Uma comparação de imagens compartilhada milhares de vezes em redes sociais desde o final de junho alega mostrar a evolução de diferentes obras públicas entre os governos do ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003 -2011) e Dilma Rousseff (2011 - 2016), do PT, e os primeiros meses do mandato do presidente Jair Bolsonaro, sem partido.
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A comparação ilustra múltiplas postagens no Facebook (1, 2, 3), Twitter e Instagram, somando mais de 13 mil compartilhamentos desde 28 de junho, três dias após o presidente Jair Bolsonaro inaugurar um trecho da transposição do rio São Francisco - projeto iniciado no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
As imagens não mostram, contudo, o avanço de iniciativas de infraestrutura no Brasil durante o governo de Bolsonaro, que tomou posse em janeiro de 2019.
Estradas no Mato Grosso e no Pará
As primeiras duas fotos, que comparam uma estrada com veículos atolados na lama a uma rodovia asfaltada, não foram feitas no mesmo lugar nem mostram uma obra realizada pela gestão atual.
Com o mecanismo de busca reversa de imagens TinEye, foi possível encontrar registros da primeira foto, em 2008. Uma segunda pesquisa no Google, ajustando as configurações para obter resultados anteriores a 2009, levou a esta apresentação de slides, publicada em janeiro de 2008.
O Comprova - projeto de verificação colaborativa do qual o AFP Checamos faz parte - entrou em contato com a responsável pelos slides, Gislaine Manteli, por meio de um e-mail listado na apresentação.
Moradora da cidade de Nova Monte Verde, no Mato Grosso, ela informou que as fotos reunidas ali representavam a situação da rodovia MT-208 na época. Gislaine conta que os slides foram parte de uma mobilização do município para pressionar o governo estadual pela pavimentação da via.
De acordo com ela, hoje o trecho retratado nas fotos, que liga as cidades de Alta Floresta até Nova Bandeirantes, está quase completamente asfaltado. De fato, imagens de satélite do Google mostram longos segmentos pavimentados, com exceção de trechos perto de riachos.
A segunda imagem utilizada no post foi publicada no site do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em 5 de fevereiro de 2010.
A foto ilustra uma matéria sobre a pavimentação de 124 quilômetros da BR-163, entre Rurópolis e Santarém, no Pará. A obra foi realizada por meio de convênio com o Exército Brasileiro, com investimento de R$ 1,4 bilhão. Na época, o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ferrovia fotografada em 2002 e foto de banco de imagens
A segunda comparação de fotos tampouco registra o antes e depois de uma mesma obra durante os “14 anos de PT” e os “18 meses de Bolsonaro”.
Uma busca reversa no Google pela imagem atribuída aos governos petistas, na qual é possível ver dois vagões de trem em uma área aparentemente abandonada, leva a um artigo publicado em 19 de novembro de 2008 no blog Música Sob Trilhos.
O texto, intitulado “Ferrovias no Brasil: Sucateamento completa 150 anos” é ilustrado com a imagem agora viralizada. Ao clicar na fotografia é possível identificar a marca d’água “Latuff 2002” no canto inferior direito.
Carlos Latuff, chargista carioca, manteve até 2017 um blog dedicado a compartilhar imagens de ferrovias no Brasil e no mundo.
Contactado pelo AFP Checamos, Latuff confirmou ter tirado a imagem dos vagões de trem no final de 2002 - ano em que o país era governado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e não pelo PT, como alegam as publicações viralizadas.
De acordo com o chargista, as imagens foram tiradas na oficina da companhia ferroviária MRS Logística no Horto Florestal, em Belo Horizonte, Minas Gerais. “São sucatas de locomotivas da antiga Rede Ferroviária Federal”, afirmou o fotógrafo.
À AFP, Latuff enviou outras fotos que tirou no mesmo dia, nas quais é possível identificar trens com a mesma padronagem vista na fotografia compartilhada nas redes sociais.
Já a foto que mostraria o estado desta ferrovia durante o governo Bolsonaro foi tirada do banco de imagens iStock, da empresa norte-americana Getty Images.
Embora o site não informe onde a fotografia foi feita, ela foi publicada no repositório em 13 de agosto de 2015 - anos antes da eleição de Jair Bolsonaro.
Uma busca reversa no Google mostra que a imagem é frequentemente utilizada por empresas de construção em diversos países, como Suíça, Itália e Alemanha, para ilustrar os serviços prestados pelas companhias.
Transposição do rio São Francisco em 2011 e 2015
A terceira dupla de fotos também não mostra uma comparação entre o governo petista e a gestão de Bolsonaro. As duas imagens foram feitas durante o período em que Dilma Rousseff era presidente.
O primeiro clique é do fotógrafo Wilson Pedrosa. A imagem foi publicada em matéria do jornal Estado de S. Paulo de 4 de dezembro de 2011, assinada por Pedrosa e Eduardo Bresciani.
A reportagem percorreu 100 quilômetros de obras da transposição do Rio São Francisco em Pernambuco -- os jornalistas encontraram canais em deterioração e canteiros abandonados pelas empreiteiras responsáveis. A foto em questão mostra um trecho entre os municípios de Betânia e Custódia, em Pernambuco.
A segunda imagem foi publicada pela primeira vez em 13 de agosto de 2015 na conta do Ministério da Integração Nacional do site de compartilhamento de fotos Flickr. A legenda informa se tratar da Estação de Bombeamento 1 do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco.
O Planalto anunciou na época que a obra em questão foi inaugurada em 21 de agosto de 2015. A estrutura bombeia água do Velho Chico por 45,9 quilômetros até o reservatório de Terra Nova, em Cabrobó, em Pernambuco.
O AFP Checamos já verificou outras fotografias de obras incorretamente associadas ao governo Bolsonaro.
Em resumo, é falso que esta comparação mostre a evolução de obras públicas entre os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma e de Jair Bolsonaro. Algumas das imagens viralizadas realmente foram tiradas durante as gestões dos petistas, mas nenhuma das fotos atribuídas a Bolsonaro foram feitas em seu governo.
Esta investigação faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da AFP e do Estado de S. Paulo.