Na segunda-feira, 3 de janeiro, estava prevista sua volta ao trabalho presencial, após quase dois anos exercendo suas funções à distância, devido à pandemia de covid-19.
"Os especialistas recomendam que a gente não vá no pronto-socorro se está com sintomas leves, mas eu precisei ir para ter o atestado", conta o funcionário, que preferiu não ter seu nome citado.
Assim como ele, milhares de trabalhadores brasileiros estão lidando neste início de ano com sintomas respiratórios característicos de gripe ou covid-19.
Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), cerca de 20% dos funcionários do setor em todo o país estão afastados por suspeitas das duas doenças.
Na construção civil, alguns canteiros de obra registram até 30% dos trabalhadores com atestado médico nos últimos dias, conforme José Carlos Martins, presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) disse à Folha de S. Paulo.
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região informou na terça-feira (12/1) que, somente na base do sindicato, 150 agências tiveram de ser fechadas em uma semana por conta de casos de covid-19.
Neste cenário, o que empresas e trabalhadores devem fazer para lidar com a nova onda de coronavírus e influenza?
A BBC News Brasil ouviu a advogada trabalhista Erica Coutinho, sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, e o infectologista Leonardo Weissmann, médico do Instituto Emilio Ribas, para colher as orientações mais atualizadas para enfrentarmos a situação atual.
Entre sindicatos patronais e de trabalhadores há uma queixa comum: a oferta de testes de covid e influenza é insuficiente para atender a presente demanda do mercado de trabalho.
A liberação do autoteste de covid e maior oferta de testes e locais de testagem na rede pública são demandas tanto das empresas, como de funcionários.
Retomar o home office, onde possível
A primeira orientação do infectologista Leonardo Weissmann às empresas é retomar o home office neste momento, em todas as atividades em que o trabalho à distância seja possível.
"A ômicron não veio para brincadeira: é uma variante extremamente transmissível. A maioria dos casos são leves, muito provavelmente por causa da vacina. Mas estamos observando também casos mais graves", afirma o médico.
"O ideal nesse momento é as empresas que puderem deixarem os funcionários em home office, porque o funcionário vai para o trabalho, vai pegar transporte público lotado, com vidros fechados. Esse é um ambiente extremamente favorável para a transmissão do vírus", observa.
Para as empresas que não podem dispensar o trabalho presencial, Weissmann recomenda um rodízio dos trabalhadores, para que seja possível manter o distanciamento.
E, ao menor sinal de qualquer sintoma de infecção respiratória (como coriza, tosse, nariz entupido, mal estar, febre, dor ao respirar ou dor de cabeça), o funcionário deve ser imediatamente afastado do trabalho presencial e observar o isolamento domiciliar.
"Isso é necessário para interromper a cadeia de transmissão", diz o infectologista, ressaltando ainda a importância da testagem no momento atual.
Dias de afastamento: 5, 7, 10 ou 14?
O Ministério da Saúde anunciou na semana passada uma redução no período recomendado de isolamento para pessoas recém-recuperadas de covid.
Segundo a pasta, pacientes sem sintomas podem deixar o isolamento após 5 dias, desde que tenham resultado negativo para o vírus em testes do tipo PCR ou antígeno.
Alguns infectologistas criticaram a redução, afirmando que não há base científica para a decisão e que ela seria fruto de pressões econômicas.
Antes do anúncio no Brasil, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos tinha atualizado, em dezembro, suas diretrizes de isolamento, passando a recomendar 5 dias de isolamento para casos de covid em pacientes assintomáticos.
No início da pandemia, uma portaria do Ministério da Economia e do Ministério da Saúde havia estabelecido um período de 14 dias de afastamento do trabalho para profissionais com teste positivo.
Weissmann, do Instituto Emilio Ribas, afirma que não há consenso sobre o número de dias de afastamento.
Ele observa, porém, que a maioria dos especialistas considera que o prazo de 5 dias pode não ser suficiente para garantir que a pessoa não está mais transmitindo o vírus.
Assim, ele sugere que trabalhadores e empresas podem seguir a orientação dada pela Sociedade Brasileira de Infectologia ao Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), que é de 7 dias de isolamento domiciliar para assintomáticos e também para pessoas que tenham tido sintomas mas apresentam melhora deles e estejam sem febre nas últimas 24 horas ao fim desse período.
Para quem ainda tem sintomas depois de 7 dias, a recomendação da Sociedade Brasileira de Infectologia é de manter 10 dias de isolamento.
Atestado não é necessário
"É hora de empregadores flexibilizarem eventuais faltas. Simplesmente não tem sido possível ir ao pronto-socorro e ser atendido em menos de 4 horas. Assim como tem sido difícil receber resultado de teste em poucas horas. É irracional cobrar atestado médico nesse cenário", diz a advogada trabalhista Erica Coutinho, do Mauro Menezes & Advogados.
A advogada destaca que, em março do ano passado, a Lei 605/49, que trata do repouso semanal remunerado dos trabalhadores, foi alterada.
Na alteração, foram incluídos dois parágrafos que dizem que, durante o período de emergência de saúde causado pela covid-19, a imposição do isolamento dispensa o empregado da comprovação da doença por um período de 7 dias.
Ou seja, se o empregado está com suspeita de covid-19 ou teve contato com alguém que testou positivo para o vírus, pode ficar isolado em casa por um período de 7 dias, sem a necessidade de apresentar atestado ou qualquer outra justificativa para sua ausência.
Diante da nova redação da lei, o atestado é necessário apenas para afastamento superior a 7 dias.
A mudança foi feita justamente porque, diante da sobrecarga do sistema de saúde, seria impossível todos os trabalhadores recorrerem ao sistema apenas para comprovarem aos seus empregadores que não poderiam estar presentes aos seus locais de trabalho.
Antes dessa alteração na legislação, uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho (Nota Técnica GT Covid-19 19/2020) já recomendava aos empregadores "aceitar a autodeclaração do empregado a respeito de seu estado de saúde, relacionado a sintomas de covid-19".
"Quando você cobra o atestado, se o funcionário não consegue, ele acaba indo trabalhar doente, o que coloca em risco as pessoas da empresa e a coletividade de uma forma geral", observa Coutinho. "É irracional do ponto de vista da pandemia."
São necessários mais testes, dizem empresários
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), conta que o protocolo do setor estabelece desde o início da pandemia que, ao sinal de qualquer sintoma, o trabalhador não saia de casa.
No entanto, com pelo menos quatro doenças com sintomas parecidos afastando funcionários neste momento — covid, influenza H3N2, dengue (principalmente no Nordeste) e gripe comum —, o representante do setor de bares e restaurantes diz que o setor está sendo prejudicado pela falta de testes.
"Como não estamos conseguindo testar, um conjunto grande de pessoas estão sendo afastadas preventivamente e elas nem sempre estão com covid", diz Solmucci.
"Está sendo muito penoso para nós lidar com a falta de testes. O funcionário que vai ao posto de saúde fazer um teste fica 6 a 8 horas para fazer e, muitas vezes, não consegue. Na rede privada, está demorando de 4 a 6 dias para agendar. Por isso estamos sofrendo com um afastamento potencialmente maior do que deveria e por mais dias do que o necessário."
Para as empresas, isso resulta em um aumento de custos, diz Solmucci, pois o INSS não cobre afastamentos inferiores a 15 dias e a empresa acaba arcando com o salário do funcionário afastado e a contratação de um trabalhador intermitente para substituí-lo.
"Muitas vezes, acaba tendo prejuízo também na qualidade do atendimento, porque nem sempre essa reposição é feita na velocidade necessária", diz o presidente da Abrasel, que defende a urgência da regulamentação do autoteste para covid.
Empresas devem distribuir máscaras de boa qualidade
Para a advogada trabalhista, além da adoção do home office e o estabelecimento de escalas para evitar aglomeração onde o trabalho à distância não é possível, um outro ponto que precisa ser observado pelas empresas é a distribuição entre os funcionários de máscaras de boa qualidade, como os modelos N95 e PFF2.
As empresas também devem instaurar medidas que possibilitem a circulação de ar nos ambientes de trabalho.
"A máscara é um equipamento de proteção individual e a entrega de EPIs e fiscalização do seu uso são obrigações do empregador. Assim como também é obrigação do empregador adotar todas as medidas necessárias para neutralização ou mitigação do risco de infecção, incluindo escalas de trabalho, mudanças no espaço físico e entrega de máscaras", diz Coutinho.
Ela lembra que existe a possibilidade de a covid-19 ser enquadrada como doença ocupacional.
"Existe alguma dificuldade nos tribunais para fazer esse nexo, mas uma das coisas que é avaliada para que seja verificado se a doença é considerada ocupacional ou não é se o empregador tomou as medidas que estavam ao seu alcance", observa a advogada.
Segundo ela, devido a sua elevada transmissibilidade, a ômicron será a "prova de fogo" para empresas que adotaram políticas de segurança do trabalho ineficazes.
"Muitas empresas fizeram protocolos de segurança baseado naquilo que os especialistas chamam de 'teatro da higiene', que é por exemplo a obsessão por limpeza de superfícies, quando já está comprovado que a principal fonte de infecção por covid e influenza se dá por aerossóis, pelo ar", observa Coutinho.
"É muito mais importante proteger a parte respiratória do funcionário, com a entrega de máscaras, do que ficar limpando obsessivamente os espaços com álcool. Então agora é a prova de fogo dos protocolos, já que estamos vendo alguns setores com grande número de licenças simultâneas."
Solmucci, da Abrasel, avalia que a distribuição de máscaras do tipo N95 ou PFF2 para todos os funcionários é inviável por uma questão de conforto dos trabalhadores, custo para as empresas e oferta desse tipo de material, que é usado também por profissionais de saúde na linha de frente.
"Nós temos, enquanto sociedade e mundialmente, usado máscaras normais e isso tem sido extremamente exitoso. Não adianta querer pôr num funcionário de atendimento a mesma máscara que o médico que está lidando com pessoas contaminadas usa", argumenta.
"Nós mantemos uma distância razoável e há uma evidência muito favorável que são dois anos adotando esses procedimentos e nenhum surto significativo em nenhum bar ou restaurante."
Antonio de Sousa Ramalho, o Ramalho da Construção, presidente do Sintracon-SP (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo), avalia que o principal problema atualmente não é o uso de máscaras nos locais de trabalho, mas o relaxamento do seu uso em outros momentos, como no transporte público e nos bairros.
"O cara não usa a máscara lá no bairro dele e ele às vezes se contamina lá, vem para a obra e contamina outros. Na obra estamos mantendo o distanciamento, higienização e álcool em gel, mas acho que nós relaxamos — e quando falo nós, somos todos nós — no trajeto e em casa."
Empregador deve estimular a vacinação
A advogada e o infectologista consideram, por fim, que as empresas devem ter papel ativo no estímulo à vacinação de seus funcionários.
Em novembro, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu uma portaria do Ministério do Trabalho e Previdência (Portaria nº 620/2021) que proibia as empresas de solicitarem comprovante de vacinação contra a covid-19 para contratação e vetava a demissão por justa causa pela ausência do documento.
Mas, para Coutinho, independentemente da polêmica quanto à possibilidade de demissão por justa causa de não vacinados, os empregadores podem e devem fazer o controle da vacinação de seus funcionários.
"As empresas devem fornecer as informações necessárias sobre vacinação, oferecer treinamentos sobre imunização, indagar a pessoa sobre porque ela não quer tomar a vacina, acompanhar o ciclo vacinal dos funcionários. Tudo isso pode e deve ser feito", sugere.
Para Leonardo Weissmann, do Instituto Emilio Ribas, todo estímulo à vacinação é positivo.
"A vacina é segura e protege. Se não tivéssemos um número elevado de pessoas vacinadas, certamente essa situação caótica dos serviços de saúde estaria pior ainda", diz o médico.
Ramalho, do Sintracon-SP, conta que no setor da construção ainda há trabalhadores que, por ignorância, não se vacinaram. Nesses casos, o sindicato tem buscado atuar sensibilizando os familiares desses operários.
"Ainda tem um ou outro que acha que cachaça cura o vírus, que sempre se curou de gripe com isso. São ignorâncias da vida e precisamos convencê-los e conscientizá-los", diz o sindicalista.
"Criamos no sindicato um centro de relacionamento, com 24 funcionárias que conversam com as famílias dos trabalhadores. Assim, usamos a sensibilidade da esposa, da filha, da avó, das pessoas próximas a esse trabalhador. E isso tem dado certo, tem sido muito positivo."
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