Em seu depoimento à CPI da Covid na quarta-feira (29/9), o empresário bolsonarista Luciano Hang defendeu a operadora Prevent Senior e disse que não pediu aos médicos da empresa que omitissem do atestado de óbito de sua mãe o fato de que ela morreu por covid-19.
Hang disse ainda que autorizou os médicos da operadora a realizarem o tratamento conhecido como ozonioterapia, que consiste na aplicação de doses de ozônio em pacientes com a doença. Não há comprovação científica sobre a eficácia do tratamento.
O empresário foi convocado à CPI na condição de investigado. Ele é suspeito de ter financiado a disseminação de notícias falsas sobre a covid-19 e de ter incentivado o uso de medicamentos sem comprovação contra a doença como a cloroquina e hidroxicloroquina.
Hang também viu seu nome relacionado ao escândalo ligado à operadora de saúde Prevent Senior. Documentos encaminhados à CPI mostram que sua mãe, Regina Hang, que foi internada em um hospital da rede, teve covid-19, mas a informação foi omitida do seu atestado de óbito.
Ao ser perguntado sobre a morte de sua mãe pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), Hang disse que decidiu levá-la a um hospital da Prevent Senior após indicações de amigos médicos.
"Levei para o melhor hospital que as pessoas me deram", afirmou. Na sequência, Hang saiu em defesa da empresa.
"Por incrível que pareça, nesse mesmo hospital, eu peguei covid. Minha esposa pegou covid e nós dois fomos tratados. Tem um advogado amigo nosso que foi pra lá entubado e foi salvo. Tragam essas pessoas pra cá. Traz o meu advogado pra cá. Tenho a foto dele andando entubado indo pra Prevent Senior e saiu curado como outras milhares e milhares de pessoas", afirmou.
Em outro momento do depoimento, Renan Calheiros perguntou se Hang tinha conhecimento de que médicos da Prevent Senior que se posicionavam contra o uso do chamado "kit covid" eram punidos pela operadora. Ao responder, Hang saiu, mais uma vez, em defesa da companhia.
"Não posso responder pela Prevent Senior, mas tenho toda confiança neles", disse.
Em outro momento do depoimento, o empresário negou ter pedido aos médicos da Prevent Senior que tirassem do atestado de óbito de sua mãe a informação de que ela morreu vítima da covid-19. A suspeita surgiu depois que um dossiê formulado por ex-médicos da empresa foi entregue à CPI.
Entre os documentos estavam prontuários de Regina indicando que ela morreu por conta da doença, mas o atestado de óbito dela não trazia essa informação. Hang é um dos principais apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e, em várias ocasiões, se posicionou contra medidas de isolamento social adotadas por municípios e estados para conter ao avanço da epidemia. O empresário classificou a suspeita de que ele teria intercedido para alterar o documento como "fantasiosa".
"Olha só que loucura. Imagina eu chamar o médico e dizer: 'Olha, não coloquem covid, porque eu tinha falado que ela estava o tempo todo no hospital com covid', para diminuir o número de notificação de covid. Uma coisa de louco, uma coisa fantasiosa", afirmou.
Luciano Hang disse acreditar que a ausência da covid-19 como causa da morte de sua mãe no atestado se deu por um "erro" da operadora.
"Pode ter acontecido um erro do plantonista que colocou aquelas doenças, mas, quando foi fazer o documento que vai pra Secretaria do Estado foi colocado 'covid'. Então, não vejo o interesse do hospital de mentir sobre a morte da minha mãe, não vejo", disse o empresário.
Nas últimas semanas, a Prevent Senior entrou no alvo da CPI da Covid após um dossiê revelado pelo canal Globo News indicar suspeitas de que a empresa teria pressionado médicos a utilizarem medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 e terem omitido mortes causadas pela doença.
Indagado sobre o assunto, o diretor-executivo da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, admitiu que a empresa mudava ficha de pacientes para tirar registro de covid-19. Ele disse, no entanto, que essa mudança ocorria apenas para os pacientes internados por períodos entre 14 e 21 dias para indicar que eles não ofereciam mais risco à saúde do restante dos pacientes do hospital.
Após as revelações, uma força-tarefa liderada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) foi criada para investigar as alegações contidas no dossiê. Na terça-feira, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula operadoras de planos de saúde, autuou a Prevent Senior após constatar indícios de infrações ligadas à falta de informação sobre pacientes.
Autorização para ozonioterapia
Hang disse ainda que foi ele quem autorizou os médicos da Prevent Senior submeterem sua mãe à ozonioterapia. O tratamento é permitido em caráter experimental, mas não há estudos científicos que comprovem sua eficácia contra a doença.
"A ozonioterapia, foi autorizada por mim Me ofereceram tratamento de ozonioterapia e eu aceitei e tenho todo direito pra isso. Eu coloquei na mão dos médicos a autorização para fazer. Autorizei a Prevent Senior a fazer tudo o que estivesse disponível para salvar a minha mãe", disse.
Desde o ano passado, alguns médicos passaram a recomendar aplicações de ozônio pela via retal como tratamento para a doença. Em agosto de 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma nota informando que a ozonioterapia não tinha reconhecimento científico para o tratamento da covid-19. Uma resolução de 2018 previa que o tratamento é uma prática experimental e que sua aplicação clínica não estava liberada.
Confusão e bate-boca
O início do depoimento do empresário foi marcado por provocações entre parlamentares de oposição e governistas e uma confusão que fez com o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), interrompesse a sessão.
As trocas de provocações durante o depoimento de Hang começaram desde o início da sessão. Ao iniciar sua fala e se dirigir a Hang, o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), usou o termo "bobo da corte".
"Em todas eras do nosso país houve a figura do bobo da corte, independentemente de trajes usados ao longo dos tempos. São úteis para bajular o rei, os poderosos do camarim e criar cortinas de fumaça para desviar a atenção dos dramáticos e reais problemas da nação", disse Renan.
A declaração irritou o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que acompanhou Hang na chegada ao Senado e que saiu em sua defesa.
"Que cinismo, relator", rebateu Flávio Bolsonaro.
Quando passou a ser questionado, Hang aparentou calma. Disse que estava disposto a responder tudo o que lhe fosse perguntado, mas sua defesa afirmou que ele poderia se comprometer a dizer apenas a verdade por estar na condição de investigado e não na de testemunha. Dessa forma, ele não poderia se comprometer a produzir provas contra si mesmo.
Aos senadores, Hang disse não ser parte do chamado "gabinete paralelo" que assessoraria o governo federal na definição das políticas sobre o combate à covid-19. Ele afirmou também que não é "negacionista".
"Quero afirmar aqui nessa casa do povo, com a consciência tranquila e serenidade de quem tem a verdade ao seu lado que não conheço, não faço e nunca fiz parte de nenhum gabinete paralelo. Nunca financiei nenhum esquema de fake news e não sou negacionista", afirmou.
Hang disse ainda se sentir perseguido por expressar suas opiniões.
"Sou acusado sem provas e perseguido apenas por dar a minha opinião. Aliás, no Brasil, este crime de opinião não existe", afirmou.
Em alguns momentos, o empresário chegou a criticar senadores de oposição que o acusavam de espalhar notícias falsas. Após o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmar que Hang seria "sócio" de 595 mil mortes causadas pela covid-19 no Brasil, o empresário rebateu afirmando que o parlamentar estaria mentindo.
"Senador, fico muito triste de o senhor não fazer pergunta pra mim e ficar dez minutos de narrativas", disse o empresário.
Ao longo do depoimento, Hang foi defendido por senadores da bancada governista como Marcos Rogério (DEM-RO). Segundo ele, o empresário é vítima de perseguição por apoiar Bolsonaro.
"Trata-se de uma clara perseguição política, uma espécie sabe de quê? Tem nome: revanche. (Estão)tentando criminalizar a ação empresarial por causa das manifestações públicas do empresário", disse o parlamentar.
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