A decisão do presidente Jair Bolsonaro de autorizar a realização da Copa América no Brasil, em meio à pandemia que já matou mais de 460 mil pessoas no país, criou um novo alvo de desgaste para o governo no Congresso e no Judiciário.
O consentimento do presidente foi anunciado pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) na manhã de segunda-feira (31/05), mas no início da noite o governo aparentou recuar. O ministro chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, afirmou que ainda não há nada decidido e que a realização do torneio dependerá do cumprimento de certas condições. Uma posição final é aguardada para esta terça-feira.
Partidos políticos, no entanto, já tentam barrar em definitivo a realização do evento no Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quer que o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, compareça à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.
Em resposta a um pedido do PT para cancelar a Copa América no Brasil, o ministro do STF Ricardo Lewandowski abriu nesta terça-feira prazo de cinco dias para manifestação de Bolsonaro.
"Considerando a importância da matéria e a emergência de saúde pública decorrente do surto do coronavírus, bem como a urgência que o caso requer, solicitem-se prévias informações ao Presidente da República no prazo legal", diz a decisão.
O PSB também apresentou na noite de segunda-feira (31/05) um mandado de segurança ao Supremo pedindo a proibição do torneio, mas a ação ainda não foi distribuída para um ministro relator. Além disso, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) apresentou em seu nome uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal.
Ele disse à BBC News Brasil que em ambos os casos há pedido de liminar para imediata suspensão da Copa América no país. Os jogos estão previstos para ocorrer entre 13 de junho e 10 de julho.
Segundo Delgado, a realização do campeonato internacional é uma situação diferente das competições nacionais de futebol que têm ocorrido no Brasil sem a presença de público.
No caso da Copa América, em que ainda não foi confirmado se a torcida será totalmente proibida nos estádios, a competição implicará no deslocamento de nove delegações de outros países para o Brasil, além da mobilização da equipe brasileira, que costuma contar com jogadores que atuam no exterior.
"Um evento desse exige uma mobilização muito grande. Demanda todo um aparato de segurança, saúde, logística, de profissionais de imprensa nacionais e estrangeiros", exemplifica Delgado.
"É uma insanidade num momento de (possível) terceira onda (da pandemia) termos a possibilidade de vinda pra cá de delegações de dez países diferentes, em que não sabemos que cepa (do coronavírus) está predominando, para disputar partidas em cidades diferentes", reforçou.
Para o parlamentar, Bolsonaro busca, com a realização da Copa América, repetir as cenas que protagonizou durante a edição de 2019, realizada no Brasil e vencida pela seleção brasileira. Naquele ano, o presidente compareceu a partidas e foi ao gramado entregar as medalhas de ouro aos jogadores brasileiros.
A decisão de realizar o evento agora, porém, seria um desprezo em relação as vítimas do coronavírus, na visão de Delgado. "É como se alguém desprezasse as quase 470 mil vidas que já perdemos (por covid-19). Parece que perder mais algumas não vai fazer diferença", criticou ainda.
A ideia de realizar a Copa América no Brasil surgiu após Colômbia e Argentina recusarem sediar o campeonato. Além de enfrentar a pandemia, o primeiro país passa por intensos protestos políticos, cuja repressão já causou dezenas de mortes, segundo organizações de direitos humanos. Já o governo argentino rejeitou a competição devido ao aumento de casos da covid-19 no país.
Ainda não foram anunciadas as cidades que sediariam a Copa América no Brasil. Os governadores de Pernambuco (Paulo Câmara/PSB) e do Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra/PT) já se colocaram contra jogos em seus Estados.
Reações na CPI da Covid
O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), propôs nesta segunda-feira (31/05) a convocação do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo.
O objetivo é questioná-lo sobre as medidas tomadas para garantir a segurança dos brasileiros e das delegações estrangeiras durante o evento. Para a realização do depoimento, o pedido precisa ser aprovado pela maioria da comissão.
Rodrigues foi um dos integrantes da CPI que criticaram duramente a predisposição do governo para sediar a Copa América. Ele ironizou a velocidade com que a gestão Bolsonaro respondeu ao pedido da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), comparando essa agilidade com a demora para responder a ofertas de vacina feitas no ano passado pela farmacêutica Pfizer.
"Foram nove meses para responder a Pfizer e trinta minutos para responder a @CONMEBOLBR", postou Rodrigues no Twitter. "São bem estranhas as prioridades deste governo no enfrentamento da Pandemia da COVID-19", escreveu ainda.
Segundo levantamento da CPI, o primeiro contato da farmacêutica com o governo Bolsonaro foi feito em 17 de março de 2020, no início da pandemia.
Quase nove meses depois, em 10 de dezembro, o governo firmou uma carta de intenções com a empresa para aquisição das vacinas. O contrato foi efetivamente fechado apenas em março de 2021, para aquisição de 100 milhões de doses, que começaram a ser entregues em maio.
Na primeira semana de junho, está prevista a entrega de 2,4 milhões de doses, o que totalizará 5,8 milhões de vacinas fornecidas ao Brasil.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), também criticou a realização do torneio, chamando o evento de "campeonato da Morte".
"Com mais de 462 mil mortes sediar a Copa América é um campeonato da morte. Sindicato de negacionistas: governo, Conmebol e CBF. As ofertas de vacinas mofaram em gavetas mas o ok para o torneio foi ágil. Escárnio", postou também no Twitter.
A BBC News Brasil tentou na tarde de segunda-feira contato com três senadores da base governista que integram a CPI da Covid Marcos Rogério (DEM-RR), Ciro Nogueira (PP-PI) e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Nenhum retornou o pedido para comentar a realização da Copa América no Brasil.
Já o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a realização do campeonato. "Não tendo público não tem problema. É só dividir bem as sedes e acabou", disse, após ser questionado por jornalistas sobre a segurança do evento em meio à pandemia.
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