Jornal Estado de Minas

'É mais importante sua vida que o comércio', diz prefeito que viralizou após pai e irmão morrerem de covid-19

Chorando, o prefeito de Mongaguá (no litoral de São Paulo), Márcio Melo Gomes, fez um desabafo que viralizou nas redes sociais na terça-feira (30/3). Na última semana, o pai dele e o irmão morrerem de covid-19.



 

"Como eu queria sair dessa live e poder ouvir do meu irmão e do meu pai: 'Eu quebrei. O meu comércio quebrou'. Porque nós já quebramos e com a vida nós conseguimos dar a volta por cima", afirmou no vídeo que já tinha sido visto mais de 660 mil vezes em apenas uma publicação no Twitter.

 

Em entrevista à BBC News Brasil, Gomes afirmou que o desabafo foi uma resposta a comentários "maldosos" que fizeram durante a transmissão ao vivo que ele fazia e espera que a mensagem seja importante para que outras pessoas não passem pelo mesmo que ele. O prefeito, que defende restrições mais rigorosas do comércio para evitar o contágio por covid-19, se disse atacado.

 

"A gente viu nos comentários (pessoas falando) 'está falando isso porque tem o salário garantido', 'está falando isso porque vamos quebrar de uma vez' (..) O que eu quis transmitir para aquela pessoa, não como uma resposta ofensiva, mas que, por ser comerciante, várias vezes a gente passou por dificuldade sem existir covid. A gente quebrou sem existir covid, mas, com a nossa saúde, a vida possibilitou a gente ter uma retomada. Você quebra, mas você se reergue", afirmou.



O desabafo do prefeito de Mongaguá para quem insiste em igualar o fechamento temporário de comércios com vidas perdidas pic.twitter.com/VYhqADrXdk

— Samuel Pancher (@SamPancher) March 31, 2021


O pai do prefeito morreu, depois de sete dias internado, na noite de segunda-feira (22). Ele deixou quatro filhas, a mais nova de 12 anos.

 

Já o irmão de Márcio Gomes morreu cinco dias depois, no sábado (27). Aos 33 anos, ele deixou uma filha de 4 meses e outra de 14 anos.

 

Nesse período, o prefeito conta que ainda tentou esconder a morte do pai porque o irmão estava internado numa UTI, mas tinha acesso ao celular. A intenção era evitar que ele recebesse a notícia por temer que isso o deixasse abalado psicologicamente.

 

O irmão do prefeito de Mongaguá tinha um restaurante. O pai tinha uma pousada e um açougue, onde Márcio Gomes começou a trabalhar com 9 anos, segundo ele.

 

O prefeito disse que a intenção dele ao responder comentários foi fazer um alerta para que as pessoas priorizem a vida em relação às questões financeiras e entendam as restrições mais rigorosas impostas na cidade como algo necessário para preservar vidas. Ele citou a superlotação nos hospitais e falta de estrutura para atender quem já está internado como mais um alerta.



 

"Eu trocava três vezes os cilindros de oxigênio dos hospitais e agora eu troco 49, com risco de acabar o fornecimento. Ontem me perguntaram qual seria o plano B se acabar o oxigênio. Eu queria ter um plano B. Medicamento para pessoas intubadas você não acha mais para comprar. Nosso estoque está no limite do limite e vai dando um desespero", afirmou.

Turistas e aglomeração

A Prefeitura de São Paulo e o governo paulista anteciparam diversos feriados para que algumas cidades, incluindo a capital, não tivessem dias úteis nesta semana. A intenção era evitar que as pessoas circulassem nas ruas e comércios para evitar a transmissão do vírus.

 

Mas muitos entenderam o feriado de uma semana como um período de lazer e viajaram para cidades turísticas e litorâneas, como Mongaguá. O prefeito disse que isso causou uma superlotação dos supermercados e padarias, além de pessoas insistindo em permanecer na praia mesmo com a proibição.



 

"Na praia, você ainda vê gato pingado que não deveria ir. Mercados superlotados. Eu preciso que o proprietário do mercado entenda que não tem como a prefeitura fiscalizar 24 horas. Se ele tem a oportunidade de ficar aberto, ele precisa nos ajudar e limitar o número de pessoas lá dentro, fazer entrega na casa das pessoas", afirmou.

 

Para o prefeito de Mongaguá, a antecipação de feriados na capital foi um equívoco.

 

"Eu acho isso (antecipar feriados) uma atitude muito irresponsável. Claro que as pessoas entendem como férias e não um ato para ficar em casa. O feriado veio para piorar. Se o cara sai daí para vir para cá você está aliviando a cidade de São Paulo e levando problema para outra cidade. Ou ele vai trazer o vírus para cá ou levar o vírus que está aqui", disse o prefeito à BBC.

 

Ele disse que medidas mais duras de restrição, como fechamento de mercados no fim de semana, foram impostas para inibir o deslocamento de turistas para a cidade. Ele disse que funcionou, pois menos pessoas viajaram para a cidade em relação a feriados convencionais.



 

"Todos os comerciantes pressionam, mas alguns perdem a linha. Eu respeito você pressionar. O cara está querendo sobreviver. Tem uns que chegam nesse limite e querem apoiar. Mas tem outros que são radicais e só querem criar o tumulto, a bagunça. O cara fala que vai quebrar, mas ele não paga imposto desde 2019 quando nem covid existia", afirmou.

 

Para o prefeito, o mais importante neste momento é que cada pessoa reflita o impacto que seus atos têm na vida de outras pessoas.

 

"É amor ao próximo, é respeito e entender o momento que estamos vivendo. É pensar que a pessoa está na casa dela (se preparando) para ir à praia, para ir à festa, para encher o mercado. Antes de sair da sua casa, lembre-se que tem pessoas exaustas trabalhando dentro de um pronto-socorro para cuidar da vida de todos. Pessoas morrendo por não conseguir respirar", afirmou.

 

Márcio Gomes disse que a intenção dele não é fazer com que as pessoas se coloquem no lugar dele, mas sim que elas o usem como exemplo das consequências do que pode ocorrer.

 

"Em vez de se colocar no meu lugar, tente pensar o que você pode fazer para não ser você a passar por essa dor. O que você pode fazer hoje? Ficar em casa, parar de circular, fazer seu máximo em 15 dias para a gente tentar quebrar o colapso no sistema de saúde", afirmou à BBC.



 

Ele disse que um dos familiares dele estava internado num hospital do SUS e o outro em uma unidade particular, como exemplo de que o dinheiro não importa no tratamento da covid-19. E finalizou a entrevista com um apelo para que a população não saia de casa.

 

"Espero que você possa usar isso ao seu favor para que possa seguir a vida em frente e estar ao lado dos seus sorrindo. Porque isso uma hora vai passar e você vai poder ir à festa, poder ter um Natal e um Ano Novo com todo mundo junto. Eu infelizmente não poderei ter meu pai e meu irmão."


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