Natal em 1846.



 

Os pinheiros ou os abetos, dois conjuntos de espécies de árvores, foram tradicionalmente usados porque são perenes e, em países com inverno rigoroso, isso significa uma árvore com muitas folhas e um verde brilhante mesmo durante o inverno, quando a maioria das outras árvores ficam totalmente sem folhas. São nativos, em sua maioria, do hemisfério Norte.

Árvore descartada

Adão deixou a "roça" onde morava, em Varzelândia (570 km de Belo Horizonte), e se mudou para São Paulo quando tinha 21 anos, em 1967. Trabalhou durante 25 anos nos restaurantes do Clube ADPM (Associação Desportiva da Polícia Militar), na zona leste. Começou como garçom e acabou se tornando gerente dos restaurantes.

 

Foi ali que recebeu o pinheiro de presente. Em janeiro de 1983, quando ia descartar a pequena árvore que havia comprado para o Natal, a filha do dono do restaurante onde Adão trabalhava perguntou se ele não queria a planta.



 

Adão aceitou. Levou a árvore para casa e a plantou nos fundos. Alguns anos depois, decidiu construir outra casa ali. Construiu a casa ao redor da árvore, com um buraco para que ela crescesse dentro da lavanderia. E ela foi crescendo.

 

"Então construí uma laje para cobrir a lavanderia e deixei um buraco para a árvore. Quando vi que ela estava crescendo, interessei em deixar a árvore e construir outra laje em cima, com mais um buraco para ela. Ali fiz uma área de lazer, com um forno a lenha e uma churrasqueira."

 

A árvore, diz ele, foi crescendo ainda mais. "Quando ela estava bem alta, meu filho fez a casa em cima da minha. Construímos mais uma laje com um buraco para a árvore. E ela passou a casa dele e foi embora."

Hoje, a árvore está a mais de cinco metros para cima da casa do filho. Passa três lajes da casa e fica mais cinco metros para cima.



'Pinheiro do Adão'

No bairro, a árvore é conhecida como "o Pinheiro do Adão". É também um ponto de referência, conta sua filha caçula, a ilustradora e quadrinista Caroline Borges, de 26 anos.

 

"Quando perguntam 'onde fica a casa do Adão?', a resposta é 'ali onde tá o pinheiro'", diz ela. "No Natal, é uma sensação na rua, principalmente com as crianças."

 

E o pai, diz ela, quer mostrar a árvore para todo mundo. "Qualquer pessoa que vai lá em casa, o moço que vai entregar o gás, por exemplo, ele chama para entrar e mostra a árvore do começo até o final, no último andar."



 

De fato, durante a entrevista, concedida por telefone, Adão convida diversas vezes para um "tour" para ver a árvore dentro de sua casa.


Quando tinha 17 anos, Adão plantou uma muda de figueira, que hoje é uma enorme árvore no norte de Minas (foto: Arquivo pessoal)

"A primeira pessoa que eu mostro quando alguém vem aqui na minha casa é a árvore", diz ele, sem se dar conta de que chamou a árvore de "pessoa". Ela tem nome? "É só 'pinheirinho'. Chamo ela de pinheirinho."

 

Há cerca de dez anos, Adão fez chaveiros com a foto da árvore para distribuir no bar. Ali, ele diz que também mostra a foto da árvore para todos os clientes. "É um lazer ter ela. Tenho muito prazer. E, com a falta de árvores no mundo, ter uma árvore plantada dentro de casa é muito bom."

 

Seu amor pela árvore é tanto que algumas vezes - e notoriamente na família - colocou ela (só um pouquinho) à frente dos filhos.


Adão deixou a "roça" em Minas, aos 21 anos, e foi viver em São Paulo (foto: Arquivo pessoal)

Temporal

"Às vezes me dava muita raiva porque parecia que meu pai ligava mais para o pinheiro do que para mim. Como eu sou a caçula, sempre fui muito mimada, e dividir a atenção com uma árvore era engraçado", diz Caroline.



 

São muitas histórias, que foram narradas pela filha no Twitter e viralizaram.

 

Trovoadas, raios e a mesa do quintal do vizinho voando assustaram a família inteira em um dos piores temporais de que Caroline se lembra. Ela era adolescente. O pai ligou desesperado.

"Fia?? Oi fia, como é que tá?", perguntou.

 

"Oi pai, tá horrível, estou morrendo de medo mas estamos bem", ela respondeu ao pai preocupado.

 

"Quê? Alô? Fia, o pinheiro… Como é que tá?"

 

"Pai, tu me ligou para falar do PINHEIRO?"

 

"Como ele tá?"

 

Em outra ocasião, era quase Natal quando Caroline ficou doente. Adão a levou para o médico. Depois, foi trabalhar no bar e, à noite, ligou em casa. "E aí, como é que tá?" A filha, "pobre iludida", achou que era preocupação com ela. É claro que… não. A preocupação era com o pinheirinho. Adão: "Não, o pinheiro, como que tá, as luzes tão funcionando?", perguntou.


Caroline, quando pequena, ao lado do pinheiro, pelo qual hoje tem carinho (foto: Arquivo pessoal)

Ele confirma as histórias rindo alto ao telefone. Do seu lado, a esposa, Sofia, ri também. Viraram anedotas da família.

 

O pinheirinho é 11 anos mais velho que Carolina, e tem quase a mesma idade que o quinto filho de Adão. A relação entre a caçula e a árvore melhorou quando Caroline começou a ir para a escola e se deu conta que ter um pinheiro plantado dentro de casa - atravessando quatro andares - não era algo muito comum. Era especial.



 

Ela diz rir da situação - "como que meu pai teve a ideia de plantar um pinheiro no Brasil, na zona leste, um lugar onde não se vê muitos pinheiros?" -, mas também diz se orgulhar dele. "É legal saber que na minha casa tem uma coisa tão especial e significativa para a minha família."


Apesar do pinheiro verdadeiro plantado dentro de casa, Sofia decora árvore de Natal artificial dentro de casa (foto: Arquivo pessoal)

Natal

Caroline conta como o pinheirinho decorado "sempre deu muito mais clima de Natal" e que, apesar da gigante árvore de verdade passando dentro de casa, a mãe dela sempre montou uma árvore artificial no térreo.


Hoje em dia, para decorar pinheiro, Adão diz que precisaria de um andaime (foto: Arquivo pessoal)

Mas nos últimos anos, pela altura que a árvore atingiu, Adão tem medo de raios, então não tem mais decorado o pinheirinho.

 

Além disso, diz ele, é preciso centenas de luzes, uma boa cobertura para a árvore, ao menos duas pessoas e até um andaime para conseguir decorar a árvore. E, de qualquer forma, por causa da pandemia, não haverá uma grande reunião em família no Natal deste ano.

 

O pinheiro, contudo, continuará lá. E por tempo indeterminado, diz Adão. "Ele só vai crescendo, é muito forte. Vou deixar o pinheirinho aqui até onde e quando der para ele ficar."


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