Um vídeo compartilhado milhares de vezes em redes sociais desde meados de julho assegura que os princípios ativos da cloroquina e da ivermectina podem ser encontrados nas cascas de laranja e limão e que, por isso, o suco destas duas frutas poderia prevenir, e até curar, o novo coronavírus.
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A gravação continua, recomendando que as pessoas bebam o suco destas duas frutas durante uma semana. “Se você não tem o COVID-19, você vai tomar dois copos por dia. Um de manhã e um a tarde. Se você já está com a COVID, você vai tomar quatro copos, dois de manhã e dois de tarde”, indica o homem.
Não é verdade, contudo, que os princípios destes dois medicamentos estejam presentes nas cascas destas frutas.
Compostos obtidos via síntese química
Como explicou ao AFP Checamos o presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas, Flavio da Silva Emery, a cloroquina e a ivermectina “são compostos obtidos via síntese química”.
“Eles não são encontrados nas cascas de laranja e limão, eles dependem de uma produção industrial bem estabelecida, com etapas de síntese bem definidas”, afirmou o especialista em Química Medicinal de Doenças Infecciosas, em conversa telefônica.
O mesmo foi afirmado por Elizabeth Igne Ferreira, professora do Departamento de Farmácia da Universidade de São Paulo (USP).
“Não é verdade que as cascas de laranja ou limão possuem a cloroquina e a ivermectina. Essa informação é uma das muitas que confundem o público”, disse, em e-mail enviado à AFP.
Lançada aos holofotes em meio à pandemia do novo coronavírus, a cloroquina foi desenvolvida em 1934 pela farmacêutica alemã Bayer, para substituir a quinina, substância obtida a partir da casca da árvore quina (ou Cinchona officinalis), no tratamento contra a malária.
Apesar de eficaz, a cloroquina se mostrou tóxica, estimulando a busca por compostos mais seguros. Esses estudos levaram ao desenvolvimento, em 1946, da hidroxicloroquina, derivado da cloroquina que também passou a ser utilizado no combate à malária.
Ambos os compostos são “puramente sintéticos”, afirmou Emery à AFP. Igne Ferreira também destacou que a cloroquina é “um produto de síntese” e que, portanto, “não tem origem natural”.
Igualmente estudada no contexto da pandemia de COVID-19, a ivermectina é utilizada para tratar infecções parasitárias em humanos e animais e foi elaborada pelo pesquisador japonês Satoshi %u014Cmura no final da década de 1970.
Neste caso, sim, o medicamento tem em sua origem um composto natural, mas ele não está presente nas cascas de laranja e limão, e precisa passar por uma modificação química para gerar a ivermectina, explica Emery.
O medicamento foi desenvolvido quando %u014Cmura, junto a um grupo de pesquisadores da farmacêutica Merck, identificou uma cultura derivada do solo que apresentou eficiência em eliminar vermes em ratos, como resume este documento da American Chemical Society.
Os cientistas isolaram, em seguida, o componente ativo desta cultura e o nomearam de avermectina. Posteriormente, “eles descobriram que se modificassem quimicamente a avermectina, produziriam um composto 25 vezes mais ativo, que era a descoberta da ivermectina”, detalhou Emery.
À AFP, Igne Ferreira também destacou que a ivermectina tem origem natural, mas não proveniente das cascas de laranja e limão, e sim de um “um actinomiceto, bactéria superior, do solo, denominado Streptomyces avermitilis”.
“A partir desse micro-organismo se extraem as ivermectinas naturais, que, submetidas a uma reação química, resultam na ivermectina”, acrescentou.
Remédios sem comprovação científica
Além dos princípios ativos da cloroquina e da ivermectina não estarem presentes nas cascas de laranja e limão, estes medicamentos não possuem eficácia comprovada contra o novo coronavírus.
Esperança inicial para o tratamento da COVID-19 e amplamente defendidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e pelo brasileiro, Jair Bolsonaro, a cloroquina e a hidroxicloroquina se mostraram ineficazes contra o novo vírus em diversos estudos recentes.
No último dia 5 de junho, o Recovery trial, estudo clínico realizado por milhares de médicos e pesquisadores do Reino Unido com apoio da Universidade de Oxford, concluiu que não há qualquer efeito benéfico da hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19.
O mesmo foi demonstrado neste outro estudo, publicado em 18 de junho no New England Journal of Medicine.
Além disso, a agência de Medicamentos de Alimentos dos Estados Unidos (FDA) revogou a autorização de uso de emergência que permitia a administração da hidroxicloroquina a pacientes com COVID-19 no país, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu as pesquisas que estava realizado para avaliar a eficácia do medicamento contra o novo coronavírus.
“A cloroquina já foi estudada nos ensaios clínicos. Não mostrou nenhuma eficácia, não mostrou atividade adequada contra o COVID”, destacou Flavio Emery.
“Além de não mostrarem a eficácia necessária”, lembrou Igne Ferreira, a cloroquina e a hidroxicloroquina têm demonstrado ser “tóxicas”. “Arritmias cardíacas foram identificadas no seu emprego nessa pandemia”, explicou.
Em abril deste ano, a ivermectina também passou a ser considerada como um possível tratamento contra a COVID-19 após um estudo indicar que o medicamento poderia inibir, in vitro, a replicação do novo coronavírus em 48 horas.
Emery ressalta, contudo, que esse resultado foi obtido apenas em laboratório e que “a dose necessária seria dezenas de vezes maior do que o que se utiliza hoje para ter uma atividade antiviral em humanos e isso poderia levar a efeitos tóxicos”.
A FDA também assinala que este tipo de estudo em laboratório é usado no estágio inicial do desenvolvimento de remédios e que “testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar” a doença causada pelo novo coronavírus.
Até o momento, a OMS indica que “nenhum medicamento foi capaz de prevenir ou curar” a COVID-19.
Em resumo, é falso que os princípios ativos da cloroquina e da ivermectina estejam presentes nas cascas de laranja e limão, como informaram especialistas à AFP. Além disso, esses medicamentos não têm eficácia comprovada contra o novo coronavírus.