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Estado de Minas FACT-CHECKING

Checamos: Vídeo não mostra brigadistas causando incêndio no Pantanal, mas técnica de combate a chamas

Imagens têm sido compartilhadas em redes sociais afirmando que os agentes estariam botando fogo na vegetação; é fake news


18/09/2020 19:31 - atualizado 21/09/2020 09:38

Um vídeo em que agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) colocam fogo em áreas de vegetação seca foi compartilhado milhares de vezes em redes sociais desde meados de setembro.

Segundo as postagens, a gravação mostra os brigadistas provocando os incêndios florestais que têm afetado o Pantanal nas últimas semanas.

No entanto, os profissionais estavam combatendo estas chamas com uma técnica chamada queima de expansão.

“Os próprios brigadistas estão ateando fogo no Pantanal”, diz uma das postagens compartilhadas mais de 2.700 vezes no Facebook (1, 2, 3), Twitter e YouTube ao menos desde 15 de setembro.

No vídeo, cinco homens andam por uma área de vegetação rasteira, queimando pequenos trechos de plantas secas. Atrás deles, um sexto homem grava a ação e pode ser ouvido dizendo: “Os brigadistas, ao invés de apagar o fogo, tão tacando fogo. É brincadeira? Quem é que taca fogo no Pantanal?”. Na parte de trás de seus uniformes é possível identificar o nome do ICMBio.

O vídeo circula no momento em que graves incêndios florestais atingem o Pantanal, bioma localizado nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso Sul, atingindo um número recorde de focos de ativos, com 15.835 de janeiro até 17 de setembro deste ano.

Ao compartilhar as imagens, muito usuários sugeriram que estas chamas estariam sendo provocadas propositalmente para prejudicar o presidente Jair Bolsonaro. “Denúncia: ‘Brigadistas’ ateando fogo no Pantanal. A mídia marrom não quer investigar, mas joga na conta do Governo Federal! [...] Os incendiadores são do ICMBio (Instituto Chico Mendes) org%u0103o repleto de esquerdopatas !!!”, diz uma das postagens.

Não é verdade, contudo, que o vídeo compartilhado nas redes mostre agentes provocando incêndios como os que devastam o Pantanal.

O vídeo


Em nota publicada em 15 de setembro, o ICMBio confirmou que as imagens viralizadas mostram uma operação de seus agentes realizada na Estação Ecológica de Taiamã, unidade de conservação federal localizada em Cáceres, no Mato Grosso, entre os dias 12 e 13 de setembro.

Ao contrário do sugerido pelo narrador da gravação e por usuários em redes sociais, no entanto, o ICMBio explicou que os homens do vídeo não estavam provocando um incêndio florestal, mas realizando uma manobra de combate indireto das chamas conhecida como “queima de expansão”.

Essa técnica, segundo o instituto, “consiste em eliminar o combustível (a vegetação seca) em pequenas faixas do terreno através da aplicação do fogo”.

“O controle dessa técnica exige pessoal treinado e experiente, pontos de ancoragem muito bem definidos e condições meteorológicas favoráveis para que o fogo não se alastre e inicie um novo incêndio. Todas essas condições foram obedecidas e a queima foi considerada um sucesso”, detalhou a organização.

Sobre as publicações viralizadas nas redes, o instituto afirmou que o vídeo “tem gerado diversos mal-entendidos sobre as ações do ICMBio. “Ele foi produzido e divulgado por um brigadista que esteve em campo, trazendo uma versão errônea sobre a prática de que ele participara”, acrescentou.

Queima de expansão


A pedido do Comprova - projeto de verificações colaborativas do qual AFP Checamos faz parte -  o analista ambiental do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo) Alexandre Pereira avaliou o vídeo viralizado, confirmando que as imagens mostram uma técnica de combate às chamas.

Segundo Pereira, a tática funciona queimando de maneira controlada a vegetação do local para impedir que ela possa servir de combustível para a queimada descontrolada, de proporção bem maior, que se aproxima.

Como explicou o analista, ao queimar a vegetação mais seca, os brigadistas expandem a faixa de segurança, formada naturalmente pela vegetação verde e úmida, para impedir que a frente principal do incêndio entre na unidade de conservação.

“Depois que aquela vegetação foi queimada pelo fogo da queima de expansão que eles aplicaram ali, a frente de incêndio vai chegar, não vai ter mais combustível, que já foi consumido pelo fogo, evitando que o fogo adentre a unidade”, acrescentou.

A prática da “queima de expansão” é prevista no Manual de Formação de Brigadistas do ICMBio. Como explica o guia, “para apagar o fogo é preciso neutralizar ao menos um dos lados do triângulo do fogo”, sendo eles o combustível (ou seja a vegetação), o calor e o oxigênio.
Captura de tela feita em 18 de setembro de 2020 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 18 de setembro de 2020 de uma publicação no Facebook

Para eliminar o combustível, o manual recomenda a construção de uma linha de controle, ou seja, de um perímetro de segurança ao redor do setor afetado pelo incêndio para impedir sua propagação.

Isso pode ser feito com diversas técnicas, entre elas a queima de expansão. “Pode-se empregar o fogo e apagá-lo quando a faixa queimada atingir a largura desejada para a eliminação de combustíveis no lado da linha que irá queimar (queima de alargamento ou de expansão)”, detalha o documento.

A queima de expansão não é uma técnica exclusiva do Brasil, sendo utilizada em diversos outros países, como o Chile, segundo detalha a Corporação Nacional Florestal do país.

“A linha de fogo é uma faixa estreita de terreno onde é eliminada, com fogo, a vegetação combustível que está na trajetória do incêndio […]. O fogo aplicado desta maneira é chamado de queima de expansão que, ao avançar contra o vento, poderá ser apagado depois de alguns metros, mas que, mesmo que isso ocorra, cumprirá seu objetivo de expandir a faixa carente de combustível”.

A tática também é mencionada em manuais de combate a incêndios da Argentina e da Espanha.

Fogo amigo


Não é apenas a queima de expansão que faz uso do próprio fogo para conter as chamas. Conforme explica Alexandre Pereira, existem outros métodos semelhantes para controlar incêndios florestais. Entre eles, o fogo contra fogo e o aceiro negro.

O fogo contra fogo, segundo o analista ambiental, consiste em provocar um “incêndio controlado à frente de um grande queimada, de modo a causar a interação entre ambos e a alterar a direção da propagação ou a extinção desse incêndio”.

Já o aceiro negro é uma “técnica que usa o fogo controlado para criar uma faixa sem vegetação, que impeça o avanço das chamas. Difere do aceiro comum, que é feito por meio de tratos ou outras máquinas como motoniveladoras”.

Em vídeo publicado no YouTube em 15 de julho deste ano, o próprio ICMBio já explicava como a organização utiliza queimas controladas para evitar a propagação de incêndios.



De acordo com o Código Florestal Brasileiro, o uso de fogo em vegetação é proibido. A lei permite porém algumas exceções, entre elas o “emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo”.

A equipe de checagem da AFP já verificou alegação semelhante, quando um vídeo de um helicóptero lançando materiais incandescentes sobre uma floresta em chamas foi compartilhado como se mostrasse uma ação ordenada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro para provocar incêndios florestais na Amazônia.

Em resumo, o vídeo compartilhado nas redes não mostra brigadistas do ICMBio provocando os incêndios florestais que atingem atualmente o Pantanal, mas uma técnica que utiliza o próprio fogo para combater as chamas, conhecida como “queima de expansão”.

Esta investigação faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da AFP, do GaúchaZH e do Correio do Estado.


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