O diagnóstico positivo para covid do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante viagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e comitiva aos Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU vem dominando o noticiário e reacendeu o debate sobre a eficácia das vacinas.
Pelo Twitter, Queiroga anunciou que está com coronavírus diferentemente de Bolsonaro, no entanto, ele diz ter sido vacinado com as duas doses. A informação foi confirmada em nota divulgada pela Secretaria Especial de Comunicação Social.
De acordo com o comunicado, o ministro passa bem. Os demais integrantes da comitiva foram testados e receberam diagnóstico negativo para a doença.
O ministro terá que cumprir quarentena na cidade por 14 dias antes de retornar ao Brasil. Ele foi o segundo integrante da equipe presidencial a contrair o vírus nos Estados Unidos. Antes dele, um diplomata que foi enviado para preparar a viagem de Bolsonaro à ONU também recebeu resultado positivo para a covid-19.
Comunico a todos que hoje testei positivo para #Covid19 . Ficarei em quarentena nos #EUA , seguindo todos os protocolos de segurança sanitária. Enquanto isso, o @minsaude seguirá firme nas ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Vamos vencer esse ! pic.twitter.com/OIaK8hDPy6
— Marcelo Queiroga (@mqueiroga2) September 22, 2021
"Comunico a todos que hoje testei positivo para Covid19. Ficarei em quarentena nos EUA, seguindo todos os protocolos de segurança sanitária. Enquanto isso, o Ministério da Saúde seguirá firme nas ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Vamos vencer esse vírus", escreveu ele, em sua conta pessoal no Twitter.
Queiroga não é o primeiro caso de infecção após duas doses. Em julho, a apresentadora Ana Maria Braga, por exemplo, diz ter tido covid mesmo depois de ter sido duplamente vacinada.
Outras personalidades, também duplamente vacinadas, morreram mesmo depois de imunizadas como o ator Tarcísio Meira, em agosto.
Mas o que explica a infecção por covid mesmo depois de a vacinação com as duas doses?
Em primeiro lugar, nenhuma vacina para covid é 100% eficaz como, aliás, nenhum imunizante é, mesmo aqueles que estão disponíveis há décadas para outras enfermidades, como sarampo, gripe e catapora.
Mas estudos científicos apontam há meses que elas têm uma boa eficácia para barrar os casos mais graves das doenças que combatem.
Por isso, especialistas advertem que, no caso da covid, todos devem continuar se cuidando com o distanciamento físico e o uso de máscaras, até que uma grande porcentagem da população esteja vacinada e a pandemia fique controlada, com números de casos e mortes bem baixos.
Nos EUA, por exemplo, onde Queiroga provavelmente contraiu o vírus, os números de casos confirmados estão subindo, assim como o de mortes a imensa maioria entre não vacinados.
Há algumas hipóteses para isso, entre as quais o ceticismo de muitos americanos quanto ao imunizante para se ter uma ideia, hoje o Brasil tem uma proporção de vacinados com a primeira dose (68,57%) maior do que a dos Estados Unidos (63,11%), segundo dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford.
Outras suposições estão relacionadas a tipo de imunizante, tempo desde a vacinação, variantes e ao sistema imunológico (leia mais abaixo).
Também é preciso lembrar que os efeitos protetores da vacina só chegam ao auge somente 14 dias depois da imunização.
Infecção 'breakthrough'
Portanto, se você ainda tiver covid-19 depois de duas semanas da segunda dose, como foi o caso de Queiroga, você sofreu uma infecção "breakthrough" (invasiva), ou seja, quando uma pessoa é infectada mesmo tendo recebido vacina contra uma doença.
Em termos gerais, as infecções breakthrough são semelhantes às infecções comuns de covid-19 em pessoas não-vacinadas mas existem algumas diferenças.
De acordo com o estudo Covid Symptom Study, os cinco sintomas mais comuns de uma infecção breakthrough são dor de cabeça, coriza, espirros, dor de garganta e perda do olfato. Alguns desses sintomas são os mesmos sentidos por pessoas que não se vacinaram.
Se você não foi vacinado, três dos sintomas mais comuns também são dor de cabeça, dor de garganta e coriza.
No entanto, os outros dois sintomas mais comuns em pessoas não-vacinadas são febre e tosse persistente. Esses dois sintomas "clássicos" da covid-19 se tornam muito menos comuns depois que você recebe as vacinas. Um estudo descobriu que pessoas com infecções breakthrough têm 58% menos probabilidade de ter febre em comparação com pessoas não-vacinadas. Em vez disso, a covid-19 após a vacinação tem sido descrita como sensação de resfriado por muitos.
Pessoas vacinadas também têm menos probabilidade do que pessoas não-vacinadas de serem hospitalizadas caso tenham covid-19. Elas também são propensas a ter menos sintomas durante os estágios iniciais da doença e são menos propensas a desenvolver covid longa.
O motivo para a doença ser mais branda em pessoas vacinadas pode ser porque as vacinas, quando não bloqueiam a infecção, parecem fazer com que as pessoas infectadas tenham menos partículas de vírus em seu corpo. No entanto, isso ainda não foi comprovado.
O que aumenta o risco?
No Reino Unido, pesquisas descobriram que 0,2% da população ou uma pessoa em cada 500 sofre uma infecção breakthrough depois de totalmente vacinada. Mas nem todos correm o mesmo risco. Quatro fatores parecem contribuir para seu nível de proteção com a vacina.
1. Tipo de vacina
O primeiro é o tipo específico de vacina que você recebeu e a redução do risco relativo que cada tipo oferece. A redução do risco relativo é uma medida de quanto uma vacina reduz o risco de alguém desenvolver covid-19 em comparação com alguém que não foi vacinado.
Ensaios clínicos descobriram que a vacina Moderna reduz o risco de uma pessoa desenvolver covid-19 sintomático em 94%, enquanto a vacina Pfizer reduz esse risco em 95%. As vacinas Johnson & Johnson e AstraZeneca tiveram pior desempenho, reduzindo esse risco em cerca de 66% e 70%, respectivamente (embora a proteção oferecida pela vacina AstraZeneca parecesse aumentar para 81% se um intervalo maior fosse deixado entre as doses).
2. Tempo desde a vacinação
Mas esses números não dão o quadro completo. Está se tornando cada vez mais evidente que o tempo decorrido desde a vacinação também é importante e é uma das razões pelas quais o debate sobre as imunizações de reforço está crescendo em intensidade.
Pesquisas iniciais, ainda em pré-publicação (ainda não revisadas por outros cientistas), sugerem que a proteção da vacina Pfizer diminui ao longo dos seis meses após a vacinação. Outro artigo pré-publicação de Israel também sugere a mesma coisa. É muito cedo para saber o que acontece com a eficácia da vacina depois de seis meses da segunda dose, mas é provável que ela caia ainda mais.
3. Variantes
Outro fator importante é a variante do vírus que você está enfrentando. As reduções no risco acima foram calculadas testando vacinas contra a forma original do coronavírus.
Mas, ao enfrentar a variante alfa, os dados da Public Health England sugerem que duas doses da vacina Pfizer são ligeiramente menos protetoras, reduzindo o risco de sintomas de covid-19 em 93%. Contra a delta, o nível de proteção cai ainda mais, para 88%. A vacina AstraZeneca também é afetada.
O estudo Covid Symptom Study confirma tudo isso. Seus dados sugerem que em duas a quatro semanas após receber a segunda dose da Pfizer, você tem cerca de 87% menos probabilidade de ter sintomas de covid-19 ao enfrentar a variante delta. Depois de quatro a cinco meses, esse número cai para 77%.
4. Seu sistema imunológico
É importante lembrar que os números acima se referem à redução média do risco em uma população. O seu próprio risco dependerá de seus próprios níveis de imunidade e de outros fatores específicos da pessoa (como o grau de exposição ao vírus, que pode ser determinado pelo tipo de trabalho que você faz).
A aptidão imunológica geralmente diminui com a idade. Condições médicas de longo prazo também podem prejudicar nossa resposta à vacinação. Idosos ou pessoas com sistema imunológico comprometido podem, portanto, ter níveis mais baixos de proteção induzida por vacina contra covid-19 ou podem ver sua proteção diminuir mais rapidamente.
Também vale a pena lembrar que os mais vulneráveis clinicamente receberam vacinas primeiro, possivelmente há mais de oito meses, o que pode aumentar o risco de sofrer uma infecção inicial devido ao declínio da proteção.
Preciso me preocupar?
As vacinas ainda reduzem muito suas chances de contrair covid-19. Elas também protegem em um grau ainda maior contra hospitalização e morte.
No entanto, é preocupante haver mais infecções breakthrough, como a de Queiroga. O temor é que elas possam aumentar se a proteção da vacina, como se suspeita hoje, cair com o tempo.
Portanto, muitos países ao redor do mundo, como o Brasil, estão oferecendo uma terceira dose aos mais vulneráveis e também considerando se os reforços devem ser dados mais amplamente ao restante da população.
Mas mesmo que eles venham a ser usados, isso não deve ser interpretado como "vacinas não funcionam".
E, enquanto isso, é essencial promover a vacinação para todos aqueles que possam ser vacinados mas que ainda não foram, advertem os especialistas.
Ganho individual ou um bem coletivo?
Quando tomamos uma vacina, sempre pensamos em nossa própria saúde: na maioria das vezes, o objetivo é diminuir o risco de pegar determinada doença infecciosa.
Mas precisamos ter em mente que o benefício da vacinação vai muito além de nós mesmos.
Quando nos protegemos, estamos beneficiando por tabela toda a sociedade.
Afinal, o imunizante pode quebrar as cadeias de transmissão de um vírus (quando ele é capaz de prevenir a infecção) ou diminuir o risco de superlotação dos leitos hospitalares (quando ele minimiza as chances de evolução para os quadros mais graves).
Mas há um detalhe importante nessa história. Esses efeitos positivos só costumam ser sentidos quando uma parcela considerável da população está efetivamente imunizada.
"A vacina é, principalmente, um bem coletivo. E esse impacto individual, de proteção contra determinada doença ou suas formas mais graves, cresce à medida que uma maior parte da população é vacinada", explicou a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos, em entrevista recente à BBC News Brasil.
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