Um homem foi alvo de centenas de mensagens abusivas após ser destaque em uma reportagem de fim de ano da BBC News.
Por trás das agressões, estavam ativistas antivacinas que falsamente acreditaram que ele era um suposto ator fingindo estar doente com covid-19.
Alguns dias depois do Natal, Henry Dyne checou seu telefone enquanto pedia alguns drinques em um bar. Ao desbloqueá-lo, foi surpreendido por 600 notificações.
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As mensagens eram desagradáveis, abusivas e até ameaçadoras.
"Da próxima vez que você estiver em uma cama de hospital", alguém disse, "não será com covid."
Azarado e no hospital
O infortúnio de Dyne começou quando ele contraiu o vírus no verão de 2021. Ele ainda não tinha se vacinado, acreditando que sua idade tornaria qualquer infecção bastante branda.
Mas o consultor de TI — que também gosta de postar piadas em sua conta do Instagram — não teve sorte.
"Toda vez que tentava dormir, não conseguia dormir. E então, um dia, acordei por volta das seis da manhã e decidi chamar uma ambulância", diz ele. "A febre e as alucinações eram a parte mais assustadora."
Em julho, ele acabou no hospital, conectado a um cilindro de oxigênio e falou com jornalistas da BBC que o visitavam para relatar um aumento nos casos de covid em jovens para o News at Six, um dos principais telejornais da emissora.
"Apenas pensei que provavelmente seria muito bom registrar e dizer 'esta é a minha experiência, é muito pior do que eu pensava, então tome a vacina'", diz ele.
Ele não pensava que logo seria alvo de um grupo de ativistas antivacinas. Foi o início das denúncias acusando-o supostamente de ser "um ator".
Ator
A ideia de que atores estejam fingindo ou são contratados para representar tragédia ou desastre em particular faz parte de muitas teorias da conspiração contemporâneas.
Foi o que aconteceu durante o tiroteiro na escola Sandy Hook, nos Estados Unidos, em dezembro de 2012.
Negacionistas mal-intencionados alegaram que os pais de crianças mortas no ataque estavam de alguma forma fingindo suas tragédias pessoais.
Evidentemente, a BBC News não usa "atores" e não paga entrevistados. Dyne não foi pago por sua contribuição.
Mas isso não impediu que ativistas antivacinas inventassem informações falsas e partissem para o ataque.
"Quanto a BBC pagou a você para fingir que tinha covid-19?", dizia uma mensagem. Outro usuário afirmou: "Você é um idiota, cara. O carma é real, meu amigo."
Houve comentários muito piores também — explícitos demais para serem reproduzidos nesta reportagem.
Teorias ainda mais absurdas foram criadas enquanto ativistas vasculhavam perfis de Dyne nas redes sociais. Alguns descobriram seu perfil no LinkedIn, que listava um de seus ex-empregadores, uma empresa que havia obtido contratos com o governo para fornecer laptops a escolas durante a pandemia.
Essa informação era, de fato, verdadeira, mas ele não era mais funcionário da empresa — a conexão era tênue e casual.
Segundo round
Depois que a onda inicial de abusos diminuiu e Dyne estava se recuperando totalmente, ele tentou brincar sobre isso em sua biografia do Instagram, descrevendo-se sarcasticamente como um "Ator vencedor do Oscar".
"O humor é a minha maneira de lidar com a situação, tudo o que você pode fazer é rir", ele explica, "mal sabia que essa piada me colocaria em tantos problemas."
A segunda rodada de agressões veio após uma transmissão especial da BBC News em 27 de dezembro, chamada Review 2021: The Coronavirus Pandemic (Retrospectiva 2021: A Pandemia do Coronavírus, em tradução livre). O programa incluía o clipe da entrevista original de Dyne.
Alguém postou um vídeo de si mesmo assistindo ao especial, pesquisando o nome de Henry Dyne no Google, encontrando sua biografia no Instagram e lendo a frase "ator".
Não está claro quem fez o vídeo original — mas ele foi rapidamente republicado nos círculos antivacinas no YouTube e no Facebook, antes de realmente decolar no Twitter.
Um dos principais impulsionadores dessa notícia falsa no Twitter foi um aspirante a político galês, Richard Taylor. Ele postou o vídeo no Facebook e obteve milhares de reações com seu tuíte.
Taylor recebeu 20% dos votos no condado de Blaenau Gwent, candidatando-se ao Partido Brexit nas Eleições Gerais de 2019. Ele recentemente montou uma campanha de crowdfunding que arrecadou 61 mil libras (R$ 470 mil) para um cinema de Swansea fechado após violar os regulamentos da covid.
As postagens de Taylor diziam "Estamos de olho em você" junto com o vídeo, mas quando contatado pela reportagem da BBC, disse por e-mail: "Em minha postagem original, eu não estava insinuando nada... Cabe a nós meus seguidores de mídia social tirar uma conclusão a partir do que eles veem ou leiam".
"É uma pena que Dyne decidiu referir-se a si mesmo sarcasticamente em suas contas nas redes sociais", escreveu Taylor, "Sempre acreditei que, se alguém lhe diz quem ou o que é, acredite. Portanto, teria acreditado piamente em Dyne quando ele se referiu a si mesmo como um ator."
Taylor também condenou os abusos e ameaças contra Dyne.
"Nunca contribuiria intencionalmente para abusar ou ameaçar outro indivíduo, tendo gasto grande parte de minha vida profissional ajudando e servindo aos outros", escreveu.
Mas o vídeo que viralizou fez com que Dyne recebesse centenas de mensagens abusivas e ameaçadoras — ele estima três vezes mais do que na onda inicial de julho, incluindo várias ameaças de morte e contas falsas criadas em seu nome.
A postagem de Taylor no Facebook foi rotulada como falsa por checadores de informação. Um vídeo no YouTube continua ativo, assim como vários tuítes que viralizaram mostrando a gravação no Twitter.
A Meta — que é dona do Instagram e do Facebook — retirou as contas falsas do ar.
"Pedimos desculpas a Henry pela angústia que isso lhe deve ter causado", diz um comunicado da Meta.
"Contas que se fazem passar por outra pessoa não são permitidas no Instagram e removemos as contas denunciadas para nós."
Em comunicado, o Twitter disse que "continuamos a tomar medidas coercitivas sobre o conteúdo e as contas que apresentam alegações comprovadamente falsas ou enganosas sobre a covid-19 e que podem levar a um risco significativo de danos."
O YouTube está investigando o vídeo em questão.
Todas as três empresas de mídia social condenaram o assédio online e dizem que têm regras e ferramentas para se proteger contra ele.
Embora lamente as repetidas rodadas de abusos, Henry Dyne continuou a zombar de seus acusadores, brincando que ele está disponível para "fingir" outros desastres.
"Isso é tudo o que você pode fazer", diz ele. "Algo precisa acontecer com a mídia social. É tão óbvio que está tão fora de controle."
Apesar de considerar uma carreira como comediante de stand-up, Dyne diz que sua luta contra a covid-19 não foi muito engraçada — e foi muito real.
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