"Sou praticamente uma profissional da preocupação", admite Kate Sweeny, com pesar. Ela lutou durante grande parte da vida contra a ansiedade em relação a coisas que não é capaz de controlar inteiramente — incluindo, atualmente, se seus pais estão seguindo as diretrizes de distanciamento social durante a pandemia de covid-19.
Uma dose baixa constante de preocupação afeta muita gente, mas a diferença no caso de Sweeny é que isso motivou, em parte, suas escolhas profissionais.
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Como psicóloga de saúde na Universidade da Califórnia em Riverside, nos EUA, ela se especializou em compreender as preocupações e o estresse.
"Nem todo mundo usa sua própria vida como fomento para pesquisas", diverte-se.
Mas o fato é que Sweeny encontrou inspiração em suas próprias experiências.
Uma de suas descobertas surpreendentes foi que se preocupar pode ser benéfico em uma série de situações, desde esperar pelo resultado de um exame até proteger sua saúde.
Diferentes tipos de preocupação
A preocupação foi definida em termos negativos e neutros.
Psicólogos que estudam as mudanças climáticas as descreveram como um estado emocional que frequentemente motiva respostas comportamentais com o objetivo de reduzir uma ameaça.
O que separa a preocupação da apreensão geral é sua natureza emocional e o fato de que ela prepara as pessoas para a mudança.
No entanto, psicólogos também definiram a preocupação como experiências emocionais envolvendo pensamentos desagradáveis e persistentes sobre o futuro. Inegavelmente, a preocupação causa muitos danos.
Alguns pesquisadores argumentam que existe um "reservatório finito de preocupação", portanto, a ansiedade em relação a determinado assunto pode inibir a preocupação com outros.
Níveis extremos de preocupação estão associados a uma saúde mental e física pior, por motivos que vão desde interrupções no sono até evitar exames para diagnóstico de câncer.
A preocupação extrema, abstrata e automática — que é frequente e difícil de controlar — está associada ao transtorno de ansiedade generalizada.
"A preocupação que se torna generalizada para muitas questões diferentes tem mais probabilidade de ser inútil e problemática do que a preocupação focada em uma questão específica", diz Edward Watkins, psicólogo clínico e pesquisador de transtornos de humor da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Mas em um nível mais moderado e localizado, a preocupação pode ser útil. Nos Estados australianos propensos a incêndios florestais, por exemplo, pesquisadores descobriram que a preocupação construtiva está associada à prevenção (e prontidão) para incêndios florestais.
Ela tem sido correlacionada ainda a um melhor desempenho acadêmico e a mais tentativas de parar de fumar. E um estudo mostrou que a preocupação com as mudanças climáticas foi o único indicador mais forte de apoio às políticas climáticas (sugerindo que pode ser mais eficaz para os ambientalistas apelarem para as preocupações do público, em vez de seus medos).
Como a preocupação é focada no futuro, em comparação com a ruminação sobre o passado, há um grande potencial para que ela seja adaptativa.
Watkins descreve três mecanismos para isso.
"Em primeiro lugar, ao nos preocuparmos com algo, é mais provável que pensemos em razões para agir e sejamos motivados a fazer algo. Em segundo lugar, a preocupação atua como um lembrete para fazer as coisas — na verdade, a incerteza não resolvida ou preocupação continua a vir à mente como um processo mental para garantir que vamos tentar enfrentá-la... Terceiro, a preocupação pode envolver preparação, planejamento e resolução de problemas eficazes."
Assim como acontece na associação entre estresse e performance, Watkins diz que parece haver uma relação em forma de U invertido entre a preocupação e a utilidade: em pouca quantidade, você não fica motivado o suficiente; em excesso, você fica paralisado.
Isso fica claro pela variedade de emoções que surgem quando nos preocupamos profundamente com a crise climática, por exemplo. O burnout provocado pelas questões climáticas pode inibir a ação, e a ansiedade climática pode levar ao entorpecimento psíquico.
Mas compreender, restringir e redirecionar isso também pode encorajar mudanças.
Sweeny ressalta que, como qualquer emoção, a preocupação tem uma função.
"É um sinal. Está essencialmente apontando para algo que pode estar chegando e está chamando nossa atenção para lá. Está nos motivando para idealmente evitar que algo ruim aconteça ou pelo menos nos preparar para isso."
As primeiras pesquisas sobre a pandemia de covid-19 parecem confirmar isso. Um estudo sobre percepções de risco da doença em 10 países coloca a preocupação como o componente emocional da percepção de risco.
O levantamento avaliou a percepção de risco por meio de um índice de medidas, incluindo pedir aos participantes para classificar seu nível de preocupação em relação ao coronavírus.
Como era de se esperar, as pessoas percebiam um risco maior se tivessem experiência direta com o vírus. Mas também tinham percepções de risco mais altas se tivessem uma visão mais pró-social — isto é, a crença na importância da ação altruísta.
E as percepções maiores de risco foram significativamente correlacionadas a comportamentos preventivos de saúde, incluindo lavar as mãos, usar máscara e observar o distanciamento social.
Os passos para se preocupar 'melhor'
Parte do que torna a pandemia de covid-19 tão desgastante emocionalmente é sua incerteza.
A preocupação construtiva é mais fácil quando lidamos com um período de tempo específico. Por exemplo, a eleição presidencial dos EUA em 2016 fomentou as preocupações políticas de Sweeny.
Dois anos depois, de olho nas eleições legislativas, ela canalizou esses temores escrevendo mais de 500 cartões incentivando as pessoas a votar.
Sua pesquisa sobre a manutenção do bem-estar sugere que, ao esperar por um resultado potencialmente negativo, ela poderia mitigar os piores efeitos da preocupação se focasse em permanecer positiva durante o período de campanha e, então, no dia da eleição, se preparando para o pior. Até a hora da verdade, ela foi capaz de "arrumar uma ocupação para a preocupação", como ela diz.
Claro, muitas pessoas podem estar preocupadas por um bom motivo em relação a forças que não são capazes de controlar. Mas, nessas situações, compreender que a preocupação não tem uma função a cumprir pode ajudar a neutralizá-la.
Sweeny descreve um processo de três etapas para canalizar a preocupação e redirecioná-la, se for necessário:
1) Identifique a preocupação.
2) Faça um checklist mental das ações possíveis para lidar com o problema.
3) Se todas as ações possíveis foram realizadas, tente entrar em um dos estados que reduzem a preocupação, como flow e mindfulness (atenção plena).
Sweeny diz que o flow é especialmente útil para lidar com as tensões da covid-19. Trata-se de um estado mental de absorção em que a pessoa está imersa em uma atividade, com desafio moderado, e pode medir seu progresso.
Na pesquisa preliminar de Sweeny e seus colegas sobre o bem-estar mental do povo chinês que ainda não havia sido colocado em quarentena, o flow foi associado à redução da solidão e a mais comportamentos em prol da saúde.
Embora a atenção plena seja associada a inúmeros benefícios (talvez até demais) para o bem-estar, no estudo chinês ela foi, na verdade, relacionada a mais solidão e menos atividades saudáveis.
Sweeny acredita que isso se deve ao fato de que o flow oferece uma "distração primorosa", permitindo que o tempo voe, enquanto a atenção plena força a atenção para a incerteza contínua.
Uma conclusão pode ser que a atenção plena é mais útil em situações difíceis, mas de curta duração, enquanto entrar em estados de flow é mais adequado quando não há luz no fim do túnel.
O flow é uma questão individual. A jardinagem deixa Sweeny com frio, mas ela passou 500 dias direto em seu aplicativo de aprendizagem de idiomas, e ela se pega até mesmo mergulhando na análise de dados que tanto gosta quando quer atingir um estado de flow.
Esses, assim como jogos mais desafiadores, são exemplos de atividades intrinsecamente gratificantes com progresso mensurável que ajudam as pessoas a entrar em um estado de flow.
"A literatura existente diria que a preocupação moderada com o coronavírus aliada ao entendimento e a crença de que o distanciamento social funciona levaria a uma maior adesão às regras. Em contrapartida, a preocupação excessiva ou a preocupação com uma série de questões podem tornar mais difícil uma ação eficaz", afirma Watkins, que atualizou sua lista de dicas para aumentar o bem-estar durante a pandemia e está avaliando um aplicativo de bem-estar para jovens europeus.
A consequência disso é que alguém preocupado em retornar ao local de trabalho, por exemplo, deve planejar com detalhes concretos como pode reduzir o risco ao longo do trajeto e manter o distanciamento social, em vez de se estressar com o que pode dar errado.
"A primeira (atitude) vai ajudar a pessoa a se preparar, planejar e se sentir mais no controle, enquanto a última levaria a medos mais catastróficos, a imaginar o pior e aumentar a ansiedade", explica Watkins.
Entre as recomendações da lista de dicas de Watkins e de pesquisas de outros psicólogos está a importância de manter algum tipo de rotina, checar como estão familiares, amigos e a comunidade à sua volta e encontrar maneiras de transformar a apreensão em preocupação empática pelos outros.
Enquanto Sweeny imagina como será o fim do lockdown, ela está buscando ter um otimismo cauteloso na maior parte do tempo. Mas encontra tempo para refletir uma vez por semana ou mais sobre se há ameaças ou riscos com os quais ela deveria se preocupar mais.
Quanto a mim, estou tentando aplicar essas lições da psicologia — e encontrei inspiração no meu filme de terror favorito, O Babadook. O monstro desse filme é uma personificação física assustadora da dor.
Diferentemente da maioria dos filmes de terror, a protagonista percebe que seria impossível e inútil destruir o Babadook, uma vez que sua presença permite que ela chore e se lembre. Mas também não é saudável dar carta branca a ele.
No fim das contas, ela alcança um equilíbrio ligeiramente desconfortável com essa criatura.
Alcançar um equilíbrio com a preocupação pode ser uma meta útil para muitos de nós, embora sempre possa parecer um pouco desconfortável.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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