Uma jornalista neozelandesa grávida que disse que pediu ajuda ao Talebã depois de não poder voltar para casa teve seu retorno permitido pela Nova Zelândia após a repercussão do caso.
Charlotte Bellis disse que voou para o Afeganistão depois de não conseguir uma vaga de entrada em seu país natal sob as regras de fronteira da Nova Zelândia por causa da pandemia de covid, colocadas em prática para impedir a entrada do coronavírus no país. Até hoje, a Nova Zelândia teve apenas 53 mortes por causa do vírus e 1,6 mil casos da doença.
Em meio à repercussão do caso de Bellis, surgiram críticas às conexões privilegiadas da jornalista com o Talebã.
O grupo extremista que controla o Afeganistão tem reprimido brutalmente os direitos das mulheres desde que tomou o poder com a saída dos EUA do país. Eles foram acusados de prender, torturar e até matar ativistas.
Na terça-feira (1/2), após uma atenção pública significativa em torno do caso de Bellis, o governo da Nova Zelândia disse que ofereceu um local de quarentena para a jornalista e opções de voos.
"Existe uma vaga de quarentena organizada para Bellis", disse o vice-primeiro-ministro Grant Robertson a repórteres em um briefing diário sobre a pandemia.
Ele negou que a ação tenha sido resultado da atenção que o caso dela recebeu, dizendo que a equipe lida diariamente com pedidos de emergência. "Eles sempre tentam fazer contato com as pessoas e tentam fazer os arranjos funcionarem."
O governo da Nova Zelândia havia dito anteriormente que ofereceu assistência consular duas vezes a Bellis, que escreveu sobre sua experiência em um jornal nacional no sábado.
O que Charlotte Bellis pediu ao Talebã?
Em sua coluna para o jornal New Zealand Herald, Bellis disse que o governo havia rejeitado na semana passada seu pedido de voltar para casa para dar à luz.
Atualmente, Wellington permite a entrada de cidadãos e residentes permanentes, mas apenas se passarem 10 dias isolados em hotel de quarentena. Como há uma alta demanda por essas instalações e um número limitado de vagas, muitos neozelandeses que desejam retornar acabam, na prática, impedidos de voltar ao seu país.
Em sua coluna, Bellis comparou essa experiência com a forma como foi tratada pelo Talebã, a quem ela havia contatado para perguntar se seria bem-vinda no Afeganistão como uma mulher grávida que não estava casada.
Quando falou com altos funcionários do Talebã, Bellis estava na Bélgica com seu namorado, um fotojornalista belga. No entanto, o tempo de seu visto estava se esgotando, pois ela não era residente lá.
A jornalista disse que o Afeganistão era o único lugar para o qual ela e seu parceiro tinham vistos, já que estiveram no país no ano passado para cobrir a retirada das tropas americanas.
"Você pode vir e não terá problemas. Basta dizer às pessoas que você é casada e, se a situação escalar, ligue para nós", teriam dito autoridades não identificadas do Talebã, segundo Bellis.
"Quando o Talebã oferece a você - uma mulher grávida e que não está casada - um porto seguro, você sabe que está em uma péssima situação", escreveu ela.
Enquanto isso, mães afegãs solteiras relatam ser frequentemente assediadas por funcionários do Talebã e pressionadas a entregar seus filhos. Mulheres afegãs têm relatado sumiços e 'aprisionamento' em suas próprias casas.
Qual foi a repercussão do caso?
Após a publicação do texto de Bellis, houve pedidos para que as autoridades da Nova Zelândia ajustassem os critérios de alocação de quarentena de emergência para mulheres grávidas.
As autoridades defenderam a política na segunda-feira, dizendo que o sistema "serviu a Nova Zelândia excepcionalmente bem, salvou vidas e manteve baixa a demanda por internações hospitalares, impedindo que nosso sistema de saúde ficasse sobrecarregado".
O governo também disse que Bellis foi aconselhada a solicitar um visto novamente em uma categoria de emergência. Não está claro se isso aconteceu ou se ela recebeu autorização de entrada sob seu pedido original.
Bellis disse que também recebeu asilo em outro país, cujo nome ela não divulgou, desde que tornou sua história pública.
O posicionamento da jornalista, no entanto, foi criticado por alguns observadores, ativistas de direitos humanos e pelos próprios afegãos.
"A história é apenas mais um exemplo de como os não-afegãos são tratados de forma diferente pelos talebãs do que os afegãos", tuitou o jornalista austríaco-afegão Emran Feroz.
"Jornalistas que eram vistos como afegãos frequentemente enfrentavam ameaças, espancamentos, tortura e assassinatos, enquanto os não afegãos... tinham muitos privilégios e eram bem recebidos e tratados com brandura por todos os lados", acrescentou.
Recentemente, houve pedidos para que o Talebã liberte várias ativistas pelos direitos das mulheres que tiveram suas casa invadidas e foram presas - e depois não foram mais vistas.
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