Jornal Estado de Minas

O festival religioso indiano que atrai multidões em meio à pandemia

Nesta última semana, enquanto a Índia lutava com uma devastadora segunda onda do coronavírus, milhões de devotos desceram às margens do rio Ganges, na cidade de Haridwar, para dar um mergulho na água durante o festival Kumbh Mela.



 

Os praticantes do hinduísmo acreditam que o rio é sagrado e mergulhar nele os purificará de seus pecados e trará a salvação.

 

Mas o governo do estado de Uttarakhand, onde Haridwar está localizada, está enfrentando fortes críticas por permitir a realização do festival Kumbh Mela em meio a uma pandemia cada vez mais grave.

 

A Índia já ultrapassou 175 mil mortes por covid-19 e é o quarto país com mais óbitos relacionados ao coronavírus — atrás de EUA, Brasil e México.

 

Uma influente congregação hindu decidiu não participar do grande festival.

 

"O Kumbh Mela acabou para nós", disse Ravindra Puri, um dos líderes da congregação Niranjani Akhada, à mídia local.

 

A decisão veio um dia depois que Swami Kapil Dev, líder de outra congregação importante, morreu após ser diagnosticado com covid-19.



Mais 1,8 mil devotos tiveram resultado positivo em exames de covid nos últimos dias (foto: Getty Images)

Multidões

Não está claro quantos devotos do Kumbh Mela tiveram resultados positivos em exames de covid-19 desde 11 de março, o dia em que os banhos no rio começaram.

 

Mas o secretário de saúde de Haridwar, SK Jha, disse que mais de 1,6 mil casos foram confirmados entre os devotos entre 10 e 14 de abril.

 

Há temores de que os números possam ser ainda maiores e que muitos dos que voltaram para casa possam ter levado a doença consigo para todo o país.

 

A Índia confirmou mais de 14 milhões de casos e mais de 175 mil mortes pelo vírus até agora. Em janeiro e fevereiro o país tinha tido uma queda acentuada no número de casos, mas com os casos e mortes aumentando novamente, os hospitais de todo o país estão relatando falta de leitos, cilindros de oxigênio e medicamentos.


Diversas cidades do país têm falta de leitos, remédios e outros insumos (foto: Getty Images)

 

O aumento nos casos, no entanto, não desencorajou as pessoas de comparecer ao Kumbh Mela.

 

Ujwal Puri, um empresário de 34 anos, chegou a Haridwar em 9 de março armado com frascos de desinfetante, máscaras e pílulas de vitaminas.



 

Puri diz que esperava verificações de segurança sanitária rigorosas. Mas não houve checagens de temperatura ou pedidos de exames no aeroporto nem em Haridwar, disse ele à BBC.

 

Uma de suas fotos do festival mostra multidões nas margens, esperando para dar um mergulho em uma das noites. Muitas pessoas podem ser vistas sem usar máscara ou com a máscara puxada para baixo, sem cobrir a boca e o nariz.

 

"Não houve distanciamento social", disse Puri. "As pessoas estavam sentadas lado a lado para as orações sagradas da noite."

 

Ele ficou no festival por três dias e tirou a máscara em público "apenas uma vez para tirar uma selfie", disse ele. "Eu deixei nas mãos de Deus."

 

Quando voltou para Mumbai, Puri se trancou em um quarto e fez um exame para covid-19. "Eu moro com meus pais, então tomei todos os cuidados que pude."


Ritual religioso envolve banho no rio Ganges (foto: Getty Images)

Evento super-propagador

Mas nem todos tem tomado essas medidas. Houve alertas de que o Kumbh Mela poderia acabar se tornando um evento super-propagador.



 

"O Kumbh deveria ter sido adiado", diz o historiador Gopal Bhardwaj. "Kumbh foi criado para proporcionar paz ao eu interior. Como alguém encontraria paz interior se o seu ente querido está infectado com Covid?"

 

Outros discordam. "Os comícios eleitorais não são eventos de super propagação?

 

Por que as lojas de bebidas estão abertas? Elas não estão espalhando o coronavírus?", afirma Raghavendra Das, um religioso que está no Kumbh Mela em Haridwar.

 

A situação gera medo nos moradores de Haridwar, que temem que o fluxo de peregrinos os coloque em risco de contrair o vírus.


Há temores de que o evento funcione como super propagador do vírus (foto: Reuters)

 

"Esses peregrinos voltam para casa em um ou dois dias. Mas quem sabe o que eles deixaram para trás", diz Mithilesh Sinha, morador de Haridwar.

 

O medo da contaminação levou Sachdanand Dabral, outro morador local, a entrar com uma ação na Justiça indiana no ano passado questionando o governo estadual sobre a possibilidade de aumento de casos.

 

Dabral culpou o governador de Uttarakhand, Tirath Singh Rawat, pelo aumento dos casos, por permitir que as pessoas entrassem no Estado sem controle. A BBC não conseguiu entrar em contato com Rawat para comentar.



 

O advogado de Dabral, Shiv Bhatt, fazia parte de um comitê oficial nomeado pelo tribunal que visitou Haridwar em março para avaliar os preparativos para o Kumbh Mela. Bhatt disse que os hospitais, incluindo um centro de atendimento designado a covid, não tinham condições básicas de funcionamento.

 

"Os banheiros e as enfermarias estavam em más condições. Não havia panelas e latas de lixo. O elevador não estava funcionando", disse ele.

 

Mas SK Jha, secretário de saúde estadual, disse que todas as questões levantadas no relatório do comitê já foram corrigidas.

 

Enquanto isso, os devotos continuam a lotar as margens do rio, muitas vezes sem máscaras e formando aglomerações, apesar da tentativa de fiscais de fazer com que as pessoas cumpram as regras de segurança sanitária.



 

Sandeep Shinde, um pintor de Mumbai, disse que gostou de sua experiência com o Kumbh Mela no início deste mês. Alojado em um grande salão compartilhado por cerca de 10 devotos, Shinde dormia em um colchão no chão.

 

"Experimentar o mergulho sagrado foi lindo. Não ouvi ninguém ao meu redor falando sobre corona. Ninguém estava falando sobre o vírus", diz ele.


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