Uma declaração do médico veterinário e secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, contra o lockdown ganhou destaque nesta semana e causou perplexidade.
O ministro do governo de Jair Bolsonaro chamou as pessoas que defendem o lockdown contra o coronavírus de "tolas" e disse que essas medidas se provaram "ineficientes" porque, mesmo com as pessoas confinadas em casa, o vírus continua circulando entre animais, como passarinhos, cães ou até mesmo pulgas e formigas.
"Eu considero todos eles muito tolos. Por que? Porque não são inteligentes. Muitos ainda insistem numa ferramenta chamada lockdown, que já está provada em várias experiências no mundo que ela é ineficiente", disse Lorenzoni na quinta-feira (25/03) em entrevista para a rádio Jovem Pan.
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"E por que ela é ineficiente? Alguém consegue impedir nas áreas urbanas que o passarinho, o cão de rua, o gato, o rato, a pulga, a formiga, o inseto se locomova? Alguém consegue fazer o lockdown dos insetos? É óbvio que não. E todos eles transportam o vírus. Não são contaminados pelo vírus, mas podem transportar o vírus. Podem. É uma possibilidade."
Lorenzoni voltou a defender seu argumento no Twitter nesta sexta-feira (26/03): "Não é momento para piadinhas e sim de muita seriedade. A extrema imprensa usa a ciência quando lhe convém. Por que é recomendado uso de tapete sanitário em entradas de hospitais, mercados, farmácias, lojas?"
Ele postou um link para uma reportagem do site Galileu com o título "o que se sabe até agora sobre a infecção por covid-19 em animais". No entanto a reportagem é de abril de 2020, quando a pandemia estava no começo e ainda havia poucos estudos científicos sobre o assunto.
As declarações de Onyx Lorenzoni causaram perplexidade pois nenhuma autoridade sanitária até agora sequer levantou a possibilidade de animais serem um vetor importante na transmissão do coronavírus.
A crise sanitária provocada pela doença, com superlotação de hospitais e explosão no número de mortes, tem origem no contato direto entre pessoas, o que vem levando diferentes governos a adotar medidas de confinamento para reduzir esse contato.
Risco entre animais?
O próprio Ministério da Saúde do Brasil não lista animais como possíveis fontes de contaminação.
Segundo o site do governo federal, o coronavírus pode ser transmitido via "aperto de mãos, gotículas de saliva do nariz e/ou da boca, espirro, tosse, catarro e objetos ou superfícies contaminadas, como celulares, mesas, maçanetas, brinquedos, teclados de computador etc."
A Associação Mundial de Veterinária de Pequenos Animais (WSAVA, na sigla em inglês) citada na reportagem antiga postada por Lorenzoni não encara a transmissão de vírus de pessoas para animais como um risco importante. A via contrária de animais para humanos é considerada ainda mais remota.
"Em todo o mundo, menos de 200 casos comprovados de testes positivos em animais domésticos foram documentados", diz boletim da entidade do mês passado. Em contraste, o mundo inteiro já registrou mais de 125 milhões de casos de covid em humanos.
A entidade americana Centers for Disease Control and Prevention, que publica recomendações sobre o coronavírus, também classifica como "baixo" o risco de animais contaminarem pessoas seja por estarem infectados ou por supostamente terem o vírus nos seus pelos.
"Não há evidências de que os vírus, incluindo o vírus que causa covid-19, possa passar para pessoas pela pele ou pelo dos animais".
'Lockdown dos insetos'
Outra ideia levantada por Lorenzoni, de que "pulgas e formigas" possam transmitir o coronavírus, é ainda mais equivocada.
Em um artigo publicado no começo do mês, cientistas analisaram insetos como mosquitos que transmitem doenças virais, bactérias ou parasíticas para humanos para determinar se eles poderiam ser vetores de transmissão do coronavírus.
A conclusão, publicada no periódico Journal of Medical Entomology, é de que insetos não desempenham papel na disseminação do coronavírus.
A principal forma de contágio, segundo o Centers for Disease Control and Prevention, é através do contato direto entre pessoas. Muitas pessoas são portadoras do coronavírus e não desenvolvem os sintomas de covid-19, o que dificulta o combate à transmissão.
Diante disso, e com os programas de vacinação ainda em andamento, muitos governos como no Reino Unido, Alemanha, Itália, Israel e China optaram por decretar medidas de lockdown ao longo do último ano, restringindo a circulação de pessoas pelas ruas na tentativa de reduzir o número de casos, hospitalizações e mortes.
As declarações de Lorenzoni foram feitas em meio a uma briga entre esferas do poder público sobre a efetividade de se usar lockdowns para conter a pandemia. O governo federal é contra as restrições, enquanto alguns governadores e prefeitos defendem a medida.
O Brasil está vivendo uma aceleração da pandemia neste mês, com mais de 100 mil casos e 2 mil mortes registradas por dia em média.
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