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Estado de Minas FACT-CHECKING

Checamos: Nem todos estes surtos virais começaram na China e outros foram registrados no mesmo período

Lista que vem sendo compartilhada em redes sociais tem epidemias originárias de outros países e omite vírus detectados fora da China entre 1957 e 2020


28/07/2020 18:41 - atualizado 04/08/2020 07:20

Gripe aviária e suína; os vírus H2N2, H3N2 e H5N1; as doenças SARS, COVID-19 e peste suína: segundo publicações compartilhadas milhares de vezes em redes sociais desde o final de março, todos estes surtos virais teriam começado na China.

No entanto, diversas destas epidemias tiveram origem em outros países. A lista ainda repete itens e omite vírus detectados fora da China durante o período analisado, de 1957 a 2020.

“A China é o país que mais dissemina vírus para o mundo e ainda exige pedidos de desculpas!!!”, diz a legenda que acompanha a lista em uma das publicações, compartilhadas mais de 4.500 vezes no Facebook (1, 2, 3) desde o último dia 24 de março.

As postagens, que voltaram a circular recentemente, também se multiplicam no Instagram (1, 2, 3) e Twitter.

Mas nem todos os surtos listados nas publicações tiveram origem na China continental.

“1957 - 1958: H2N2”


Entre 1957 e 1958, uma variação do vírus influenza A, subtipo H2N2, causou mais de um milhão de mortes em todo o mundo. A China é realmente considerada a origem mais provável deste vírus, como informa o Programa Global de Influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo reportado no livro “Epidemics in Modern Asia” (Epidemias na Ásia Moderna, em tradução livre), publicado pela Universidade de Cambridge, o vírus provavelmente surgiu de uma mutação em aves aquáticas selvagens e foi identificado pela primeira vez na província chinesa de Guizhou, em fevereiro de 1957.

O pneumologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Rodolfo Behrsin destaca, no entanto, que se acredita que esse vírus H2N2 pode ser o mesmo que causou anteriormente a chamada gripe russa, entre 1889 e 1890.

A suspeita deriva do fato de que, em 1958, um estudo identificou anticorpos pré-epidêmicos contra o vírus em pessoas com 71 anos ou mais. “Isso sugere que a pandemia de influenza de 1957 foi uma repetição de uma epidemia que apareceu nos últimos anos do século XIX, e que essa epidemia pode ter sido a pandemia de 1889-1890”, indicou o levantamento.

“1968 - 1969: H3N2”


Dez anos depois, em 1968, uma outra variação do vírus influenza causou um grande surto viral em Hong Kong, infectando cerca de 500 mil pessoas em duas semanas. Por este motivo, a doença, que logo se espalhou para outros países, foi chamada de Gripe de Hong Kong.

Segundo um documento da OMS, disponível no site da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, também é possível que esta cepa tenha tido origem na China continental, mas não há certeza.

“Em 1968, nossa primeira sugestão de uma possível nova cepa epidêmica do vírus influenza foi uma notícia no jornal The Times of London de 12 de julho de que um amplo surto de doença respiratória aguda estava ocorrendo no sudeste da China”, diz o documento.“Cinco dias depois, as autoridades de saúde de Hong Kong (...) reportaram um aumento repentino de doenças semelhantes à influenza”, continua.

“Dependemos de uma única reportagem de jornal para afirmar que o surto em Hong Kong foi imediatamente precedido por uma epidemia de doença respiratória aguda no sudeste da China. Não há informações sobre a etiologia desse surto na China, mas sua relação temporal próxima com os eventos subsequentes torna possível que tenha sido devido à cepa de Hong Kong”, conclui a OMS.

Hong Kong, atualmente um território semiautônomo da China regido pelo princípio de “um país, dois sistemas”, era, em 1968, uma colônia do Reino Unido.

“1997 - 2004: H5N1”


Em 1997, uma cepa do vírus influenza que anteriormente infectava apenas aves, foi associada à contaminação de humanos em Hong Kong, como indicado em relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).

Segundo estudo do Departamento de Microbiologia da Universidade de Hong Kong, a transmissão da doença acontecia diretamente pelo contato com galinhas e foi interrompida com o abate de 1,5 milhão destas aves em dezembro de 1997. 
Captura de tela feita em 17 de julho de 2020 de publicação no Facebook
Captura de tela feita em 17 de julho de 2020 de publicação no Facebook

Quando o primeiro caso foi detectado, em maio daquele ano, Hong Kong ainda era uma colônia do Reino Unido, que devolveu o controle do território à China em 1º de julho de 1997, após cerca de um século e meio de colonização.

“2003: SARS”


A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês), causada por um tipo de coronavírus, afetou dezenas de países entre fevereiro e julho de 2003, deixando 774 mortos globalmente.
Oficial de saúde descarta galinhas mortas em meio à uma operação de abate para tentar erradicar um vírus mortal da gripe, em Hong Kong, em 29 de dezembro de 1997
Oficial de saúde descarta galinhas mortas em meio à uma operação de abate para tentar erradicar um vírus mortal da gripe, em Hong Kong, em 29 de dezembro de 1997

O primeiro caso do surto realmente foi reportado na China, na província de Guangdong, em novembro de 2002, como informado pelos CDC e pela OMS. O surto foi contido em maio de 2004.

“2006: gripe aviária”


A gripe aviária, que afetou países como Turquia, China e Indonésia em 2006, foi causada pelo vírus H5N1 que teve origem em 1997 na ainda colônia britânica de Hong Kong, como indica a OMS.

A informação foi reiterada à AFP pela integrante do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Rosana Richtmann. “Eles têm a mesma origem, não é necessariamente igual, mas a origem é a mesma. Eles estão inflacionando”, afirmou em conversa telefônica.

Em reação ao aumento de casos naquele ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a importação e comercialização “de carcaças inteiras, cortes, miúdos, produtos cárneos industrializados, ovos e penas de aves” provenientes de países em que o vírus estivesse ativo.

“2010: gripe suína”


Já a gripe suína, provocada pelo vírus H1N1, foi detectada inicialmente no México, entre março e abril de 2009, segundo os CDC.
Uma mulher carrega seu filho usando máscara durante o surto de SARS em Hong Kong, em 25 de março de 2003
Uma mulher carrega seu filho usando máscara durante o surto de SARS em Hong Kong, em 25 de março de 2003

Como relata a agência norte-americana, em março e início de abril de 2009 o México registrou surtos de doenças respiratórias e um aumento de pacientes com doenças semelhantes à influenza em diversas partes do país. Em 23 de abril daquele ano, diversos destes casos foram confirmados em laboratório como infecções pelo vírus influenza A (H1N1) de origem suína.

“A gripe suína, que eles estão colocando aqui como 2010, na verdade é 2009. O ano está errado e a gripe suína tem origem no México”, afirmou a infectologista Richtmann.

O pneumologista Behrsin detalhou: “A gripe suína começou no México quando ocorreu uma mutação do vírus influenza. Era uma gripe que ocorria em porcos e que passou para humanos”. “Como era muito próximo aos Estados Unidos, entrou nos Estados Unidos pela região de São Diego e se espalhou pelo mundo”, continuou.

De fato, em 17 de abril de 2009, os CDC determinaram que dois casos de doenças respiratórias febris que afetaram crianças que moravam em regiões vizinhas no sul da Califórnia foram causadas por um vírus da influenza suína A (H1N1).

“2013: peste suína”


Neste caso, não fica claro se as publicações se referem à chamada peste suína clássica (PSC), ou à peste suína africana (PSA), ambas doenças que atingem porcos e outros animais, como javalis.

A PSC, como informa a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), foi detectada inicialmente nos Estados Unidos, no século XIX. A equipe de checagem da AFP não conseguiu localizar, no entanto, qualquer registro de um surto desta doença em 2013, ano mencionado na lista viralizada.

Já a PSA, como indica o nome, é observada desde o início do século XX no sul e leste da África, informa a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em 2013, um foco de peste suína africana foi descoberto na região russa de Belgorod.

“2019: coronavírus” e “2020: Covid-19”


Os dois últimos itens da lista são, na verdade, um só. “Eles juntam 2019 e 2020 como sendo duas coisas diferentes. Na realidade é a mesma coisa, o vírus causando a doença. Isso aqui está mal intencionado”, afirmou Richtmann.

O novo coronavírus, que provoca a doença chamada COVID-19, efetivamente foi detectado na China no final de 2019. Em 31 de dezembro do ano passado, autoridades chinesas reportaram à OMS casos de pneumonia de causa desconhecida registrados na cidade de Wuhan. Pesquisas sugerem que um mercado de animais na cidade pode ter sido a origem do vírus.

Até este dia 28 de julho, o novo coronavírus deixou mais de 16,5 milhões de infectados e de 654 mil mortos em todo o mundo.

MERS, ebola, zika...


Para afirmar que a China é o país que “mais dissemina vírus para o mundo” as publicações viralizadas também omitem surtos virais iniciados em outros países ao longo do período analisado.

“A China tem aparecido como a origem de muitas epidemias. Mas a gente tem algumas epidemias importantes que surgem fora da China também”, indicou Behrsin ao AFP Checamos.

Como exemplo, o pneumologista citou o coronavírus MERS%u2010CoV que foi detectado em 2012 na Arábia Saudita, provocando a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês). Posteriormente, a doença causou mortes na Europa e na Ásia, principalmente na Coreia do Sul, fazendo com que a OMS pedisse que todos os países ficassem em alerta.

“Eles não colocaram, por exemplo, zika, chicungunha, que são africanos. Tem outras doenças que ficaram de fora, como a ebola, que também tem origem fora da China”, listou a infectologista Rosana Richtmann.

De fato, entre 2014 e 2016, um surto do vírus da ebola iniciado na Guiné deixou mais de 11 mil mortos no país da África Ocidental e em outros como a Libéria e República Democrática do Congo (RDC). Segundo a OMS, o vírus foi detectado pela primeira vez em surtos simultâneos em 1976 em territórios que hoje fazem parte do Sudão do Sul e da RDC.

Em 2015, um surto do vírus da zika afetou a América Latina, com casos confirmados em todos os estados brasileiros e em diversos outros países como Chile, Colômbia, Paraguai, Honduras e Argentina. Estudos relacionaram a doença com malformações cerebrais em crianças, fazendo com que a OMS declarasse um “estado de emergência sanitária mundial”. 
Funcionário do governo de Taiwan desinfeta uma fazenda de porcos em 27 de abril de 2009
Funcionário do governo de Taiwan desinfeta uma fazenda de porcos em 27 de abril de 2009

Transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti, o zika vírus foi identificado pela primeira vez em 1947 na Uganda, relata a OMS.

A chicungunha, igualmente transmitida pelo Aedes aegypti, também provocou um grande surto em 2015, com mais de um milhão de casos suspeitos na América Latina, nos Estados Unidos e no Caribe. A doença foi descrita pela primeira vez na Tanzânia, em 1952, segundo a OMS.

A epidemia de HIV, identificada na década de 1980 e ainda ativa, segundo a OMS, também não começou na China. De acordo com o The Aids Institute, cientistas identificaram um tipo de chimpanzé presente na África Ocidental como fonte da infecção de HIV em humanos. Até julho de 2020, mais de 33 milhões de pessoas morreram devido à aids.

Este conteúdo também foi verificado pelo site de checagens Polígrafo.

Em resumo, é falso que todos os vírus listados na imagem viralizada tenham surgido na China. As publicações ainda omitem outros surtos virais relevantes registrados entre 1957 e 2020 para sustentar a afirmação de que a China é o país que “mais dissemina vírus no mundo”.

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