O Brasil deve enfrentar um mês de abril mais mortífero do que março na pandemia, ainda em consequência do relaxamento das medidas preventivas a partir do final de 2020. Mas tanto a população quanto os governos podem, com ações e medidas preventivas a partir de agora, evitar que novos picos devastadores do coronavírus nos atinjam novamente durante o inverno.
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No cenário mais provável, levando-se em conta uso de máscaras pela população, mobilidade social e ritmo da vacinação, o instituto americano estima que o Brasil vai contabilizar um total de 562,8 mil mortes até 30 de junho.
No pior dos cenários estimados pelo IHME, esse total pode chegar a 597,8 mil mortes.
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"Esperamos que os casos (de coronavírus no Brasil) comecem a cair nesta semana. (Mas) o pior ainda está por vir, porque as mortes demoram mais - elas continuarão a subir e só cairão depois de algumas semanas", diz Mokdad em entrevista à BBC News Brasil.
"Além disso, o que é muito preocupante no caso do Brasil é que o surto ocorreu durante o verão, e, se tratando de um vírus sazonal, se fizermos uma projeção de longo prazo, pode ocorrer uma nova alta no inverno de vocês. É isso que nos preocupa."
A seguir, veja as principais ponderações de Mokdad (que iniciou sua carreira trabalhando nos CDCs, centros de controle de doenças dos EUA) sobre por que este mês ainda vai ser tão devastador no Brasil - e como a vacinação e o uso de máscaras melhores podem trazer alento nos meses seguintes.
'Um abril terrível'
As estimativas do IHME sobre a covid-19, feitas para todas as regiões do mundo, se baseiam em pesquisas de opinião sobre adesão ao uso de máscaras e confiança nas vacinas, bem como em dados sobre mobilidade da população e sobre aquisição de imunizantes por parte dos governos.
As projeções para o Brasil chamam a atenção em comparação com o resto do mundo e também com outros países que enfrentaram altas taxas de contágio e mortes - como EUA, Reino Unido, México e Índia - porque, para aqui, a expectativa é de uma curva de mortes ainda inclinada nos próximos meses.
"Esperamos que a mortalidade caia na terceira semana de abril, até o começo do inverno, quando os casos e mortes vão subir - mas não tanto quanto agora, porque haverá mais pessoas vacinadas do que agora", prevê Ali Mokdad.
Mas a situação do inverno pode ser agravada caso abra-se brecha para o surgimento de mais novas variantes perigosas - que emergem em áreas onde o vírus consegue circular livremente.
"Vocês (brasileiros) ainda terão um abril terrível e potencialmente também um terrível inverno, caso haja uma nova variante que torne a vacina menos eficiente", prossegue Mokdad.
"Temos de ser muito cuidadosos. Será preciso conter as infecções e as variantes, para ter um inverno mais ameno e um próximo verão de comemoração."
O inverno preocupa os infectologistas porque a estação mais seca e fria, com menos ventilação dos ambientes, traz condições ainda mais propícias para a circulação do coronavírus.
"O vírus é sazonal. No inverno passado, se pensarmos na Argentina, que tinha medidas rígidas em vigor e uso de máscara na casa dos 90%, mesmo assim a infecção cresceu", explica o médico.
'Honestamente, o governo não tem levado a pandemia a sério'
O fato de o Brasil estar tendo seu pico da pandemia justamente nos meses quentes do ano deixou Mokdad mais alarmado. Segundo sua avaliação, ainda estamos pagando o preço do relaxamento das medidas de distanciamento social no final do ano passado, que facilitou o avanço da perigosa variante P.1, originada no Brasil.
A conclusão vem da análise de dados de mobilidade gerados pelo deslocamento de celulares.
"O que aconteceu no país foi um relaxamento nas medidas de distanciamento social: o governo não impôs medidas em vigor a tempo, e as pessoas relaxaram, voltaram à vida normal, como se não houvesse covid-19. A nova variante fez com que as infecções ocorressem mesmo em comunidades onde 60% ou 70% das pessoas já haviam sido infectadas", diz Mokdad.
"Isso significa que infecções prévias não oferecem boa imunidade contra essa nova variante. Pessoas infectadas antes podem se infectar de novo. E isso significa também que as vacinas não serão tão eficientes, o que também preocupa."
"Agora, as pessoas mudaram seu comportamento, reduziram sua mobilidade e estão usando mais máscaras, então os casos estão baixando. (...) Em dezembro, basicamente, estava todo mundo se deslocando em níveis iguais aos de antes da pandemia", diz o médico.
"O uso de máscaras (segundo pesquisas de opinião) estava em 58% em dezembro, e agora subiu para 69%. (...) A questão de longo prazo para o Brasil é: será que os brasileiros conseguirão manter essa melhora de comportamento para conter o vírus, ou permitirão um novo surto, como esperamos que aconteça no inverno?"
"E o grau desse surto dependerá de comportamentos a partir de agora e de ações do governo. Infelizmente para o Brasil, sinceramente, o governo não tem levado a pandemia a sério."
Como evitar um inverno tão desastroso quanto o momento atual
O caminho trilhado a partir de agora, diz Mokdad, vai determinar se teremos um inverno com um número gerenciável de casos, ou um colapso semelhante ao que vivemos no momento.
"É porque a quantidade disponível de vacinas para o Brasil no momento não é suficiente para garantir imunidade de rebanho até o inverno. Por isso, todos nós neste campo de trabalho estamos dizendo aos países ricos: 'se vocês têm mais vacinas do que precisam, por favor mandem-nas ao Hemisfério Sul, porque é onde os casos vão aumentar no inverno, enquanto nós, no Hemisfério Norte, entraremos no verão'. Então é no Hemisfério Sul."
O aumento da oferta de vacinas ajudaria a conter a circulação do vírus e a prevenir o surgimento de novas variantes, que, mais potentes, podem prejudicar os esforços de vacinação em todo o planeta.
" É do interesse nacional de países ricos impedir o avanço do vírus no mundo inteiro. Nenhum de nós estará seguro até que todos nós estejamos seguros. E o único jeito de controlar as variantes é controlando as infecções, e para isso precisamos vacinar em áreas onde a infecção tende a aumentar - e no momento é no Hemisfério Sul, em lugares como Brasil, Argentina, Chile e África do Sul."
'O peso econômico do vírus'
Mokdad concorda que manter a mobilidade baixa vem com um custo econômico, sofrido principalmente por quem é impedido de trabalhar pessoalmente.
"É um equilíbrio difícil e delicado entre abrir economicamente e salvar vidas - principalmente (no caso de) populações pobres, que precisam trabalhar para poder comer. Nos preocupa muito que essa balança penda em direção à economia. (Porque) precisaremos planejar para conviver com este vírus por muito tempo", diz o pesquisador.
"Se você disser para alguém em São Paulo 'fique em casa por duas semanas para conter o vírus', você está oferecendo uma cesta de alimentos para ela comer nesse período? É o principal desafio que os países estão enfrentando."
Dito isso, Mokdad opina que os governos "não podem se eximir" da obrigação de promover o fechamento das atividades não essenciais neste momento.
"Alguns países fecharam das 5h da tarde às 5h da manhã e mantiveram os negócios funcionando. As medidas precisam ser mais sérias (do que isso)", diz.
"E a liderança é muito importante. Aqui nos EUA, o presidente (Joe Biden) usa máscara todas as vezes que aparece. O presidente anterior (Donald Trump) nunca usava máscaras. E isso faz muita diferença para as pessoas que votaram nele, para suas bases. É muito importante que a liderança use máscara - uma máscara boa ou duas máscaras, para mostrar que isso faz diferença."
Vacinação e boas máscaras: as armas disponíveis
Um dos fatores que jogam a favor do Brasil, no momento, é o nível alto de aceitação das vacinas, diz Mokdad. Em 20 de março, pesquisa do Datafolha apontou que 84% dos brasileiros tinham intenção de se vacinar.
É mais do que nos EUA, "onde a aceitação fica em torno de 75%", afirma o médico. "O fator que ajuda o Brasil no momento é a vacinação. O que prejudica é a sazonalidade, a mobilidade (alta) e uso de máscaras (insuficiente). E essas questões vão influenciar o tamanho do surto nos próximos meses."
"Vacinem o máximo que puderem, é uma corrida contra o tempo, antes do inverno. E melhorem o uso de máscaras. Nem todos têm acesso às vacinas no Brasil, mas todos podem ter acesso a máscaras. Se você encorajar o público a usar máscara, vai reduzir muito a transmissão. E se você já está usando máscaras, meu conselho é: passe a usar uma máscara melhor ou use duas máscaras. (...) Eu por exemplo sempre uso duas máscaras (ele mostra uma do tipo cirúrgica por baixo de uma de pano). Porque, dependendo do formato do rosto, sobram espaços nas laterais das máscaras. Uma segunda máscara fecha essa brecha. Em um país como o Brasil, no momento em que está chegando o inverno, certamente vocês se sairão muito melhor se usarem máscaras melhores."
A projeção do IHME aponta que, em um cenário em que todos usassem máscaras no Brasil, seria possível evitar 55 mil mortes até julho.
Como ficam as escolas?
O funcionamento seguro de escolas, na opinião de Mokdad, terá de ser avaliado em âmbito local - e depende tanto das medidas de segurança adotadas pela própria escola quanto dos cuidados tomados por todos da comunidade.
"Sim, as crianças têm menos risco de morrer de covid-19, mas elas podem pegar covid-19. E sim, as escolas que seguem protocolos podem ser abertas com segurança, mas a questão é por quanto tempo", opina ele.
"No Brasil, a questão não deveria ser 'devemos abrir ou não a escola?', sabendo que muitos jovens estão fora da escola há tanto tempo. A questão deve ser: por quanto tempo conseguiremos mantê-las abertas, se as abrirmos agora?"
"E isso vai depender da circulação do vírus na comunidade. Se você proteger as crianças e as escolas e fizer tudo direitinho, reduzindo as chances de o vírus ser pego na escola, mas a criança voltar à comunidade, pegar o vírus lá e mandar ela de volta para a escola, a escola pode passar a ser um foco de espalhamento do vírus."
Brasil e outros países em situação preocupante
Além do Brasil, a situação da pandemia causa preocupação em outras partes do Hemisfério Sul, como países sul-americanos e África do Sul, pela iminência do inverno, e países asiáticos, que também têm observado o surgimento de novas variantes do coronavírus.
"A Índia tem uma nova variante circulando ali e no Paquistão e Bangladesh, o que fez aumentar muito a nossa projeção de mortes, apesar de o clima lá estar ficando mais quente (por estarem no Hemisfério Norte)", diz Mokdad.
"Então estamos preocupados com muitos países, porque o vírus está em alta circulação. Por conta disso haverá novas variantes (mais resistentes), o que significa que infecções prévias não darão imunidade e as vacinas ficarão menos eficientes."
'Com bom comportamento, boas coisas virão'
Apesar das projeções preocupantes, Mokdad se esforça para passar uma mensagem positiva.
"Neste momento, levando em conta a disponibilidade de vacinas, esperamos que pouco mais de um terço da população brasileira esteja vacinada até julho. É uma boa notícia", afirma.
Embora destaque que é preciso levar em conta que as vacinas podem ser menos eficientes diante de novas variantes, ele ressalta que a vacinação em massa será o caminho para a normalização.
"É muito importante que o público saiba que, se fizermos tudo direito - usarmos bem as máscaras, tomarmos as vacinas - é muito provável que possamos voltar a alguma normalidade, embora não 100% ainda, porque não temos imunidade de rebanho. Mas no mínimo podemos ter uma estação de infecções muito menor (no inverno)."
"E pessoas vacinadas podem ver umas as outras, ver seus netos. Com bom comportamento boas coisas virão, mas todos temos de fazê-lo e todos temos de ter paciência. Não podemos nos dar ao luxo de comemorar prematuramente, e temos de aprender a conviver com este vírus, que vai ficar com a gente por muito tempo, infelizmente. Talvez tenhamos de mudar nossos comportamentos de acordo com a estação - no inverno, ser ainda mais vigilantes com o uso de máscaras e evitar aglomerações, e no verão talvez possamos relaxar mais, até todos estarmos vacinados ou até existir um bom medicamento contra covid-19, algo que até o momento não existe."
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