Jornal Estado de Minas

COVID-19

Brasil tem primeiras confirmações da variante da Índia; entenda impactos

O Governo do Estado do Maranhão confirmou, nesta quinta-feira (20/05), os primeiros casos de COVID-19 provocados pela variante B.1.617, detectada originalmente na Índia.

 

A informação foi confirmada por Carlos Lula, secretário de Saúde do estado, numa entrevista coletiva pela manhã.



O caso vem sendo acompanhado desde o último sábado (15/05), quando um paciente indiano deu entrada num hospital particular na capital São Luís com sintomas sugestivos da COVID-19.

 

O indivíduo era tripulante do navio MV Shandong da Zhi, que chegou ao litoral maranhense e está em quarentena desde então.

 

Segundo Lula, que também é presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), amostras de seis dos 24 tripulantes passaram por análises genômicas.

 

O resultado mostrou que todos os seis estavam infectados com a linhagem B.1.617.

 

De acordo com as últimas informações, o primeiro paciente continua internado, com quadro estável.

 

Há outras 14 pessoas com COVID-19 dentro do navio: 12 assintomáticos e dois com sintomas leves.



 

Os outros nove passageiros parecem não estar com a doença.

 

Lula também destacou que outras 100 pessoas tiveram contato com esses indivíduos. Elas vão ser observadas e acompanhadas de perto pelos próximos dias.

 

"O Ministério está enviando uma equipe e a gente tem atuado em conjunto com a Anvisa. Eu queria afirmar que todas as medidas estão sendo tomadas, a tripulação está toda isolada e o navio não tem permissão para atracar", disse Lula.

Por que a variante descoberta na Índia preocupa o Brasil e o mundo?

A descoberta da variante B.1.617 não é exatamente uma novidade: os primeiros relatos dessa nova versão do coronavírus foram publicados ainda em outubro de 2020.



 

Mais recentemente, porém, o interesse e a preocupação relacionados a essa linhagem aumentaram consideravelmente.

 

Isso porque o número de casos de COVID-19 provocados por ela aumentou consideravelmente na Índia, seu provável local de origem.

 

Nas últimas semanas, a cepa também foi detectada em outros 44 países de todos os seis continentes.

 

Desde o final de abril, a Índia vive seus piores momentos desde que a pandemia começou, com recordes nos números de infectados e óbitos pela COVID-19 — embora a variante não seja o único fator que explica esse agravamento da crise sanitária por lá.

 

No Reino Unido, a subida vertiginosa de pacientes infectados com a B.1.617 ameaça a reabertura: já existem dúvidas se as atividades sociais e econômicas serão 100% retomadas até junho, como planejado.



O que a ciência já sabe

Essa variante possui três versões, com pequenas diferenças: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3.

 

Todas elas foram descobertas na Índia, entre outubro e dezembro de 2020.


Nas últimas semanas, Índia vive seu pior momento desde que a pandemia começou (foto: Getty Images)

 

A análise genética revelou que o trio apresenta mutações importantes nos genes que codificam a espícula, a proteína que fica na superfície do vírus e é responsável por se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.

 

Entre as alterações, três delas chamam mais a atenção dos especialistas: a L452R, a E484Q e a P681R.

 

Vale reparar que a mutação L452R já havia sido observada em duas variantes detectadas em Nova York e na Califórnia, nos Estados Unidos.



 

A E484Q tem algumas similaridades com a E484K, que foi uma alteração encontrada em outras três linhagens que ganharam bastante destaque nos últimos meses: a B.1.1.7 (Reino Unido), a B.1.351 (África do Sul) e a P.1 (Brasil).

 

Já a mutação P681R parece ser exclusiva das versões flagradas na Índia e não se sabe muito bem o que ela pode significar na prática.

 

"Essas mutações virais estão surgindo em cidades em que há o relaxamento das medidas de proteção e onde se acreditava que a população já estava imunizada, seja pela infecção natural ou pela vacinação", diz o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.

 

Em linhas gerais, tudo indica que esses "aprimoramentos" genéticos melhoram a capacidade de transmissão do vírus e permitem que ele consiga invadir nosso organismo com mais facilidade.

 

Antes, com as versões anteriores, era necessário ter contato com uma quantidade considerável de vírus para ficar doente.



 

Agora, com as novas variantes, essa carga viral necessária para desenvolver a COVID-19 é um pouco mais baixa, o que certamente representa um perigo.

 

"É como se o vírus criasse caminhos para escapar do sistema imune e desenvolvesse maneiras de transmissão mais eficazes", completa Spilki, que também coordena a Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

O que a ciência ainda não sabe

Por enquanto, ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a B.1.617 e seu impacto no controle da pandemia.

 

Até o momento, os cientistas não conseguiram estabelecer a sua real velocidade de transmissão e o quanto as mudanças genéticas contidas nessa linhagem interferem na eficácia das vacinas já disponíveis.

 

Também não se sabe ao certo se a variante está relacionada a quadros de COVID-19 mais graves, que exigem internação e intubação.

 

Com base nas poucas informações disponíveis, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico para Emergências (Indie-Sage), do Reino Unido, montou projeções para entender como a cepa pode influenciar a pandemia por lá.



Se a B.1.617 for de 30% a 40% mais transmissível que a B.1.1.7 (que é a variante dominante até o momento no Reino Unido), é possível que a região volte a viver uma situação tão grave quanto a que ocorreu nas ondas anteriores, com aumento considerável no número de hospitalizações.


Variante B.1.617 pode colocar em xeque os avanços no enfrentamento da pandemia conquistados em países como o Reino Unido, indicam especialistas (foto: Getty Images)

 

Se ficar provado que essa variante consegue "escapar" da proteção da vacina, é provável que a situação seja ainda pior, estimam os especialistas.

 

Vale lembrar que o Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de vigilância genômica do mundo: todas as semanas, eles fazem o sequenciamento genético de dezenas de milhares de amostras.

 

E os resultados recentes indicam um aumento considerável na presença da B.1.617 em terras britânicas: em uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou.

 

Em 12 de maio, 1.331 amostras analisadas apresentaram a linhagem descoberta originalmente na Índia. Na semana anterior, eram 520.



 

Nos últimos 30 dias, a participação relativa dela no total de casos que foram sequenciados geneticamente subiu de 1% para 9%.

 

Em algumas regiões inglesas, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, a B.1.617 já representa a maioria dos casos analisados e já se tornou dominante.

 

Para conter o problema, o Indie-Sage montou um plano emergencial, que envolve seis ações prioritárias, como a aceleração da vacinação no Reino Unido e no mundo, o controle de fronteiras, o aperfeiçoamento dos sistemas de diagnóstico locais e a continuidade da vigilância epidêmica e genômica.

 

Esse gráfico do acúmulo de casos por variante no Reino Unido foi a 1a evidência que faz pensar que a variante B.1.617 surgida na Índia pode ser mais preocupante. O crescimento de casos dela é bem diferente (em amarelo). Logo teremos resultados de outros países para confirmar. https://t.co/fA1MW4993j

— Atila Iamarino (@oatila) May 15, 2021

E na Índia?

Enquanto o país asiático bate recorde atrás de recorde no número de casos e de mortes, muito se questiona sobre o papel da B.1.617 nesse cenário.



 

Não há dúvidas de que a variante tem influência no contexto indiano, mas as autoridades em saúde pública sabem que ela não é a única culpada por todo o caos.

 

Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 de maio admite que a guinada e a aceleração da transmissão da COVID-19 na Índia tem uma série de fatores, "incluindo a proporção de casos provocados por variantes com maior transmissibilidade".

 

Mas o relatório da entidade não ignora também outros ingredientes fundamentais para entender essa crise sanitária, "como aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso de máscaras e o distanciamento físico.


Na Índia, os crematórios têm recorrido a piras funerárias em massa à medida que o número de corpos de vítimas de covid continua aumentando (foto: Reuters)

 

A própria OMS, inclusive, apontou recentemente a B.1.617 como uma "variante de preocupação global" pelas evidências de maior transmissibilidade.

 

Por outro lado, outras instituições, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, ainda aguardam mais dados para fechar uma classificação.



 

Na visão desses órgãos, a B.1.617 segue como uma "variante de interesse", que precisa ser melhor estudada e acompanhada.

E o Brasil no meio disso tudo?

Mesmo antes da confirmação dos primeiros casos oficiais, alguns indícios já aumentavam a preocupação sobre a entrada da linhagem no país.

 

Primeiro, no dia 10 de maio, a Argentina anunciou a descoberta de dois casos de COVID-19 causados pela B.1.617.

 

O vírus foi flagrado por lá em dois menores de idade, que voltavam de uma viagem a Paris, na França.

 

Como a Argentina faz fronteira com o Brasil e há um constante fluxo entre os dois países, o risco de a nova versão do vírus "pular" para cá aumenta consideravelmente.

 

A segunda notícia que deixou os especialistas apreensivos foi justamente a chegada do navio MV Shandong da ZHI em São Luís, capital do Maranhão, no último sábado (15/05).



 

Um passageiro indiano que estava na embarcação foi diagnosticado com COVID-19 e permanece em observação num hospital privado da capital maranhense.

A vigilância sanitária do estado determinou a quarentena de todos os tripulantes, enquanto o caso é analisado para saber se é causado pela B.1.617.

%uD83D%uDEA8 Atenção %uD83D%uDEA8

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (@anvisa_oficial) notificou a Secretaria de Saúde do Estado sobre tripulante indiano do navio “MV SHANDONG DA ZHI” que deu entrada em hospital da rede privada de São Luís com sintomas da COVID-19. pic.twitter.com/2LWu3pwFmv

— Carlos Eduardo Lula (@carloselula) May 16, 2021

 

Independentemente desses dois fatos, que certamente ligam o sinal de alerta, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que nosso país não possui um sistema com capacidade de barrar a entrada de novas variantes.

 

"Precisamos de uma vigilância nas fronteiras, que consiga testar as pessoas que passam pelos portos e aeroportos", aponta o virologista Flávio da Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Há cerca de 15 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu que o Governo Federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição da chegada de voos vindos da Índia.



 

Mas uma atitude sobre o tema só foi tomada dez dias depois: uma portaria que proíbe temporariamente a entrada de passageiros vindos não só da Índia, mas também de África do Sul, Reino Unido e Irlanda do Norte, foi publicada no Diário Oficial da União na última sexta-feira (14/05).


Desde 14 de maio, Brasil restringiu a chegada de voos vindo da Índia e de outros três países (foto: Getty Images)

 

Fonseca, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, entende que a introdução da variante no país é alarmante.

 

"Quando a segunda onda da COVID-19 começa a dar sinais ainda tímidos de diminuição, me preocupa a possibilidade de uma nova linhagem chegar e piorar as coisas novamente", avalia.

 

Para evitar que isso aconteça, o país deveria não apenas cuidar melhor de suas fronteiras, mas também lançar mão de um sistema de vigilância genômica amplo e ágil.

 

Assim, os indivíduos infectados que entrassem por meio de navios e aviões poderiam ser identificados e isolados antes de transmitirem as novas versões do vírus dentro de nossas fronteiras, criando cadeias de transmissão internas.



 

"O clamor é o mesmo desde o início da pandemia: necessitamos de uma coordenação central e de medidas que possam servir de barreira às variantes, como os testes, a quarentena e a diminuição ou o corte de voos de países que estejam com a pandemia descontrolada", reforça Spilki.

Competição feroz

Com a confirmação dos primeiros casos provocados pela B.1.617 no Brasil, uma coisa que ninguém sabe é como ela vai se comportar e competir com as outras variantes que dominam a situação de momento, especialmente a P.1.

 

"A variante detectada na Índia pode chegar ao Brasil e não encontrar espaço para se desenvolver, pois aqui já temos uma linhagem mais adaptada e agressiva", especula Fonseca.

 

Foi isso, aliás, que parece ter acontecido com outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7 (Reino Unido) e a B.1.351 (África do Sul): elas até foram detectadas por aqui, mas a participação delas na pandemia é pequena e não evoluiu, ao contrário do que ocorreu em outras nações.



 

Detectada pela primeira vez em Manaus, a P.1 se alastrou para o país inteiro e, em questão de semanas, se tornou a linhagem mais frequente das cadeias de transmissão.

 

"Eu diria que, no momento, a variante encontrada no Amazonas me preocupa muito mais, pois ela é tão ou ainda mais transmissível que a linhagem da Índia", avalia o virologista José Eduardo Levi, da rede de laboratórios de diagnóstico Dasa.

 

"Também fico apreensivo com os 'filhotes' da P.1, que são as variantes que surgiram ou podem surgir a partir dela", acrescenta o especialista, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.

 

Em meio a tantas incertezas e projeções, uma coisa é certa: do ponto de vista individual, as medidas de prevenção contra o coronavírus continuam as mesmas, não importa qual a variante de maior circulação.



 

Distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem das mãos e cuidados com a circulação do ar pelos ambientes continuam imprescindíveis.

 

Também é essencial tomar a vacina quando chegar a sua vez.

 

"As novas variantes do coronavírus podem até se disseminar mais rápido e enganar uma resposta imune prévia, mas todas as estratégias não farmacológicas de proteção seguem válidas", reforça Fonseca.

 

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