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Estado de Minas REPERCUSSÃO

'Brasil não levou pandemia a sério', diz Nobel de Medicina

Para virologista Charles Rice, que venceu o prêmio em 2020, Jair Bolsonaro é culpado pela crise de COVID-19 e enfrentar pandemia 'será um desafio'


26/04/2021 21:03 - atualizado 26/04/2021 21:03

Carta assinada por mais de 200 nomes, incluindo três vencedores do Nobel, critica atuação de Bolsonaro em pandemia de covid-19(foto: Marcos Corrêa/PR)
Carta assinada por mais de 200 nomes, incluindo três vencedores do Nobel, critica atuação de Bolsonaro em pandemia de covid-19 (foto: Marcos Corrêa/PR)
Na opinião do virologista americano Charles Rice, vencedor do Nobel de Medicina em 2020, "como aconteceu nos Estados Unidos, o governo brasileiro não levou a pandemia a sério e, como consequência, muitos morreram desnecessariamente".

 

Falando à BBC News Brasil por e-mail, ele diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro é culpado pela crise de COVID-19, e que enfrentar a pandemia sob sua liderança "será um desafio".

 

"Embora Bolsonaro e sua administração sejam responsáveis, acho que a prioridade agora deve ser seguir em frente, agir e enfrentar a pandemia. Será um desafio, principalmente com a atual liderança, mas talvez a vontade do povo e a imprensa ajudem."

 

Professor de virologia na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), Rice dividiu o prêmio do ano passado com os pesquisadores Michael Houghton e Harvey J. Alter por seus trabalhos sobre o vírus da hepatite C. A doença, para a qual não existe vacina, provoca uma inflamação do fígado que pode se tornar crônica e causar câncer, levando à morte.

Carta aberta

Recentemente, Rice foi um dos três ganhadores do prêmio Nobel a assinar uma carta com mais de 200 nomes, entre cientistas e pesquisadores de todo o mundo, para defender a ciência no Brasil e criticar a atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia de COVID-19. O documento, publicado em 7 de abril, diz que a área está sob ataque pela sua gestão (ver íntegra ao fim desta reportagem).

 

Além de Rice, outros dois laureados com o Nobel, Michel Mayor (Nobel de Física em 2019) e Peter Ratcliffe (Nobel de Medicina em 2019), também estão entre os signatários.

 

A BBC News Brasil entrou em contato com os dois - Mayor não respondeu aos questionamentos da reportagem e Ratcliffe afirmou, por meio de sua secretária, que ficou "feliz" de ter assinado a carta, mas que não "desejava fazer comentários adicionais" sobre a situação da pandemia da COVID-19 no Brasil.

 

No documento, os signatários dizem que Bolsonaro "deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país".

 

A carta lembra que o presidente se referiu à COVID-19 como "gripezinha", criticou as medidas preventivas, como isolamento físico e uso de máscaras, e "por diversas vezes provocou aglomerações", além de "propagar o uso da cloroquina" e "desencorajar a vacinação".

 

"Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde", acrescenta o documento.

 

Na carta, os signatários também destacam que a ciência no Brasil "vem sofrendo diversos ataques".

 

"Cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da COVID-19".

 

O Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia de COVID-19 no mundo: tem o terceiro maior número de casos confirmados de coronavírus (mais de 14 milhões) e o segundo maior número de mortes (391 mil).

Veja a íntegra da carta abaixo.

 

Carta Aberta: solidariedade internacional aos pesquisadore(a)s e cientistas no Brasil e ao povo brasileiro.

 

Pesquisadore(a)s do mundo todo

 

Terça-feira, 6 de abril de 2021 - O Brasil registra 4195 mortes pela COVID. Ao todo, são mais de 340 000 óbitos contabilizados desde o começo da pandemia.

 

Se o coronavírus afeta todos os países do globo, a amplitude da catástrofe sanitária que acomete o país não pode ser dissociada da gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro. O presidente deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país.

 

Em inúmeros momentos, o dirigente da república brasileira se referiu à COVID-19 como « gripezinha », minimizando a gravidade da doença. Bolsonaro criticou as medidas preventivas, como o isolamento físico e o uso de máscaras, e por diversas vezes provocou aglomerações. Chegou a propagar o uso da cloroquina, embora cientistas alertassem para os efeitos tóxicos do uso do fármaco para combater a COVID. Pesquisadores que publicaram estudos que demonstravam que o uso do medicamento aumentava o risco de morte em pacientes com COVID chegaram a ser ameaçados no Brasil. Bolsonaro desencorajou ainda a vacinação, chegando a sugerir, por exemplo, que as pessoas poderiam se transformar em « jacaré ». Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde.

 

A ciência brasileira está sofrendo diversos ataques : cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque ; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros, como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da COVID-19.

 

Basta lembrar os ataques feitos por Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em um contexto alarmante diante dos níveis de desmatamento da Amazônia.

 

Ao desmentir a ciência, Bolsonaro não somente fere a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira : são diários os recordes de mortes pela COVID, dados da Fiocruz indicam por exemplo a circulação de 92 cepas do coronavírus no Brasil, o que torna o país uma gigantesca fábrica de variantes ; para além temos ainda os impactos sobre o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global.

 

Em um contexto de crise sanitária, de agravamento das desigualdades, de mudanças climáticas, este tipo de conduta é inaceitável e o autor deve ser responsabilizado. Nós nos preocupamos com o agravamento da crise sanitária no Brasil, com os ataques à ciência e por meio desta carta aberta nós, acadêmico(a)s de todo o mundo, demonstramos nossa solidariedade com os/as colegas no Brasil, cujas liberdades estão ameaçadas e com a população brasileira que é afetada diariamente por essa política destrutiva. 


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