Dentro de dois meses, o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, poderá se tornar réu por conta da forma como conduziu o ministério na pandemia de covid-19.
Nesta segunda-feira (25/01), o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski aceitou um pedido formulado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinou a abertura de um inquérito para investigar se a conduta do ministro contribuiu para aumentar o número de mortos pelo novo coronavírus em Manaus (AM).
Em janeiro, a falta de oxigênio hospitalar provocou uma crise de saúde e a morte de dezenas de pacientes no Estado.
O prazo inicial do inquérito é de 60 dias, que pode ou não ser renovado. Ao fim, cabe ao chefe do Ministério Público, o Procurador-Geral da República Augusto Aras, decidir se apresenta uma denúncia formal contra Pazuello, se manda arquivar a investigação, ou se pede mais apurações sobre o tema.
O inquérito recebeu o número 4.862 no Supremo Tribunal Federal, e tramita sob sigilo. A página do inquérito permite apenas que se vejam os principais andamentos do processo.
A decisão de Ricardo Lewandowski determinando a instauração do inquérito dá à PF 60 dias para a conclusão do inquérito.
A seguir, a reportagem da BBC News Brasil responde a quatro das principais perguntas sobre o inquérito contra o ministro da Saúde.
Qual a origem da investigação?
O inquérito teve origem numa representação contra Pazuello formulada pelo partido Cidadania, antigo Partido Popular Socialista (PPS). A representação é do dia 15 de janeiro. Pouco depois, no sábado (23/01), o procurador-geral da República Augusto Aras apresentou o pedido de abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal.
Na semana passada, o PC do B também formulou uma notícia-crime contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, e Eduardo Pazuello.
A própria chefia do Ministério Público também conduziu apurações preliminares sobre o assunto: no domingo anterior (17/01), a PGR instaurou uma notícia de fato para cobrar informações do ministério sobre o caos na saúde em Manaus.
O Ministério da Saúde então entregou à PGR um ofício, acompanhado por cerca de 200 documentos, sobre os fatos na capital amazonense.
Segundo a PGR, as informações enviadas por Pazuello dão indícios de que o ministro sabia com antecedência da possibilidade de colapso do sistema de saúde em Manaus, e mesmo assim não agiu para evitar o agravamento da situação.
A representação do Cidadania, segundo o documento da PGR, sustenta que "nenhuma medida preventiva foi adotada pelo Ministério da Saúde, permanecendo a pasta (...) inerte".
"Do referido documento, extraem-se importantes informações que demonstram a necessidade de instauração de inquérito perante esta Suprema Corte, a fim de aprofundamento nas investigações sobre os gravíssimos fatos imputados ao representado", diz um trecho do pedido de abertura de inquérito.
Quem decide os próximos passos do inquérito?
O inquérito é uma investigação presidida por um delegado de polícia — neste caso, um delegado da Polícia Federal. É ele quem conduz a investigação, com acompanhamento do Poder Judiciário, representado pelo ministro Ricardo Lewandowski, relator do tema no Supremo.
"A investigação é da polícia. O Judiciário só acompanha para saber se aquilo que foi determinado está sendo cumprido. Mas a condução (da investigação) fica a cabo da autoridade policial federal", diz à BBC News Brasil o advogado criminalista Fernando Castelo Branco.
"Se houver necessidade de um mandato de busca e apreensão, ou de fazer um bloqueio de bens, ou uma interceptação telefônica, a decisão sobre isso fica a cargo do relator, o ministro Lewandowski", diz Castelo Branco, que é professor de processo penal na Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O primeiro ato do inquérito será o depoimento do próprio Pazuello, a ser colhido dentro de cinco dias.
O ministro, porém, terá o direito de escolher a hora e o local do depoimento.
Lewandowski foi escolhido pela vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, para relatar o caso, pelo fato de já estar relatando outras investigações relacionadas à pandemia no âmbito da Corte.
Qual a acusação contra Pazuello?
Ainda não existe uma acusação formal de crime contra o ministro: isso só acontecerá caso Augusto Aras decida denunciar formalmente o general ao Supremo Tribunal Federal.
O inquérito, no entanto, foi aberto para apurar possíveis ilegalidades cometidas pelo chefe do Ministério da Saúde na condução da pandemia, especialmente em relação à cidade de Manaus (AM). Nas primeiras semanas de 2021, até 30 pessoas podem ter morrido na cidade em decorrência da falta de oxigênio hospitalar, um insumo que é usado para tratar pacientes graves da covid-19.
Segundo o pedido da PGR, Pazuello teria sido alertado de antemão sobre o agravamento da crise em Manaus — e não teria tomado as medidas adequadas para evitar o agravamento do problema.
"De início, infere-se que apesar de ter sido observado o aumento do número de casos de covid-19 já na semana do Natal, o Ministro da Saúde optou por enviar representantes da pasta a Manaus apenas em 3/1/2021, uma semana depois de ter tomado conhecimento da situação calamitosa em que se encontrava aquela capital", diz um trecho do pedido da PGR.
O pedido também mostra que o Ministério da Saúde foi avisado sobre a possibilidade de falta de oxigênio hospitalar em Manaus no dia 8 de janeiro, pelo gerente local da White Martins, Petrônio Bastos. A empresa é a maior fornecedora do insumo no país.
Em vez de providenciar o envio de mais cilindros de oxigênio para a capital amazonense, representantes do Ministério da Saúde se limitaram a visitar as instalações da empresa em Manaus, diz o pedido da PGR.
Quais crimes podem ser imputados ao ministro?
Segundo a advogada criminalista Fernanda de Almeida Carneiro, do escritório Castelo Branco Advogados, Pazuello pode ser responsabilizado de duas formas: pelo crime de prevaricação; e por improbidade administrativa.
O pedido da PGR também menciona estas duas possibilidades — de toda forma, o ministro só será acusado formalmente se o PGR Augusto Aras decidir oferecer uma denúncia contra ele ao fim do inquérito.
"Em tese, a investigação poderia resultar na imputação do crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, com pena de até um ano de detenção. Na prática, acho muito improvável, já que o crime tipifica a conduta do funcionário público que deixa de praticar ato de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, o que entendo não ser o caso", opina ela.
"Além disso, a omissão do Ministro da Saúde poderia, em tese, também caracterizar improbidade administrativa. As penas, que podem chegar até a suspensão dos direitos políticos, é aplicada àquele que retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício", disse ela à BBC News Brasil.
"De toda forma, a instauração do inquérito tem efeito muito mais político do que prático", avalia a advogada.
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