A BBC teve acesso com exclusividade a documentos de um processo na Justiça americana que indicam que o OnlyFans orientou uma empresa de mídia social não identificada a sabotar contas de artistas colocando seu conteúdo em um banco de dados de terrorismo.
Representantes do OnlyFans teriam pagado subornos aos funcionários dessa empresa para facilitar a prática. O OnlyFans diz que está ciente do processo, que descreveu como "sem mérito".
Sediado em Londres, no Reino Unido, o OnlyFans — mais conhecido por hospedar pornografia — cresceu muito nos últimos anos. A plataforma permite que usuários compartilhem videoclipes e fotos com assinantes de seus canais em troca de dinheiro.
Os artistas costumam usar contas de mídia social — incluindo Twitter e Instagram — para promover e vincular sites adultos com conteúdo mais explícito.
O processo
A BBC News foi informada que o site adulto rival FanCentro entrou com uma ação nos EUA contra o proprietário do OnlyFans, Leonid Radvinsky, e a empresa que recebe os pagamentos da plataforma, a Fenix%u200B%u200BInternet LLC.
O processo foi submetido a um tribunal na Flórida em novembro passado, mas não havia sido tornado público até agora.
Nele, a FanCentro alega que em 2018 o OnlyFans orientou uma empresa de mídia social não identificada a colocar sites adultos concorrentes em uma espécie de lista negra.
A FanCentro afirma que o conteúdo de mídia social de artistas adultos promovendo sites rivais ao OnlyFans foi colocado em um banco de dados internacional contra terrorismo — o Global Internet Forum to Counter Terrorism (Fórum Global de Internet para Combate ao Terrorismo, em tradução livre).
Esse banco de dados usa tecnologia avançada para impedir a disseminação de imagens de terroristas, ao registrar uma assinatura digital exclusiva para elas, conhecida como "hashes".
O banco de dados de hash é compartilhado entre todos os 18 membros do fórum — incluindo YouTube, Twitter, Facebook e Snapchat. Se uma empresa fizer o hash de um vídeo ou fotografia, isso será sinalizado para outros membros para que possam moderar conteúdo semelhante em sua plataforma.
Segundo a ação, o FanCentro acredita que o banco de dados foi "manipulado", o que resultou em muitos artistas adultos tendo suas postagens sociais removidas e contas desativadas — apesar de não conterem nenhum conteúdo terrorista.
Isso aconteceu mais notavelmente no Instagram, diz o processo.
O FanCentro alega que a visibilidade reduzida desses artistas nas redes sociais levou a um declínio acentuado no tráfego direcionado para sites rivais do OnlyFans. O FanCentro está buscando reparações financeiras.
No entanto, artistas que promoviam apenas suas contas no OnlyFans nas redes sociais não enfrentaram essa moderação punitiva de conteúdo, levando a um grande crescimento no tráfego de visitas ao site, acrescenta a ação.
O processo também alega que um ou mais funcionários da empresa de uma rede social não identificada — incluindo um integrante sênior da equipe — podem ter sido subornados para facilitar o esquema por representantes do OnlyFans.
O OnlyFans ainda não se pronunciou sobre o caso judicialmente, mas um porta-voz disse que a empresa estava ciente das alegações — descrevendo-as como "sem mérito".
O Facebook não é citado na ação legal, mas a BBC News foi informada de que a empresa recebeu uma intimação — o que significa que pode ser obrigada a fornecer registros. O Facebook e o Instagram têm a mesma empresa-mãe, agora chamada Meta.
A intimação solicita cópias de quaisquer documentos internos que mostrem sites rivais ao OnlyFans incluídos nas listas dos chamados Indivíduos ou Organizações Perigosas mantidas pela Meta e quaisquer pagamentos recebidos de representantes do OnlyFans.
Segundo a lei dos EUA, as empresas podem ser intimadas se detiverem qualquer informação relevante sobre o objeto de uma reclamação, e não apenas se tiverem evidências que possam revelar se alguém cometeu infrações.
Um dos advogados do FanCentro, David Azar, do escritório de advocacia Milberg, diz que a empresa está planejando intimar outras companhias para obter provas, incluindo empresas de mídia social.
Em um comunicado, a Meta disse: "Essas alegações não têm mérito e vamos abordá-las no contexto do litígio, conforme necessário".
A empresa acrescentou que investigou e não encontrou evidências de que o banco de dados de hash compartilhado tenha sofrido alterações indevidas.
Nos últimos anos, artistas que usam o Instagram para promover e vincular seus sites adultos reclamaram que, embora não tenham violado as diretrizes de comunidade do site, receberam notificações de violação e as postagens foram removidas. A subsequente perda de visibilidade e promoção dessas contas ficou conhecida como "shadowban".
Para os artistas, permanece um mistério até que ponto qualquer ação tomada contra as contas foi decorrente de uma política específica ou moderação direcionada de seu conteúdo.
"Estávamos vendo exclusões em massa sem nenhuma razão clara sobre o que estava acontecendo ou por quê", diz Alana Evans, presidente de um grupo que representa artistas de conteúdo adulto — o Adult Performers Actors Guild.
Ela diz que viu artistas caírem em sérias dificuldades financeiras, com alguns até desabrigados.
Em 2019, alguns artistas se encontraram com representantes do Instagram após alegarem que suas contas foram desativadas. A empresa reconheceu que alguns perfis foram removidos incorretamente, mas negou que isso tenha sido feito deliberadamente.
"Não temos políticas que visam artistas de conteúdo adulto", disse um porta-voz na época.
Camila (nome fictício) costumava ter milhões de seguidores em sua conta do Instagram — que era verificada (com o selo azul). Ela diz que a remoção de grande parte de seu conteúdo e o eventual fechamento de sua conta tiveram um impacto "devastador" sobre ela.
Nas postagens, Camila aparecia regularmente de biquíni ou calcinha. Normalmente, as fotos continham links para um site adulto — um rival do OnlyFans — que hospedava vídeos que os usuários precisavam pagar para assistir.
Em outubro de 2018, ela começou a receber notificações de violação de conteúdo removido pelo Instagram. Logo, as postagens começaram a ser retiradas regularmente. Algumas das fotos removidas eram imagens mundanas — incluindo fotos quando ela estava de férias e totalmente vestida.
"Elas começaram a ser excluídas várias vezes ao dia e depois várias postagens ao mesmo tempo", diz ela.
A BBC News descobriu que o status da conta de Camila no Instagram — visível apenas pela equipe de engenharia — foi alterado para "crítico". Isso significava que o perfil não era mais promovido com destaque, levando a uma visibilidade reduzida.
"Minha página estava morrendo lentamente e perdendo seguidores porque as postagens estavam sendo excluídas. Isso significa que ninguém me via", conta.
Camila diz que recorreu continuamente contra a remoção de suas fotos, mas só recebeu uma resposta automática. Em um ponto, até mesmo sua capacidade de apelar no Instagram foi removida, diz ela. Sua conta foi posteriormente fechada completamente.
Camila diz que costumava ganhar pelo menos US$ 50 mil (R$ 251 mil) por mês se apresentando no site adulto, mas agora ganha uma fração desse valor, visto que sua conta no Instagram não mais direciona tráfego para a plataforma.
O proprietário de um site adulto diferente daquele que processou o OnlyFans disse que sua empresa também foi afetada, mas não sabe como ou por quê. Ele diz que no final de 2018 parecia que uma "bomba" havia sido colocada sob seus negócios.
Mais de cem contas do Instagram que costumavam direcionar tráfego para artistas adultos que apareciam em seu site sofreram uma grande perda de visibilidade e algumas foram totalmente desativadas, afirma. Ele diz que sua renda caiu significativamente.
A Meta disse que não pode comentar essas alegações sem os nomes de usuário ou nomes dos sites adultos que estão sendo promovidos em suas plataformas.
Um porta-voz acrescentou que as diretrizes da empresa estabelecem um alto padrão na recomendação de contas que os usuários ainda não estão seguindo.
O conteúdo com hash no banco de dados administrado pelo Global Internet Forum to Counter Terrorism não é auditado de forma independente.
"Não temos conhecimento de nenhuma evidência para apoiar as teorias apresentadas neste processo entre duas partes sem conexão com o GIFCT", disse um porta-voz da instituição.
"Nosso trabalho contínuo para aumentar a transparência e a supervisão do banco de dados de compartilhamento de hash GIFCT é o resultado de um amplo envolvimento com nossas partes interessadas e não tem conexão com essas reivindicações".
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