O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta presta depoimento nesta terça (04/05) a senadores na CPI da Covid, que investiga ações de omissões de autoridades na pandemia.
Questionado pelos senadores se houve alguma proposta técnica do presidente Jair Bolsonaro ao ministério quando estava na pasta, Mandetta afirmou que não e que "o que havia ali era um mal estar."
"O que havia ali era um outro caminho, que ele decidiu, não sei se através de outras pessoas ou por conta própria", afirmou. "Era muito constrangedor explicar porque o ministério estava indo por um caminho e o presidente por outro."
Mandetta afirmou também que o isolamento social teria sido uma medida adequada no início da pandemia, quando era ministro.
"Naquele momento era fundamental que se fizesse uma fala una em relação à prevenção e que se fizesse o isolamento", afirmou.
"Primeiro porque tínhamos baixo número de casos. E porque essa doença entrou pelos ricos, estava no hospital Albert Einstein, no hospital Sírio-Libanês."
O senador Renan Calheiros lembrou que o presidente da República se colocou contra o isolamento e defendeu o chamado "isolamento vertical", que seria apenas isolar idosos e vulneráveis.
"Todas as recomendações, as fiz. Em público, nos boletins, nos conselhos de ministros, diretamente ao presidente, a todos os secretários de Saúde", afirmou Mandetta. "Nunca tive discussão áspera, mas sempre coloquei (as recomendações) de maneira muito clara."
Mandetta já havia dito durante a sessão que uma das mentiras que o ministério teve que combater foi a "teoria de isolamento vertical" (de isolar apenas idosos) algo que era defendido pelo presidente Bolsonaro.
O foco dos senadores é descobrir o quanto Bolsonaro interferiu nas ações do ministério e se a postura de Bolsonaro contribuiu para a aceleração do contágio e do número de mortes causadas pelo coronavírus no Brasil, que já superam 400 mil. A Comissão Parlamentar de Inquérito é composta majoritariamente por senadores oposicionistas e independentes, com 4 dos 11 senadores governistas.
Mandetta afirmou que não foi diretamente pressionado pelo presidente a tomar medidas contrárias ao que era recomendado pela ciência, mas que foi publicamente confrontado, o "que dava uma informação dúbia à sociedade".
"Sim, a postura (do presidente) trouxe um impacto (negativo). Você tem que ter, na pandemia, uma fala única. Esse vírus ataca a sociedade como um todo. Ele ataca o sistema de saúde a ponto de derrubá-lo", afirmou.
O depoimento de Mandetta na CPI começou com atraso, porque a sessão virou campo de batalha entre governistas e opositores.
Os senadores governistas pediram para fazer uma questão de ordem e reclamaram do fato de que os primeiros depoimentos são relativos à investigação das ações do governo federal. Eles queriam que houvesse alternância de depoimentos de pessoas que depusessem em relação à investigação sobre uso de recursos para o combate à pandemia nos Estados.
O ex-ministro Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo após Mandetta e saiu pelos mesmos motivos, também será ouvido.
Recusa de campanha governamental sobre covid
Questionado sobre quais eram as orientações do presidente e se ele fez alguma orientação no sentido de evitar a previsão da época de 80 mil mortes (hoje já chegamos a 400 mil), Mandetta disse que, quando explicava a situação para o presidente, Bolsonaro parecia entender mas depois publicamente contrariava as orientações do ministério.
O ex-ministro afirmou que o governo se recusou a fazer campanha oficial para orientação sobre covid, como é praxe em casos de doenças infecciosas, apesar das orientações do ministério na época.
"Me lembro de ele perguntar sobre a cloroquina, falar sobre isolamento vertical, que era algo que a gente não recomendava... Mas ele tinha provavelmente alguma outra fonte, aí teria que perguntar pra ele", afirmou.
Senadores perguntaram se Bolsonaro não se aconselhava com seus ministros.
"Olha, eu testemunhei várias reuniões de ministros onde o filho do presidente, que é vereador no Rio de Janeiro (Carlos Bolsonaro), estava lá tomando notas da reunião", disse Mandetta. "Por essas questões indiretas, reuniões com outros médicos, eu imagino que ele construiu alguns aconselhamentos que os levaram para essas decisões, mas eu não saberia nominar."
Vacinas
Questionado se havia possibilidade de vacina no horizonte quando era ministro, Mandetta afirmou que tinha convicção de que a humanidade iria conseguir desenvolver vacinas contra a doença, mas que na sua época no ministério as vacinas ainda estavam em concepção ou em fase inicial.
Mas disse que, se houvesse possibilidade de encomendar vacinas durante sua gestão, "teria ido atrás das vacinas" como se tivesse fome e elas fossem um prato de comida.
Visto como possível candidato de oposição a Bolsonaro em 2022, Mandetta passou quase 20 minutos listando as ações tomadas pelo Ministério da Saúde nos primeiros meses de 2020, sob seu comando, para combater a pandemia. "A posteriori, vimos muitas coisas não serem continuadas", afirmou.
Disse que trabalhava para haver uma resposta conjunta de vários órgãos e instâncias à crise e que o Tribunal de Contas da União foi envolvido no grupo de trabalho para garantir a "lisura de contas". O ex-ministro afirmou que se pautava em três pilares: defesa intransigente da vida, o SUS como meio para atingir esse objetivo e o uso da ciência para orientar a ação.
"O Brasil poderia ter feito mais (no combate à pandemia)", afirmou Mandetta, e disse que o país poderia ter tido vacinas muito antes se o governo seguisse a ciência.
Testagem e respiradores
O ex-ministro foi questionado por Renan Calheiros porque sua gestão, assim como as outras que se seguiram, não iniciou um processo de testagem em massa. Mandetta afirmou que não havia testes, mas que iniciou o processo de aquisição dos testes e que isso era sua estratégia que depois não foi implementada pelos ministros subsequentes.
Mandetta também foi questionado porque havia disputa entre Estados por compra de respiradores. O ex-ministro afirmou que o ministério interveio neste momento para centralizar a compra, mas que isso não impedia que os Estados tentassem o mesmo individualmente.
Demissão
Mandetta foi demitido em 16 de abril de 2020, após um mês de conflitos com Bolsonaro sobre a condução do combate a pandemia, que havia começado em março.
As discordâncias iam da necessidade do isolamento social e uso de máscaras até o uso de tratamentos sem comprovação científica. Bolsonaro se recusava a aceitar recomendações científicas para o enfrentamento da pandemia e promoveu o uso de remédios como o cloroquina, que não têm eficácia contra a covid.
O presidente queria que a pasta da Saúde incentivasse o uso desses medicamentos, algo que Mandetta se recusou a fazer.
Na CPI, Mandetta afirmou que não pediria jamais exoneração do cargo e que foi demitido por "não negociar"
"Eu tinha uma paciente doente, eu tinha que ficar com meu paciente. Eu acho que o presidente não gostou, não quis, achou por bem ter outro ministro", afirmou.
Dificuldades com China e com Estados
"Era mais do que necessário que tivéssemos boas relações com a China, para importar insumos, eu dependia muito do ministério das Relações Exteriores", afirmou Mandetta.
No entanto, disse, não pôde contar com o Itamaraty e teve dificuldade em superar os conflitos com a China estimulados pela família Bolsonaro.
"O filho, Eduardo, tinha rotas de colisão com a China por tweets, falas", afirmou.
O ex-ministro também afirmou que a decisão do STF que permitiu que Estados e Municípios continuassem tomando medidas contra a pandemia foi acertada e que uma harmonia com o Estados e municípios era "exatamente" o que ele imaginava que poderia ser melhor para todos.
Pazuello avisa que não irá
Na quarta (05/05), o dia tinha sido integralmente reservado ao depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello,
No entanto, a informação citada na CPI nesta terça foi de que o general teve contato com militares que estavam doentes e não poderá comparecer na quarta por risco de estar com covid. Pazuello já teve covid e se recuperou, mas existe a possibilidade de contrair a doença mais de uma vez.
"Ele vai sem máscara para o shopping e não pode vir para a CPI", reclamou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que não é titular da comissão mas participava da seção como observadora.
Senadores governistas tentaram fazer com que o depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello fosse virtual. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que, se Pazuello precisa fazer quarentena, a comissão poderia aguardar 14 dias, mas o depoimento das pessoas convocadas precisa ser presencial.
"O Exército tem fé pública, se o comandante do exército disse que Pazuello teve contato com militares contaminados, eu não preciso de exames, a gente aguarda 14 dias e pronto", afirmou Aziz.
Depoimento mais aguardado
Pazuello ficou dez meses no cargo e foi demitido em março. Ele se alinhou totalmente aos desejos de Bolsonaro no combate à pandemia e chegou a dizer que não tinha conflitos com o presidente porque "um manda e outro obedece".
Como foi o ministro que ficou mais tempo no cargo durante a pandemia, enfrenta as acusações de maior responsabilidade sobre a escalada de mortes no país.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), elencou uma lista de problemas que devem ser temas de questionamento a Pazuello:
- Falhas no planejamento de fornecimento de insumos básicos como oxigênio, medicamentos, EPIs (equipamentos de proteção individual), testes e respiradores
- Atraso e omissão para a compra de vacinas
- Falhas na estratégia de comunicação; nas ações de vigilância e mapeamento da pandemia
- Promoção de tratamentos ineficazes
- E má gestão das necessidades de leitos de UTIs no país
Preocupado com o bombardeio previsto contra Pazuello, o governo elaborou uma lista de 23 possíveis acusações a serem enfrentadas na CPI, e solicitou aos ministérios que preparem respostas a essas questões.
O documento, elaborado pela Casa Civil e revelado pelo portal UOL, inclui acusações como:
- o governo federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;
- o governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac (vacina do Instituto Butantan em parceria com a China);
- o governo minimizou a gravidade da pandemia;
- o governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;
- o governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS).
Além de preparar material para municiar as respostas de Pazuello, a Casa Civil também está treinando o general para depor na CPI, segundo reportagem do jornal O Globo.
O ex-ministro tem sido alvo até mesmo de "fogo amigo". Em recente entrevista à revista Veja, Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, atribuiu à "incompetência e ineficiência" da gestão Pazuello o fracasso na aquisição de 70 milhões de vacinas da Pfizer.
A CPI deve aprovar nesta terça a convocação para Wajngarten depor na próxima semana.
Na quinta, serão ouvidos o atual ministro Marcelo Queiroga e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Como a CPI começou
A CPI foi aberta por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), após pedido de senadores que afirmavam que a Presidência do Senado estava ignorando o pedido para instalação da comissão, mesmo com os três requisitos formais cumpridos.
O pedido de autorização para CPI foi feito ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em fevereiro, mas não foi levado a diante pelo senador, que contou com apoio de Bolsonaro para comandar o Senado.
Conforme esses parlamentares, o pedido de autorização havia sido feito em fevereiro ao presidente do Senado, que contou com apoio de Bolsonaro na eleição para comandar a Casa no último mês de fevereiro. Pacheco afirmou ao STF que estava esperando o "momento oportuno", mas o Supremo decidiu que a criação da CPI não está sujeita a "omissão ou análise de conveniência política por parte da Presidência da Casa Legislativa" caso seus três requisitos sejam cumpridos.
O STF já determinou a instalação de comissões parlamentares de inquérito anteriormente. Nos governos petistas, foi o caso da CPI dos Bingos, em 2005, e da CPI da Petrobras, em 2014.
O governo reagiu defendendo a ampliação do escopo da investigação, inicialmente centrada no governo federal. Assim, após requerimento feito pelo senador Eduardo Girão (Pode-CE), também serão discutidos os repasses federais a Estados e municípios.
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