Jornal Estado de Minas

CPI da Covid: os embates mais tensos no depoimento dos irmãos Miranda sobre a Covaxin

Em um depoimento tenso e truncado, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF), falaram nesta sexta-feira (25/6) à CPI da Covid para detalhar as suspeitas que levantaram em torno do contrato do governo federal para o recebimento da vacina indiana Covaxin - até o momento, a mais cara entre as compradas pelo Brasil.



Luis Ricardo, que é funcionário concursado do departamento encarregado de importações do Ministério da Saúde, listou os pontos que, segundo ele, levantaram preocupação de sua equipe.

Segundo ele, as invoices (ou notas fiscais internacionais) emitidas pela fornecedora para a compra das vacinas divergiam do contrato firmado pelo Ministério da Saúde nas seguintes questões: na quantidade de doses a serem entregues ao Brasil, na exigência de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões e na inclusão de uma empresa até então externa às negociações - a Madison Biotech -, em vez de a fabricante indiana (Bharat Biotech) ou sua representante no Brasil, a Precisa Medicamentos.

Luis Ricardo confirmou o que disse ao Ministério Público, de ter sofrido uma pressão atípica para autorizar a importação das vacinas da Covaxin, diferentemente do que havia acontecido com as demais vacinas já adquiridas até o momento pelo governo no curso da pandemia.

O depoimento foi interrompido praticamente o tempo todo pelos senadores, a ponto de Luis Ricardo ter, em dado momento, levantado a mão para pedir a palavra para falar.



A seguir, detalhamos as questões alvo de maior tensão na sessão parlamentar desta sexta:

Discussões sobre invoices

Luis Ricardo Miranda detalhou as três invoices que recebeu para autorizar a compra da Covaxin e suas respectivas correções -, feitas, segundo ele, depois de os dois irmãos terem denunciado o caso ao presidente Jair Bolsonaro em um encontro no Palácio da Alvorada em 20 de março.

Senador governista Fernando Bezerra Coelho (à esq) discutiu com o depoente Luis Miranda (foto: Ag Senado)

O servidor foi interpelado em diversos momentos pelos senadores governistas Marcos Rogério (DEM-GO) e Fernando Bezerra (MDB-PE), que acusaram os irmãos Miranda de terem dado ênfase, em seus depoimentos e na imprensa, aos erros da invoice inicial, que passaria por correções nas invoices subsequentes.

Luis Claudio Miranda, no entanto, afirmou que a pressão sofrida por seu irmão era para que este autorizasse a importação nos termos equivocados listados na primeira invoice, "tentando ludibriar um processo legal de um produto (vacina) que até hoje não consegue entrar no Brasil".



Luis Ricardo Miranda agregou que um dos pontos mais preocupantes foi o excesso de telefonemas e mensagens que recebeu - tanto de seus superiores imediatos no Ministério da Saúde quanto de pessoas de fora da pasta, como o empresário Francisco Maximiliano, sócio da Precisa Medicamentos - para, segundo ele, apressá-lo a autorizar a vinda da vacina indiana.

O servidor agregou que nunca havia visto até então tamanha divergência entre um contrato e uma invoice de pagamento no ministério, envolvendo cifras diferentes e pagamentos a empresas não listadas no contrato. Em geral, disse ele, incongruências costumam ser pontuais.

Marcos Rogerio acusou o servidor de fazer um "clima de denuncismo" e chegou a dizer que Luis Ricardo pode ter incorrido em crime funcional por não ter denunciado o caso a seus superiores hierárquicos, mas foi contestado pelo depoente, que disse que a cobrança pela autorização da importação vinha justamente de seus superiores imediatos e que ele não tinha contato com as pessoas acima deles, como o então ministro Eduardo Pazuello.



Fernando Bezerra e Marcos Rogério x irmãos Miranda

Em diversos momentos, o senador governista Fernando Bezerra Coelho criticou os depoentes irmãos por responderem conjuntamente, e por Luis Miranda falar mesmo quando as perguntas não eram dirigidas diretamente a ele.

Exaltado, Bezerra afirmou que "a primeira vez (na CPI) que os depoentes se juntam".

Em determinado momento, o bate-boca entre o senador e o deputado Luis Miranda escalou, e esse último respondeu a Bezerra: "você não vai conseguir me irritar".

Luis Miranda chegando para depor na CPI; ele disse ter levado denúncias ao presidente Jair Bolsonaro (foto: Ag Senado)

Em seu questionamento, Marcos Rogerio acusou Luis Ricardo de "interpretar o documento (da invoice) de forma equivocada ou com má-fé", alegando que as irregularidades na primeira invoice foram sendo corrigidas nas subsequentes. O governista afirmou que "a oposição fez uma acusação (de superfaturamento na Covaxin), mas os fatos desmentem essa narrativa".



Ao que Luis Claudio Miranda respondeu: "isso foi corrigido porque fomos ao presidente da República. É imoral o que você está fazendo".

Luis Ricardo afirmou que, mesmo com as correções, o contrato chamou a atenção pelo excesso de pressão, até então inédita, para sua assinatura. Ele chamou essa pressão de "atípica e excessiva".

Mais tarde, houve bate-boca entre Luis Claudio Miranda e outro senador, o governista Jorginho Mello (PL-SC), que acusou o deputado depoente de "boca suja, picareta, larápio e mentiroso".

Ricardo Barros, o anônimo 'deputado da base governista'

Quando levou suas suspeitas em torno da Covaxin ao presidente Jair Bolsonaro, em 20 de março, Luis Miranda disse ter ouvido do presidente o seguinte: "'isso é coisa de um fulano', e citou o nome de um deputado do qual eu não me recordo'". Sinalizou que seria um deputado da base governista.

Luis Miranda foi várias vezes questionado a respeito disso durante seu depoimento, mas afirmou não se lembrar quem seria o tal deputado.

Em determinado momento, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) disse que "o certo era o presidente (Bolsonaro) ter expulso o deputado da base. (...) Deveria ter denunciado na hora e prevaricou".



Aziz disse também que Luis Miranda "tem a obrigação de dizer quem é o nome do deputado da base que é corrupto. (...) Só vamos terminar a CPI quando o senhor lembrar".

Em seu questionamento, o senador Rogerio Carvalho (PT-SE) perguntou diretamente a Luis Miranda se o deputado da base governista em questão seria Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e autor de uma emenda que facilitou a importação da Covaxin. Luis Miranda voltou a dizer que não se lembrava.

"Tive um lapso de memória, temporal. Fui atropelado por um furacão" ao perceber que "a coisa (governo) está aparelhada", agregou Luis Miranda ao responder pergunta semelhante do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pediu que ele tivesse coragem de citar o nome do deputado.

"Acho que cheguei no limite de complicar minha vida, mas acho que essa CPI já sabe o caminho que tem que seguir."

Até que, no questionamento da senadora Simone Tebet (MDB-MS), Miranda se emocionou e finalmente admitiu que o nome que teria sido mencionado a ele por Bolsonaro era, de fato, o o do deputado Ricardo Barros. A admissão foi comemorada pelos senadores da CPI.



"Vou ser perseguido, já perdi todos os espaços, já perdi tudo o que eu tenho. Eu sei o que vai acontecer comigo", disse Luis Miranda ao citar o nome de Barros. "Foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Queria ter dito desde o primeiro momento, mas vocês não sabem o que eu vou passar".

Pelo Twitter, Ricardo Barros afirmou: "Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse 'parlamentar citado'. A investigação provará isso".

Em sua live semanal, na última quinta-feira (25/6), Bolsonaro confirmou ter se reunido com os irmãos Miranda em março, mas disse que ambos não relataram suspeitas de corrupção. "Isso aconteceu em março, quatro meses (depois) ele resolve falar para desgastar o governo. Andou de moto comigo, esteve aqui conversando comigo. De repente, do nada. Vai ser apurado e, com toda certeza, quem buscou armar vai se dar mal."

O passado de Luis Miranda

Em 2019, uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, entrevistou 25 pessoas que disseram ter sido vítimas de golpes milionários supostamente aplicados por Miranda. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a fazer uma denúncia contra o político, mas acabou abandonando a queixa, que foi arquivada pela Justiça.



Quando o senador governista Marcos do Val (Podemos-ES) começou a apresentar o vídeo dessa reportagem, foi interrompido pelo senador Humberto Costa, que afirmou que o tema da reportagem não tem a ver com a CPI.

Do Val afirmou que "precisamos saber quem é (essa pessoa, no caso Luis Miranda) que faz uma denúncia grave". Ele também disse ter sido ameaçado por Miranda no intervalo da sessão.

Omar Aziz, presidente da comissão, afirmou que a veiculação da reportagem seria "deselegante com o depoente".


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!