A avaliação é de cientistas políticos e estudiosos das Forças Armadas ouvidos pela BBC News Brasil nesta tarde.
As mudanças ocorrem um dia após a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, substituído pelo general Walter Braga Netto, que estava até então na Casa Civil.
Hoje, a pasta anunciou que os comandantes Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa Junior (Marinha) e Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) deixaram o comando das instituições.
Nas últimas horas, a imprensa relatou que os três generais se reuniram após a demissão de Azevedo e decidiram abandonar os cargos em apoio ao colega.
Os generais estariam descontentes com supostas tentativas de Bolsonaro de interferir politicamente nas forças ao exigir um apoio maior dos generais ao governo e a suas frequentes ameaças de ruptura com a democracia.
Ao sair, Azevedo afirmou que, no período em que ficou na pasta, preservou "as Forças como instituições de Estado". A fala foi vista como uma crítica às tentativas de Bolsonaro de "politizar" os quartéis.
A saída tem sido vista como um ato de protesto pela demissão sumária de Azevedo. Essa é a primeira vez que os três comandantes das Forças Armadas deixam seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o presidente da República.
Para Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a saída dos comandantes não deve ser interpretada como um "desembarque" das Forças Armadas do governo Bolsonaro.
"Não é porque os três generais e o ministro Azevedo deixaram seus postos que os 6 mil militares, da ativa e da reserva, vão deixar seus cargos no governo, seus apartamentos funcionais e o salários que recebem", diz Cortinhas.
"Houve uma divergência em um ponto, mas o governo vai continuar extremamente militarizado e com o apoio das Forças Armadas que teve desde o início", afirma.
Estima-se que cerca de 6 mil militares tenham cargos em diferentes áreas do governo Bolsonaro, como cadeiras em ministérios e na chefia de empresas estatais.
Um dos exemplos mais conhecidos foi Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército, que por dez meses esteve à frente do Ministério da Saúde durante a pandemia de covid-19.
Sua gestão, considerada desastrosa, estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente e está sendo investigada por omissão durante a escassez de oxigênio hospitalar em Manaus, em janeiro deste ano.
Pazuello assumiu o cargo sob elogios por sua suposta competência em logística, mas, quando ele deixou a pasta, o Brasil já registrava mais de 270 mil mortes por covid-19 e a vacinação contra a doença caminhava a passos lentos.
Agora, com a mudança no comando das três forças militares, existe o receio que os novos comandantes possam embarcar na retórica de ruptura com a democracia que Bolsonaro tem utilizado nos últimos anos.
Recentemente, o agora ex-comandante Edson Pujol afirmou que o Exército não tem partido político nem participaria de movimentos de ruptura autoritária.
Nesta terça, o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, afirmou ao G1 que não há chance das Forças Armadas participarem de algum golpe.
"A troca nas Forças Armadas demonstra um distanciamento desses generais com o governo, mas não é uma crise. O apoio e participação dos militares continuam, eles escolheram fazer parte desse jogo, escolheram participar do governo e deram um aval a Bolsonaro. Vivemos um momento muito preocupante em relação à democracia", diz Cortinhas.
Para Augusto Teixeira Jr. cientista político da Universidade Federal da Paraíba, as Forças Armadas vivem um momento de contradição em relação ao governo.
"Ao mesmo tempo em que os generais dizem que as Forças Armadas são órgãos de Estado, e não do governo Bolsonaro, milhares de militares ocupam cargos nesse mesmo governo, inclusive em ministérios importantes. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, é um militar da reserva", diz Teixeira Jr.
"A saída dos generais gerou um terremoto nas Forças Armadas. Essa contradição se esgarçou, mas não acredito que haverá um desembarque do governo. Há um perigo evidente de politização dos quartéis, e essa é uma armadilha difícil de sair. O governo Bolsonaro um dia vai acabar, mas as Forças Armadas vão continuar", diz o cientista político.
O cientista político Lucas Pereira Rezende, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, concorda que uma saída dos militares do governo não deve ocorrer e também credita o momento conturbado à escolha das Forças Armadas em apoiar e participar da gestão bolsonarista.
"Esse tipo de crise acontece quando militares decidem entrar na política. Hoje, muitos militares ganham muito dinheiro com cargos comissionado. Eles não vão largar o governo", diz.
Para ele, tanto os três comandantes como o ex-ministro Fernando Azevedo e Silva deveriam ser transparentes ao explicar por que deixaram os cargos. "Se resta alguma honra à farda, os quatro deveriam contar à sociedade os motivos que os levaram a sair de seus cargos. O que de tão grave Bolsonaro pediu a ponto de eles decidirem sair? A sociedade precisa saber o que aconteceu."
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